MELHORES DE 2009

Escolha da redação

1. Amantes, de James Gray
2. Gran Torino, de Clint Eastwood
3. Ervas Daninhas, de Alain Resnais
4. Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes
5. Inimigos Públicos, de Michael Mann
6. Moscou, de Eduardo Coutinho
7. Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino
8. Beijo na Boca, Não!, de Alain Resnais
9. Avatar, de James Cameron
10. A Troca, de Clint Eastwood

(veja aqui as listas nominais
dos redatores de Contracampo)


1. AMANTES, DE JAMES GRAY
Depois que Leonard Kraditor (Joaquin Phoenix) cruza toda a cidade para encontrar com Michelle Rausch (Gwyneth Paltrow), um travelling percorre os grandes prédios iluminados ao longo de uma avenida. O travelling é embalado por uma música orquestral melodiosa que nos remete a um genérico mundo dourado dos sonhos e dos desejos. Quando Kraditor entra no restaurante em que marcou o encontro, a melodia continua, mas agora ela não passa de música ambiente tocada em uma rádio qualquer. Uma simples construção de montagem e todo o sentido geral do filme está dado. Kraditor é um personagem fraturado. Como um mágico às avessas, seu poder é o de desencantar a realidade. Mas como torcemos por esse mágico...! François Truffaut disse certa vez, a propósito de A Regra do Jogo, que tinha vontade de rever sempre o filme apenas para ver se o final seria diferente. Com Amantes acontece algo muito parecido: revê-lo é sempre vivê-lo novamente. Não é pouco. (Luís Alberto Rocha Melo)

– leia aqui a crítica do filme –


2. GRAN TORINO, DE CLINT EASTWOOD
O que faz de Clint Eastwood um grande cineasta é que seus filmes nunca estão a serviço da expressão de um estilo (nem clássico nem moderno), mas apenas da história – é um dos poucos cineastas que ainda se propõem a filmar um roteiro, personagens e seus enlaces dramáticos. Gran Torino é certamente um dos filmes mais apurados de sua carreira. Roteiro enxuto e objetivo, uma decupagem que nunca está lá para “fazer bonito”, um protagonista complexo, mas na medida exata de seu próprio mundo, sem nunca destoar do resto. E do que nos fala esse filme? De temas como a amizade e a família, mas também e especialmente da passagem de um posto, da transmissão de uma herança – tema que é caro ao diretor. Walt é um homem à moda antiga, que já não pertence mais àquele mundo, desde o início do filme – sua solidão, sua rejeição a tudo e a todos, e mesmo sua doença (imperceptível, apenas o sangue cuspido), parecem sugerir esse apagamento. Seu sacrifício é menos uma demonstração de romantismo desenfreado da parte do filme do que o andamento natural das coisas. Mas Eastwood fez bem mais do que um filme simplesmente nostálgico: seu filme é grande porque amamos seu personagem. A nostalgia vem de outra parte: é um filme especial por termos certeza de que apenas Eastwood poderia fazê-lo, e que provavelmente nunca veremos nada parecido daqui em diante. (Calac Nogueira)

– leia aqui a crítica do filme –


3. ERVAS DANINHAS, DE ALAIN RESNAIS
Muitos falam que Resnais raramente se repete. Curioso, acho quase o contrário. Ele repete diversos procedimentos, mudando alguns caminhos e dando alguns sinais de rejuvenescimento, mas mantendo contato próximo com sua obra pregressa, mesmo que seja com sinal negativo (o que era frieza agora é emoção conduzida pela neve). A vontade de driblar as expectativas continua. Ervas Daninhas tem um pouco de O Ano Passado em Marienbad, de Muriel, de Meu Tio da América e de Medos Privados em Lugares Públicos. Tem, ainda, um traço forte de Providence, na cena do jantar na casa de André Dussolier, confirmado no final com a fala surreal da menina. Por esses traços de dimensões distintas, Providence é o avô de Ervas Daninhas. Mas essa relação entre os filmes não interfere na fruição, pois, mais do que muitos de seus filmes, Ervas Daninhas precisa de uma completa adesão do espectador para se revelar com toda sua força. Se em O Ano Passado em Marienbad ou Meu Tio da América, para pegar os dois filmes mais cerebrais do diretor, podemos admirar tudo com certa distância, sem maior envolvimento com os personagens – e talvez seja até melhor que haja essa distância –, em Ervas Daninhas, a empatia é fundamental. (Sérgio Alpendre)


4. AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO, DE MIGUEL GOMES
Foi uma agradável surpresa quando Aquele Querido Mês de Agosto, filme-xodó da temporada Festival do Rio/Mostra de São Paulo 2008, entrou em cartaz em 2009. Não estamos acostumados a tal ousadia em nosso circuito: um filme de duas horas e meia que só decide qual é seu foco com mais de sessenta minutos, que tem como personagem principal um lugar e como “tema” um conjunto de vivências relacionadas a esse lugar, não necessariamente unidas por uma lógica narrativa. Nessa sua “crônica de um verão”, Miguel Gomes inverte o caminho habitual do sentimentalismo: ao invés de criar uma ficção e, a partir dela, provocar sentimentos, ele parte de um sentimento particular do espaço e faz gravitar ao redor dele diversas hipóteses de ficção. Paisagens concretas se fundem a outras feitas só de impressões. O resultado é um filme que atravessa o rio do tempo de forma leve e, simultaneamente, perigosa. (Luiz Carlos Oliveira Jr.)


5. INIMIGOS PÚBLICOS, DE MICHAEL MANN
Ao levar para um cenário consagrado pelo cinema clássico – a Chicago dos gângsteres na década de 30 –, sua flutuação de câmera pelos espaços e fluidez narrativa centrada nos gestos banais que constroem a ação, Michael Mann descarta absolutamente o fetiche. Inimigos Públicos não regurgita um universo codificado para devolvê-lo ao espectador de hoje com uma roupagem contemporânea, mas nele se instala com seu olhar e ferramentas próprios. O distanciamento criativo dos mitos e clichês permite, por outro lado, que o filme se aproxime deles de forma afetiva, ou seja, apontando para o valor que guardam em nosso imaginário. Paralelamente, Mann aponta para o nascimento do filme policial americano contemporâneo, ao explorar a ascendência do FBI e seus métodos de investigação “científicos”, que lançaram o romantismo e o heroísmo da bandidagem de outrora para o âmbito do desvio clínico ou sócio-econômico. O John Dillinger de Mann não é nem figura mítica resgatada nem ameaça vil à segurança do cidadão comum, mas um sujeito com uma compreensão particular das dinâmicas urbanas, apaixonado por desafios e pela afirmação da liberdade. Sua morte representa o fim de uma era, e o triunfo do comissário Melvin Purvis a vitória de um cinema menos interessado no caráter humano de seus personagens do que nas tecnicidades que permitiriam sempre avançar passando a página da História. (Tatiana Monassa)

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6. MOSCOU, DE EDUARDO COUTINHO
Cada vez me parecem mais raros os filmes em que a fascinação do espectador, sem culpa e sem desculpa, é extremamente bem-vinda. Moscou é um desses filmes. Trata-se basicamente de um ensaio sobre a desfiguração do ator ao personagem, e isso já é muito. Desvendar o segredo do ator e fazer insurgir dele o milagre da encenação é uma tarefa que Coutinho considera árdua e preciosa e, portanto, só pode ser realizada de maneira obstinada. É uma persistência que usa toda a sua força para esta finalidade, ato de concentração e de rigor que consegue colar a prática do trabalho à ambição estética. Coutinho rejeita metáforas ou sugestões: tudo aquilo que vê é exatamente o que lhe interessa filmar. Sua obra não é hermética, como muitos acusam, porque ele é crítico o suficiente para nos exigir crer na mesma coisa que ele vê. Se não há essa cumplicidade, não nos sobra nada a contemplar. Esta exigência, sem dúvidas, não deixa de exaltar o domínio, a superioridade do diretor à obra. O “domínio” de Coutinho, porém, não tem outro itinerário senão o de ser atraído, dominado, até dilacerado, por aquilo que acaba de descobrir – o que é fascinante. (João Gabriel Paixão)

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7. BASTARDOS INGLÓRIOS, DE QUENTIN TARANTINO
Até Bastardos Inglórios, Quentin Tarantino havia sido um conceptor, um diretor com grandes idéias para vender seus filmes em modo meta e facilidade de articulação para se manter como um ícone do cinerma pop (para a maior fatia de seu público) e como um cultor da mise-en-scène (para aqueles que sabem o que significa o termo). A questão é que uma boa parte dos diretores preferidos do cineasta não eram conceptores e raramente tinham a possibilidade de levar à frente seus próprios projetos. Ao contrário, tinham que negociar com produtores, aceitar empreitadas como assalariados ou seguir a onda exploitation do momento – o estilo era aquilo que surgia a despeito da narrativa ou mesmo contra ela. Num certo sentido, Bastardos Inglórios parece muito mais com Dália Negra, de Brian De Palma, do que com qualquer outro filme do próprio Tarantino: um suntuoso desfile de requinte visual que dá preferência à parte em relação ao todo, que extrapola charme, ritmo, brilho de personagens, momentos de tensão sem necessariamente ter de inseri-los ou "organicizá-los" com verossimilhança. Melhor assim: nasceu um filme deliciosamente indisciplinado que pede a seu espectador que veja não historinha, mas cinema. (Ruy Gardnier)

