CINEMA FALADO, PARTE 7
Justo uma conversa: Conceição

LARM: Eu só quero registrar uma coisa completamente pessoal: para mim, Conceição é um filme importantíssimo de ter sido feito e ter estreado, e como ele estreou em 2007 eu estou incluindo ele aqui nessa conversa. Se alguém tiver alguma coisa para falar, tudo bem. Se não, de todo jeito eu quero dizer isso. É um filme fundamental – para mim.

DC: Bem, então eu vou dizer uma coisa... (risos) É, eu vou dizer uma coisa sobre o texto que eu escrevi no livro [Cinema Brasileiro 1995-2005, Ensaios sobre uma década], que eu acho que não soube explicar numa conversa que nós tivemos por email, na lista da revista, e acho que houve um mal-entendido entre eu e o Ruy, por algo que eu não soube explicar, sobre uma coisa que escrevi nesse artigo e que eu acho que é o mais difícil de fazer. Eu uso uma frase do Paulo Emílio em que ele diz: "Eu sou um exemplo deplorável", e eu, Daniel, também sou um exemplo deplorável... Mas a gente confundiu, na nossa conversa por email, o que é interesse e o que é afeto. O afeto, defender um filme, é algo pessoal – mas ter interesse é se manifestar. Então, quando eu falei lá, eu quis dizer que é muito difícil se manifestar, inclusive contrariamente, sobre aquilo que é próximo. Mas é preciso se manifestar contrariamente. Quando eu falei das duas estrelas generalizadas no quadro da Contracampo, que me incomodaram, o pessoal achou estranho, como se eu quisesse que todo mundo desse três ou quatro estrelas, mas não era isso. É que tanto é preciso dizer por que é bom para ganhar uma ou duas estrelas quanto dizer por que é ruim para deixar de ganhar outras. E meu maior problema com a recepção crítica desse filme que eu fiz é que eu sei que as pessoas que defenderam o fizeram de coração, mas as que atacaram não entraram no filme de fato. Isso deve acontecer com vários realizadores, e eu senti isso, é que a gente não sabe de fato se as pessoas vão conseguir receber o filme de peito aberto e dizer "olha, isso aqui eu gostei, aquilo ali é um problema do filme, aqui eu vejo uma qualidade, isso aqui é questionável etc". E o que acontece é a pessoa comprar o lado do "sim" ou do "não". Eu entendo, foi o que essa experiência me passou e que esse papo aqui me passou, que é muito difícil a gente tratar de um universo próximo... Eu talvez tivesse outras coisas a dizer sobre o filme, mas a gente sabe que o realizador é a pior pessoa para discutir a qualidade de um filme – no máximo dá pra extrair algumas pistas. Mas eu notei como é difícil falar de qualquer filme brasileiro que é muito próximo, ou de qualquer produção que é muito próxima, para discutir os problemas. E o Conceição cria armadilhas para fugir de alguns problemas. E parece que as pessoas têm medo de cair nas armadilhas... Isso me incomoda e preocupa quando a gente sabe que a pior crítica ao filme foi um boicote de um jornal de São Paulo, que preferiu silenciar. Isso me diz muito sobre a relação que os filmes brasileiros têm com seu público e sua mídia. A pior coisa que pode acontecer é esse silenciar.

LARM: Olha, eu já escrevi sobre o filme e não tenho muito mais a acrescentar, mas eu tenho a maior curiosidade em saber o que as pessoas acham do filme. Isso realmente é uma coisa que eu vi muito pouco, um diálogo sobre o filme. Eu não sei a opinião da maior parte das pessoas que estão aqui. Isso é uma coisa que eu gostaria de saber por saber mesmo, além de se tratar de um filme muito próximo, como o Daniel está dizendo.

RG: É claro que não se trata de um filme como os outros, é um filme feito no seio da Contracampo, ou pelo menos por uma pessoa que está na revista desde quase o começo, e naturalmente não é o mesmo que falar dos outros. O que eu acho que desencoraja o debate, não do meu ponto de vista especial, mas em geral, é que é um filme armado para as reações, não só por ter um discurso de um crítico, que na vida real é um professor que todo mundo aqui sabe quem é, o João Luiz Vieira; mas isso pouco importa. De certa forma é um filme armado, não só por conta disso mas também por ser um exercício de repertório, de coisas já vistas no cinema brasileiro. E eu não coloco isso de forma pejorativa ou não, simplesmente vendo um monte de coisas que a gente reconhece, e em alguma medida isso se revela tanto a força quanto a fraqueza do filme – ele não consegue se instituir como diferença em relação a uma série de admirações que seus realizadores têm. Mas, ao mesmo tempo, é um filme que tem um sopro de juventude, que é essa vontade de trabalhar no registro fragmentário, no registro em que o fazer é mais importante que o resultado. Isso resulta naturalmente em um filme com momentos altos e momentos baixos, e esses momentos são intercambiáveis entre as pessoas que admiram ou não o que surge. De certo modo, o filme tem uma maneira de se estruturar que ela própria é uma resposta às criticas ao filme: ele não tem equilíbrio, e não é pra ter, não tem harmonia, e não é pra ter. Ele se constrói nas antípodas da maneira habitual de se julgar uma obra, o que a princípio não é defensável nem criticável. Mas me parece um exercício de repertório no sentido de que, desde o final dos anos 60, já se tem um grupo de cineastas trabalhando nessa via. E onde ele se institui como diferença, é obvio, é que é a primeira vez que existe um longa-metragem universitário, mas puxar o filme no cinema falado para dizer isso é nulo.

TM: Minha sensação, ao ver o filme no cinema, em julho de 2007, mesmo tendo visto o filme anos depois de ele ter sido filmado, é que ele propunha alguma coisa, tinha um diálogo bastante rico com o cinema de 2007, sobretudo nessa questão de "que filme fazer". Nesse sentido o filme me surpreendeu, porque essa questão do repertório é clara, mas ele ganhou essa noção de diálogo, por ele ter estreado em circuito e poder se tornar visível em 2007. E embora, para mim, ele carregue muitos traços de uma determinada geração anterior da UFF, com coisas que se fazia no cinema universitário daquela época, esse pertencimento geracional é muito claro no filme. Mas, para além disso, o filme se torna maior do que essas questões de produção com esse questionamento mesmo: que filme fazer? No fim das contas isso não se fecha no filme, mas é importante porque ele pode ser vários filmes, e a questão está colocada. No caso das pessoas colocando sua vontade de cinema, é aí que eu acho que ele ganha maior graça, com essas pessoas estudando cinema e pensando em que filmes fazer, que podem ser mais uma repetição ou mais uma coisa que diz respeito a elas mesmas, mas indica que qualquer pessoa pode pensar num filme que diz respeito a ela mesma.

RG: Sim, mas aí nesse sentido a pergunta adquire uma característica talvez evasiva, muito mais evasiva do que propositiva, porque a resposta a que filme fazer é fazer um grande filme. Quando você fragmenta isso em várias coisas, é uma forma de trabalhar evasiva e desencorajante inclusive ao debate, uma vez que o filme se arma com uma crítica, ele próprio pressupõe uma tréplica à réplica que ele pressupôs.

TM: Sim, eu concordo, eu acho que o filme ser fragmentário torna ele desmobilizador. Mas eu acho que o diálogo está colocado de outra maneira.

DC: Sempre teve a ambição de ser um retrato da juventude, também.

RG: Como retrato da juventude, eu remeto às palavras que o Morris acabou de falar sobre O Passageiro, mesmo que num registro diferente. Como retrato da juventude eu acho que ele trabalha inteiramente dentro de uma tipologia, que é ao mesmo tempo uma tipologia muito precisa, de uma certa esquerda festiva que fuma maconha, que freqüenta o Posto 9 e faz cinema, e que não sabe olhar para além do próprio umbigo.

TM: Eu acho que, nesse sentido, ele é um belo retrato da juventude, mas de uma juventude muito específica.

EG: Mas é um retrato bastante fiel.

TM: Ele é um retrato dos estudantes da UFF de 1997.

EG: Não só de 1997, isso acontece até hoje.

TM: De 1995, aquele período...

DC: O roteiro é de 1997.

RG: De alguma forma, remete a uma juventude precisa da faculdade onde muitos aqui estudaram, a UFF, e de alguma forma isso indica os limites do filme.

RM: Eu não me reconheço ali, como estudante da UFF atualmente.

TM: Eu também não, isso que estou falando. Por isso que o filme tem esse pertencimento geracional muito claro. A UFF de hoje não é assim, a UFF em que eu entrei já não era assim.

BB: Até pela linguagem ele remete a outra geração da UFF, a algo mais dos anos 90 da faculdade. Eu já não vejo as produções da UFF sendo feitas daquele modo, não acho que ele seria feito daquele jeito pelo pessoal de hoje em dia.

TM: Mas, dito isso, eu acho que ele consegue condensar todas essas coisas e acho que se torna uma peça importante nessa trajetória.


Parte 1: Sociedade em descontrole: Tropa de Elite, o filme e o fenômeno

Parte 2: Universos sob controle: Baixio das Bestas e Santiago

Parte 3: Jogo de Cena

Parte 4: Um novo gênero? / Ficções cansadas

Parte 5: Cão Sem Dono

Parte 6: A juventude brasileira não se pertence




 
 






Conceição - Autor Bom É Autor Morto, de André Sampaio,
Cynthia Sims, Daniel Caetano, Guilherme Sarmiento e
Samantha Ribeiro