– leia aqui a crítica do filme –


8. BEIJO NA BOCA, NÃO!, DE ALAIN RESNAIS
Devido a um desses mistérios insondáveis que rondam o circuito exibidor brasileiro, Beijo na Boca, Não!, de Alain Resnais demorou seis anos para ser lançado por aqui. Mas a demora não tira o impacto e o deleite causados por esse filme de impressionante leveza. Dentro do processo que mergulha sua obra em exercícios de mise-en-scène nos quais explora ao mesmo tempo as limitações e interseções entre os espaços cênicos do cinema e do teatro, a filmagem de uma opereta da década de 1920 seguindo à risca o texto original proporciona a Resnais a realização de um filme gêmeo a Melô (1986). Temos aqui dispositivos idênticos que fazem de um melodrama e uma opereta pontos de partida para um filme que reforça a essência destes gêneros teatrais explorando ao máximo seu potencial como espetáculo cinematográfico. Com Beijo na Boca, Não!, Resnais opera a façanha de aliar o rigor habitual de sua direção a uma fluidez descontraída que torna este o mais divertido e engraçado trabalho de sua longa carreira. (Gilberto Silva Jr.)


9. AVATAR, DE JAMES CAMERON
Muito já se escreveu, inclusive nesta revista, sobre o fato de que, no cinema hollywoodiano, já não se fazem mais filmes sobre assuntos, e tampouco há cineastas que se dedicam a contar uma história. Hoje, talvez nenhum outro diretor tenha tanta consciência dessa situação quanto James Cameron. Ele percebe que, para unir novamente esses dois termos que formaram a base do cinema americano (dissertar sobre um assunto, emocionar com uma história), somente criando um novo mundo, com a mais nova tecnologia. Em Avatar, a tão aclamada revolução em 3D não é um fim, mas um meio. Com a invenção de Pandora, Cameron ambiciona algo ainda maior que sua obra anterior, Titanic. Se antes o cineasta ia aos escombros de um navio para alcançar um cinema perdido, em Avatar o “cinema do passado” já não precisa mais do passado para existir. É num futuro inteiramente digital que ele reencontra o cinema de sua infância, da decupagem funcional, dos bons valores, da ingenuidade de sentimentos. E, por não haver contradição nem ingenuidade alguma nisso, Cameron é, e continuará sendo, um caso único no panorama atual. (Leonardo Levis)

– leia aqui e aqui as críticas do filme –


10. A TROCA, DE CLINT EASTWOOD
Dominar a linguagem clássica não é apenas uma questão de saber exatamente onde posicionar a câmera, quando e como movimentá-la, como dirigir os atores, como direcionar a luz, quando e para onde cortar para atingir um estilo invisível, funcional, porém elegante de mise-en-scène; mas ser mestre dessas operações, e, ao mesmo tempo, saber rejeitá-las no momento em que começam a se tornar traiçoeiras. O que faz de Clint Eastwood um cineasta de nosso tempo é justamente sua capacidade de se filiar ao cinema clássico-narrativo (em A Troca ele presta uma homenagem explícita a um de seus períodos mais férteis), e ao mesmo tempo ser moderno o suficiente para extrair expressividade justamente dali onde o rigor formal deixa uma brecha em favor de uma verdade a ser testemunhada. As mais de duas horas de A Troca são justas com estes momentos, cujo encaixe ao ritmo e à trama do filme nem sempre se dá sem fissuras. A atenção dada à sentença de morte do serial killer Gordon Northcott é algo que escapa à funcionalidade narrativa, mas que, no entanto, é parte essencial do todo e que evidencia sobretudo o comprometimento de Eastwood como cineasta. Pois se a pena de morte faz parte de sua história, é apenas uma obrigação torná-la uma questão. Seu estilo supostamente invisível, como em todos os grandes diretores de Hollywood, não equivale à ausência de comentários por toda a parte sobre a moral humana, o sentimento de culpa, a justiça e tudo o mais que a grandeza de seus temas possa trazer à superfície da tela. O drama e a obstinação de Christine Collins, que perdeu seu filho horrivelmente devido à perversidade e à corrupção do sistema institucional americano, dificilmente serão esquecidos por aqueles que os testemunharam através do olhar de Clint Eastwood. Criador de personagens memoráveis e sábio o suficiente para se recusar a submeter a fúria interpretativa de seus atores à fria filtragem do gênero, Eastwood é hoje capaz de realizar apenas um tipo de filme: os que nos fazem chorar. (Alice Furtado)

– leia aqui a crítica do filme –

 

 
 






Amantes, de James Gray


Gran Torino, de Clint Eastwood


Ervas Daninhas, de Alain Resnais


Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes