Ruy Gardnier: 2007 tem
um fenômeno que, todos vão concordar, é maior do que
os outros. O fenômeno não é só de público, mesmo porque
os números não são tão colossais quanto a produção do
filme imaginava, mas é um fenômeno que ultrapassa inclusive
a esfera do cinema e vai pra uma série de aspectos culturais
de modus operandi da vida do carioca – a praça
em que o filme mais rendeu, mas não a única. O fenômeno
é Tropa de Elite, e o fato de que o filme,
meses antes de ser lançado em cartaz, teve uma vasta
distribuição por meios ilícitos. De uma forma impressionante,
houve uma divulgação especial, porque se você, sendo
camelô, for vender o filme que todo mundo conhece por
já estar no cinema, você não precisa do display, você
não precisa criar uma interface gráfica e visual, familiarizar
seu possível cliente com a imagem que ele vai ver. Com
Tropa de Elite acontecia, eu mesmo vi,
que colocavam uma série de pequeno tocadores de DVD
na rua e mostravam para o possível cliente o único uniforme
com os quais ele está familiarizado, uma iconografia
que já está relativamente sedimentada no audiovisual
brasileiro por conta de Cidade
de Deus, Cidade dos Homens, como chefes de um grande
gênero que é esse exploitation
de favela, enfim, surge um fenômeno com proporções maiores
mesmo do que a cinematográfica. No entanto, acho que
o filme ultrapassa isso, é um filme a ser realmente
discutido do ponto de vista cinematográfico, e acho
curioso que em geral, tanto no que saiu escrito quanto
na percepção geral das pessoas – seja de pessoas com
quem a gente convive, seja de anônimos, de quem a ente
ouve o burburinho no ônibus –, houve uma repercussão,
como era de se imaginar, bastante rasa.
Acho que muito poucas vezes a gente viu um filme
que, pela sua própria forma de se construir, pedia um
tratamento mais aprofundado, de ter toda sua ambigüidade
furada dos dois lados, seja daqueles que acham que o
filme vibra com seus personagens e acha que de fato
o filme é um grande exercício hedonista e autoritário
de recolocação da cidade na ordem, seja dos outros que
acham que o filme é fascista e na verdade toma um ponto
de partida abominável de defesa. Acho naturalmente que
a grande parte da discussão, sobre esse elo, gira em
torno do Tropa de Elite, apesar de, estritamente
de um ponto de vista artístico, pelo menos dois filmes
fazerem frente ou serem superiores a ele. E já digo
de antemão que considero que esses dois filmes são Jogo de Cena e Cão sem Dono. Isso em alguma medida se aproxima da unanimidade, talvez
um ou outro vá ter opiniões distintas, mas eu acho que
a princípio tanto de um ponto de vista de como o cinema
brasileiro funcionou na economia dos valores simbólicos,
e também como funcionou de um ponto de vista mais estritamente
artístico, é pelo menos válido como linhas gerais. Olhando
esses números mais uma vez, protocolares, que a gente
recebe ao final do ano, dos inúmeros filmes lançados,
e qual foi a performance de público que eles têm, eu
acho que a conversa novamente vai para aquilo que a
gente pisa e repisa todo ano, que é o fato de apesar
do enorme número de filmes lançados, pouquíssimos são
os filmes que conseguem uma adesão maior do público
e eu acho que as razões são basicamente as mesmas dos
anos anteriores, então não existe uma maior necessidade
da gente se debruçar sobre isso.
Luiz Carlos Oliveira
Jr.: Sobre o fenômeno sócio-midiático do Tropa
de Elite, acho que há duas coisas para se destacar,
e elas meio que substituem isso que o Ruy está falando,
que nos anos anteriores sempre ocupava nossa primeira
fita. O Cinema Falado esse ano adentra a era do mp3,
mas nos anos anteriores a nossa primeira fita cassete
era sempre gasta com toda a discussão em cima dos dados,
das estatísticas, em cima do que cada filme havia feito
de público. A gente basicamente fazia um inventário
dos dez primeiros e dos dez últimos daquela lista de
bilheterias, e buscava certos diagnósticos a partir
disso. Começar a conversa com Tropa
de Elite é muito importante justamente porque isso
suprime a necessidade de se debruçar sobre os números.
Todo o fenômeno social e midiático do filme incide sobre
dois pontos basicamente: o primeiro é que o filme caiu
na boca do povo, por assim dizer, por um mecanismo extra-publicitário,
por toda uma via de divulgação e de difusão do filme
na sociedade que passou ao largo, na verdade se antecipou
aos próprios mecanismos de divulgação do cinema brasileiro.
E o filme tocou no ponto nevrálgico do cinema brasileiro,
que é o ponto da distribuição, que é a questão de se
fazer os filmes sem saber, sem ter a mínima idéia de
que público ele vai atingir, se ele vai ter um público
ou não. Todas aquelas lamúrias anuais e chatíssimas
sobre "ah, meu filme tinha potencial pra fazer
mais público do que fez, foi mal distribuído, foi sacrificado
pelo mercado, foi prejudicado pela estrutura, pelo sistema,
pelo modo como o mercado do cinema brasileiro é uma
ficção, etc". Enfim, Tropa de Elite chegou nesse ponto nevrálgico e o irônico da coisa
é que o filme foi possivelmente o maior sucesso, o maior
fenômeno de público (diferente de fenômeno de bilheteria)
do cinema brasileiro da retomada, justamente furando
todos os meios convencionais de divulgação de filme
brasileiro, de acontecimento social de um filme brasileiro.
Esse é o primeiro aspecto. O segundo é algo que na verdade
eu já resumi numa frase do Serge Daney que botei lá
no contrablog na época em que o filme estava repercutindo,
que é aquele aspecto de que existe uma certa linha do
imaginário que uma vez ultrapassada você já está em
outro patamar; existe um certo ponto ali que o Serge
Daney diz que é um certo apelo de mitologia, um apelo
de imaginário. Um apelo de imaginário popular, coletivo,
cósmico, chame como quiser, mas que é uma linha que,
se você ultrapassar, já não está mais tratando com uma
matéria ficcional qualquer, você está lidando com algo
que diz respeito realmente...
RG: É quase
um arquétipo.
LCOJr.: Quase
arquétipo, um sentimento coletivo que existe como uma
resposta imediata àquilo, mas que é uma resposta ao
mesmo tempo profunda da sociedade à qual aquele filme
está se dirigindo. Uma resposta quase patelar. Sabe
quando o martelinho bate no joelho e você reage à revelia
do próprio cérebro? Tropa
de Elite chegou a um certo lugar do imaginário,
um certo lugar da sociedade em que não havia como não
acontecer. Ele estava lidando com aquilo que independe
do suporte, se a pessoa vai ver aquilo no cinema, na
TV, no bar, no celular, wherever,
a questão é que a pessoa precisa ver. É aquela coisa:
a Paixão de Cristo vai ser contada em todos os meios
de expressão que você criar, em qualquer ponto da história
da humanidade. Já mal comparando o Tropa
de Elite, a história do Capitão Nascimento com a
Paixão de Cristo... Ele tocou num ponto que a sociedade
brasileira iria ver, qualquer meio audiovisual que ele
utilizasse ali teria apelo. E o fato de o filme ter
furado a exibição cinematográfica, e ter acontecido
antes num DVD pirata que circulou na mão de deus e o
mundo, acho que fala um pouco também sobre a própria
força, a própria necessidade, a própria urgência daquela
ficção que ele estava trabalhando.
RG: Só um
pequeno dado: bom, em números formais o filme não é
o fenômeno da retomada, em números formais até agora
ele é a metade de Dois
Filhos de Francisco, por exemplo.
LCOJr: Eu
falei o grande fenômeno de público, porque Dois
Filhos de Francisco foi a maior bilheteria da retomada
até agora, mas você não saía pela rua e ouvia as pessoas
no ponto de ônibus repetindo as falas dos personagens.
Daniel Caetano:
Tropa de Elite é um fenômeno de massa, mais do que ser um fenômeno
popular ou de público. Ele é um fenômeno de massa no
sentido em que ele se difundiu pela sociedade inclusive
por quem não viu. Isso é muito interessante. Ele virou
realmente uma coisa fantasma. Um assunto que todo mundo
sabe mais ou menos o que é. Não é que toda população
brasileira viu o filme. Segundo dados que a própria
produção levantou a partir do IBOPE, o filme teria 11
milhões e meio de espectadores. É um número menor do
que um filme que passa na Rede Globo, nove e meia da
noite, então Central
do Brasil ou Cidade
de Deus já foram vistos por muitíssimo mais gente
que isso. Mas o que esse filme conseguiu na verdade
foi essa entrada no imaginário. Que é absolutamente
fascinante de fato. E que acontece de uma forma que,
como a gente já falou, de repente foge ao próprio filme.
Na verdade, o que o filme propõe é mais importante do
que ele de fato apresenta. É sob esse aspecto que a
gente tem de relativizar muito quando diz: “bom, as
pessoas não estão compreendendo o filme, não estão discutindo
a fundo o filme”. Mas acho que, como inclusive escrevi
no texto na Contracampo, o próprio filme tenta criar
determinadas perspectivas dentro de si que levam a esse
choque. Essa possibilidade de uma pessoa tomar uma postura.
E você pode dizer que o filme não a toma, mas ele a
permite. E isso, lidando com o assunto que é tão atual
e que é tão polêmico... E note que são algumas falas...
O que acho muito interessante notar, por exemplo, é
o seguinte: o filme tem muitas brechas, aí a gente discutir
ele cinematograficamente eu acho muito interessante
porque ele tem vários ruídos que parecem ser na verdade
uma obra, vamos lá, quase desconjuntada, no sentido
de que na verdade tem alguns vetores, algumas fontes
de força muito grandes nele, mas tem algumas coisas
que ele deixa escapar, que vão pela rabeira, que vão
embora. Que não precisa ficar preocupado com o detalhe,
com o bom acabamento, não é bem por aí a idéia do filme.
Então essa possibilidade de ter esses vetores é que
faz com que mobilize muito as pessoas, as pessoas não
estão preocupadas de fato. Quer dizer, a gente ouve
falar: “ah, o Wagner Moura está ótimo, os atores estão
ótimos”. Mas quem vai discutir ponto a ponto, cena a
cena? Mas, de repente, todo o imaginário em torno da
polícia enfrentando os bandidos está lá, e tem um policial
que é um herói, um anti-herói, nessa guerra contra o
crime. E isso de fato mexe com determinados arquétipos,
que atiçam a curiosidade das pessoas. Cidades de Deus ou Central do Brasil foram muito mais vistos, mas o arquétipo Dadinho
é um personagem bastante simples. Em Tropa
de Elite não é o Capitão Nascimento, não é o Wagner
Moura: é a possibilidade de ter um policial honesto,
em termos financeiros, e, no entanto, fora da lei no
sentido das atividades que ele exerce para conseguir
alcançar os seus fins. Isso é um imaginário que está
em qualquer lugar do mundo, diga-se de passagem. A gente
vê, por exemplo, um filme americano como Zodíaco fazer piada com o Dirty Harry, que é exatamente isso.
RG: Mas acho
que tem uma diferença fundamental entre o personagem
do Capitão Nascimento e o Charles Bronson em Desejo de Matar, por exemplo, e o Dirty
Harry, que é o fato de que existe uma certa vaidade.
De certa forma, o Capitão Nascimento se coloca o papel
de um justiceiro, de alguém que faz um justiçamento
social. No entanto, existe uma série de características
de personagem que relativizam o fato dele ser ou não
um herói positivo. E ainda assim existe uma série de
decisões que são feitas por vaidade dele por ter um
desejo individual, por exemplo, de escolher logo a pessoa
que vai substituí-lo, e essa decisão resulta na tortura
de uma série de crianças, como se presume pelo número
de sacos plásticos sangrando que a gente vê numa determinada
cena. O filme atiça, e eu também concordo com o que
você estava falando, acima de tudo porque não está –
e acho isso um verdadeiro mérito do filme – buscando
ser um filme de mensagem. No fundo, eu acho que ele
vai se construindo aos poucos para que a gente veja
como a sociedade atingiu um patamar em que um grupo
que acaba sendo vital para o funcionamento dessa sociedade
é um grupo que não imaginaríamos poder existir numa
zona pacifica, uma zona que não está em guerra civil,
num país que não está em
guerra. Ou seja, uma tropa de gente
que é formada para atuar como se estivesse...
LCOJr: Em
Bagdá.
RG: Em Bagdá. Ou no Vietnã nos
anos 60.
DC: Eu concordo
com tudo isso, eu acho que na verdade não é um filme
de mensagem, é um filme de questão.
Tatiana Monassa:
Eu acho que é um filme de mobilização.
LCOJr: É
uma panela de pressão. Tem muitas forças para fora,
na verdade. As forças centrífugas do filme são muito
maiores.
DC: E é de
choque. Tem uma força apontando para um lado, e outra
para o outro. Obriga o público a se posicionar.
RG: Quando
você fala de panela de pressão, eu acho que até lembra
muito o final – e esse sentimento de algo que não está
completo, que apresenta um lado, apresenta o outro e
não há uma conclusão, não há solução pra isso – de Intervenção
Divina do Elia Suleiman, cujo último plano é uma
panela de pressão. E ele bota que um lado não vai esmorecer,
o outro também não, e de alguma forma vai-se criar um
equilíbrio, mesmo que seja um equilíbrio dinâmico ou
que muitos morram por conta disso. É claro que isso
para muitas pessoas era inaceitável, era algo intolerável.
Mas de certa forma o filme, a grande honestidade do
filme é apresentar esse intolerável como o estado de
fato que se vive diariamente. Não é como uma tragédia
– que é, por exemplo, a via de Quase Dois Irmãos, uma lamentativa de “cidade partida”. O filme mostra
que não, que no fundo o que existe é essa relação.
LCOJr: Isso
é curioso porque muita gente abordava o filme ainda
com a "cidade partida" na cabeça. Enquanto
o filme felizmente passa ao largo dessa discussão...
TM: Inclusive
dentro do filme há essa menção do equilíbrio delicado,
o próprio Capitão Nascimento fala isso, que o equilíbrio
da cidade depende dessa negociação de forças. Então
ele próprio, como a gente, está consciente desse equilíbrio
de forças que mantém a cidade. Mas acho importante também,
justamente como você falou, Daniel, pensar de que forma
essa reação do público está meio que prevista pelo filme.
E não é uma questão realmente de assunto. Não é por
ele tocar na questão do policial. Sim, isso é muito
importante, mas a forma como ele faz isso, a forma como
ele coloca o policial dentro da narrativa é que é mais
importante. E aí já passa a ser um dado da própria construção
do filme.
RG: É uma
operação formal: construir aquele personagem como narrador.
TM: Sim,
com certeza. É porque de certa forma, se você pensar
o Dadinho, ele é uma espécie de arquétipo também, do
homem mau por natureza. Mas a questão é de como ele
está articulado no filme. O fato de ele mobilizar ou
não mobilizar.
LCOJr: O
filme foge do ponto de vista que o cinema brasileiro
vinha adotando até então, por mais que tenha um mediador
no filme, que é o garoto que faz faculdade de direito.
E já me disseram que a primeira versão do filme seria
do ponto de vista dele.
DC: O Matias.
Que no final dá o tiro na cara do espectador.
LCOJr: O Matias seria o fotógrafo lá do Cidade de Deus, seria o equivalente do
Buscapé. Mas foi trocado pelo Capitão Nascimento.
DC: Seria
diferente porque o Matias está em processo de enlouquecimento.
Esse filme seria o processo de enlouquecimento de Matias.
Bernardo Barcellos:
Não apenas isso como também que ele está dentro
do sistema. O Buscapé fotografava aquilo. Ele só fazia
uma intermediação mesmo.
LCOJr: Mas
morava na Cidade de Deus...
Leonardo Levis:
Ele é tipo o Dráuzio Varella lá no Carandiru.
LCOJr: É
alguém que freqüenta a classe média. O filtro que ele
traz, a relação inter-subjetiva que ele vai estabelecer
é: alguém que você conhece, que freqüenta seu meio,
falando pra você como é que funciona aquele outro espaço.
A questão muda quando há o deslocamento de ponto de
vista do Matias pro Capitão Nascimento, porque o Capitão
Nascimento era um ponto cego na ficção brasileira, sobretudo
a ficção que abordava esse tipo de universo.
RG: Tirando
O Invasor.
LCOJr: Mas
o invasor é o bandido, o invasor é o cara que mora na
periferia.
DC: Tem o
filme do Calmon, o Eu Matei Lúcio Flávio. Mas eu concordo
com isso aí. O que acontece é o seguinte: se a gente
pegar essa idéia de que seria o Matias o narrador, seria
o processo de enlouquecimento dele.
TM: Não diria
tanto um enlouquecimento, não. Eu diria de transformação,
e de marcação de posição. Ele precisa marcar posição,
ele não pode ficar no meio.
DC: Mas ele
viraria uma máquina de matar.
TM: Tanto
que a crítica do Capitão Nascimento é justamente que
ele queria ocupar o lugar do centro, e esse lugar é
impossível. Isso não existe. No universo do Tropa
de Elite, é preciso que você saiba em que lado você
está. Você não pode ficar em cima do muro.
DC: Tudo
bem, o Matias, ele escolhe o lado. Mas seria esse caminho
do Matias escolher um lado que, para nós – que vemos
aquele negócio como uma máquina de matar, o BOPE –,
seria ele se transformando em parte de uma máquina de
matar.
LCOJr: Mas
para filmar o ponto de vista do Matias seria preciso
um Kubrick e não um José Padilha.
DC: E o que
aconteceria? O Nascimento, ele muito claramente seria
um louco. Ele deixaria de ser a figura estável ao filme
e a qualquer espectador. Por quê? Porque ele seria um
maluco, que leva um outro para ser parte de uma máquina
de matar, como acontece no filme do Kubrick, o Nascido
para Matar. Seria uma outra perspectiva. Basicamente
o filme é isso, é “os meios formam o homem”, então cada
um cumpre o seu papel, numa guerra, porque os meios
o levam a escolher seu papel na guerra. Digamos que
ele filmasse o outro lado, não o policial. Porque o
pessoal diz: “ah, primeiro filme que é sobre policial
e não sobre traficante, mas não tem nenhum filme sobre
traficante na favela que a gente entenda por que o cara
virou traficante”. No filme que tem sobre traficante,
o cara é bandido e tem gente sempre do bem na favela.
RG: O próprio Tropa de Elite, de certa forma, fala que uma vez compreendendo o
meio em que o cara favelado vive, você faria a mesma
coisa.
DC: É verdade,
mas a gente não vai ter esse filme. O Tropa
de Elite não vai escolher esse ponto de vista para
retratar essa guerra. Ele escolhe qual? O do Capitão.
Por quê? Porque dessa maneira – pra mim, pessoalmente
– todo mundo poderia achar um drama muito bonito, sobre
um sujeito que vira traficante, mas não teria o apelo
que de fato tem essa figura que a gente chamou de mitológica,
de arquetípica, que é esse policial em busca da ordem
da sociedade custe o que custar. Foi necessário, para
fazer com que houvesse esse tipo de mobilização, esse
tipo de incômodo, criar figuras com que a gente sabe
que qualquer sociedade poderá se identificar.
Luís Alberto
Rocha Melo: Um herói?
DC: Um anti-herói.
Não poderia ser um traficante, e ser Matias enfraqueceria
esse aspecto.
LARM: Mas
essa descrição que você está fazendo é a de um herói.
DC: De um
salvador.
LARM: Até
do ponto de vista desse desejo da sociedade. É justamente
de uma figura que é um herói. E o herói não exclui,
por exemplo, ambigüidade, não exclui uma série de coisas.
Eu acho que na história do cinema os herói não são um
poço de virtude. Eles são realmente complexos. Em todo
herói, de John Wayne a Capitão Nascimento, que é uma
imagem inclusive que a mídia está usando muito e tal,
essa complexidade existe mesmo. Agora, no fundo, essa
demanda que vocês estão falando da sociedade, ela parte
também de um desejo desse herói. As pessoas lêem o Capitão
Nascimento como herói um pouco por conta disso, um pouco
por conta desse desejo. Há um desejo disso, e o filme
sabe e se cria em função disso, e daí sua ambigüidade.
DC: O filme
sabe que ele não é um herói, ao mesmo tempo. Ele detona
o herói.
LARM: Não
discordando, mas problematizando mais o que o Ruy colocou
no início: eu acho que a leitura do filme como um filme
fascista não exclui a ambigüidade. Não exclui você considerar
também o filme como ambíguo. Porque acho inclusive que
no Brasil essa questão fascista é absolutamente ambígua.
É louco dizer isso, mas eu acho que dentro do fascismo
brasileiro, entre aspas, existe uma grande ambigüidade.
E esse filme responde um pouco a isso dentro da heroicização
do personagem, que é um desejo com o qual o filme sabe
jogar.
Estevão Garcia:
Por exemplo, a respeito dessa questão da heroicização
do personagem: quando o BOPE é contraposto à PM, esta
última é mostrada como corrupta, sucateada, se envolve
com drogas, com prostituição. E o BOPE não, o BOPE se
não envolve com isso, mas mata quem quiser. Essa questão
do BOPE não ser corrupto, o público que defende essa
idéia de que o Capitão Nascimento é um herói usa isso,
esse fato de não ser corrupto.
DC: Essa
pureza.
EG: Essa
pureza do Capitão Nascimento como algo louvável, e que
justifica essa ação dele. Essa ação de matar. Eu acho
que essa é uma leitura que algumas pessoas fizeram.
É uma leitura fascista, mas esse filme não é fascista,
porque ele não justifica o fato dele matar por ele não
ser corrupto.
TM: Eu acho
que ele coloca em cena impropriamente a classe média
exatamente nesse sentido que você falou, de trazer à
tona esse fascismo. O que é o fascismo dessa sociedade
brasileira? Eu acho que é algo que remonta ao integralismo
e à forma como um certo pensamento se enraizou de alguma
maneira no pensamento da classe média.
RG: É, falo
fascismo como a colocação da ordem de uma forma extrema.
LARM: E que
é uma coisa que já tem na história do cinema há quanto
tempo?
TM: Então
por isso acho que essa dualidade que o Ruy falou, ela
se explica nesse sentido. Nessa própria figura da classe
média que estaria dividida entre esse desejo de ordem
e o que o filme chama de consciência social – que seria
lá a ONG, que seria a compreensão do percurso que essa
pessoa traçou até ser um bandido. Que é um pouco também
a mão na consciência. Em que parte sou responsável,
enfim, pela pobreza e pela trajetória dessas pessoas,
que hoje são bandidos e que hoje me ameaçam? E eu acho
que existe justamente esse conflito entre a vontade
de ordem, a vontade de aniquilação, e essa mão na consciência.
Só que o filme coloca isso em pólos opostos. As pessoas
da ONG são as que vão defender os bandidos, que vão
ser coniventes e cegas para esse desejo de ordem. Então,
para elas aquilo não existe. Para elas não existe no
sentido em que elas não enxergam aquilo como uma coisa
necessária; não faz parte do universo.
RG: Ela convivem
com uma certa hipocrisia pessoal, e no fundo uma enorme
vaidade por fazerem a passagem de uma classe para outra.
E acho que o filme toca de uma forma extremamente sarcástica,
e atinge o ponto certo com essa má-consciência da esquerda
festiva em tentar criar paleativos para a solução social.
TM: Isso
é novo no sentido de como ele chama a responsabilidade,
como a construção do filme insere o espectador em relação
às imagens. De forma que o resultado são realmente reações
ou apaixonadas ou enraivecidas. É tudo muito intenso,
todas as reações são muito intensas.
LCOJr: É
que no fundo o espectador, a classe média, quer se posicionar
em relação a isso. No fundo, ninguém quer realmente
tentar penetrar na complexidade da coisa. Todo mundo
quer a facilidade, quer o conforto do posicionamento.
E o espectador de cinema, então, ele potencializa esse
desejo de posicionamento. Isso de certa forma está lá
no arcabouço das respostas ao filme também. É quase
um ato-reflexo da pessoa, achar que tem de se posicionar
diante daquilo.
LARM: É uma
coisa que me incomoda muito também no discurso em torno
do filme, principalmente dos que apóiam e tal. Porque
é interessante isso, a gente ficar discutindo em termos
de apoio ou não apoio ao filme. No fundo é uma reprodução
disso aí.
LCOJr: Uma
reificação da função do espectador, que é a de deixar
que o filme se substitua ao seu pensamento.
LARM: Pois
é. Essa questão de que o filme apenas coloca alguma
coisa. “Ele apenas está colocando alguma coisa, ele
não toma partido, não, ele não se coloca”. Mas eu não
sei. Primeiro parece que é uma coisa muito nova, e eu
acho que o filme não apresenta uma coisa muito nova,
nesse sentido. Ele apresenta, sim, esse deslocamento,
eu concordo com você, Júnior. Deslocar a questão pro
policial, tudo bem, você também lembrou do Calmon etc
e tal. Tem um filme do Radar que não vi, mas que imagino
que deva ser isso, aquele Sete
Homens Vivos ou Mortos. Enfim, existe também uma
tradição do cinema brasileiro de deslocar isso.
DC: Não nos
últimos anos.
RG: A gente
vive num panorama de cinema brasileiro, e de certa forma,
de audiovisual brasileiro, um bocado desconectada de
temas prementes que a sociedade pedia. E Tropa de Elite, ao contrário, toca num ponto nevrálgico que estava
pedindo um tipo de transformação em discurso ficcional,
em discurso dramático. Transformação em
dramaturgia. A gente já discutiu nessa
mesma sala, num outro cinema falado, a distância que
as ficções criadas pelo cinema brasileiro têm em relação
ao tecido da sociedade se fazendo, e que inclusive a
televisão conseguia tratar isso de uma forma melhor.
Esse ano a gente vai falar de Tropa de Elite, que pegou isso de uma forma
que a televisão nem sonha em
fazer. E ao mesmo tempo o Tropa
de Elite lida com um aspecto que a gente está muito
acostumado a ver, mas não no cinema brasileiro, e sim
no cinema americano. E um monte de coisa que a gente
vê tranqüilamente no cinema americano, a gente tem dificuldade
em ver no cinema brasileiro. Por exemplo, eu não sei
por que ninguém ainda fez a comparação com 24
Horas, no sentido de que 24
Horas toca no tecido do medo de terrorismo, no medo
de cataclisma mundial acontecendo nos Estados Unidos,
na questão do território americano ser um território
possivelmente invadido. E pro Brasil é fácil chegar
e falar nisso porque a gente tem uma distância em relação
a esse tipo de imaginário. A gente não está acostumado
a obras de ficção que nos coloque numa determinada situação
de presente.
DC: Eu discordo
parcialmente disso aí, porque na verdade existem filmes
que tentam tocar em questões fundamentais. A questão
é a perspectiva que esse filme consegue colocar. É isso
que mexe. A gente teve um exemplo há poucos anos atrás:
por que o Cidade de Deus mexeu com o imaginário e o Uma Onda no Ar não mexeu?
RG: É que
um pelo menos é bem feito e outro é pessimamente feito.
DC: É exatamente
esse o ponto. A gente falou: bom, o Cidade
de Deus é bem feito, o Uma
Onda no Ar não é bem feito. O Tropa
de Elite é bem feito em certos aspectos, mas a morte
do Neto é pessimamente mal-feita, aquele negócio de
só o Matias descobrir que o garoto é míope é ruim, ele
dizer: "eu vou entregar no pé do morro e quem vai
entregar sou eu" é ruim. O outro ir no lugar dele
é ruim. O outro dizer: "não, eu marquei de você
ir lá, e eu que vou" é péssimo. O policial entrar
na favela daquela maneira pra tomar um tiro no final
é ridiculamente mal-feito. O playboy ir dedurá-lo pro
traficante é péssimo. As cenas na PUC são absolutamente
forçação de barra, aquela entrada do cara dando soco
em todo mundo na passeata é péssima. E todas as cenas
na ONG são ridiculamente teatrais. Não adianta a gente
dizer: "ah, o filme é bem-feito e por isso ele
fez sucesso", ele encontrou uma perspectiva. Isso
que é fundamental. Ele mexeu no imaginário, mas mexeu
no imaginário sabendo...
RG: Mas a
questão é que você está falando com um padrão de naturalismo
banal. Eu acho
que o filme é exatamente o que ele queria em todos esses
aspectos. Se ele é extremamente arquetípico e tipificado,
sobretudo no que diz respeito à representação da classe
média, isso claramente está atendendo a uma coisa que
você conhece muito bem, porque faz parte da sua vida,
e que o filme quis dramatizar não no sentido de naturalismo
que desse uma individualidade àquelas pessoas, mas que
participasse de um comportamento de rebanho e você não
queria que ele existisse.
DC: A dramaturgia
é precária. A forma como o garoto morre, todo mundo
se olha e diz: “Meu Deus!”. Quer dizer, na verdade o
filme não está simplesmente preocupado com o naturalismo
televisivo típico. Não. Dizer que ele é um filme de
mensagem é simplista. Mas tem uma preocupação de colocar
uma questão. A partir disso aí, ele pode ser tosco.
Ele pode fazer uma cena em que vai levar as pessoas
a participarem. Não importa se ela é naturalista, ou
se ela é não-realista, ou o que há, mas simplesmente
os papéis que o filme está colocando. Ele bota um teatro
de marionetes e as pessoas se identificam com as marionetes.
E isso é o interessante do filme, é isso que é. Por
isso eu digo, o negócio é péssimo.
TM: Eu não
acho que é péssimo, ele utiliza uma dramaturgia a seu
favor. Não é que é péssimo, é completamente diferente
dos planos de Uma
Onda no Ar que não casam.
DC: Ele não
faz questão de que seja bom, ele é péssimo da mesma
maneira como vários filmes em que abriu-se mão de uma
qualidade em função de uma força.
TM: A questão
não é da qualidade do filme.
EG: Se você
pegar a estrutura do filme, como estrutura da narrativa
de gênero, com o filme de ação, eu acho ele totalmente
bem-feito, sedutor.
RG: Ele funciona.
Ele tem um ritmo de adrenalina em que você fica envolvido.
EG: Tem até
a parte do respiro e tal, e depois o filme volta.
LCOJr: Inclusive
antenado com tendências estéticas do cinema de ação
feito mundialmente. Essa coisa da câmera instável, da
montagem fragmentada. Uma estética de saturação, de
instabilidade. Isso é trilogia Bourne.
RG: Pois
é, ele até trabalha essa questão da câmera mexida com
um pouco dessa fórmula do Paul Greengrass, como se fosse
câmera de reportagem, necessariamente tremendo e instável.
LCOJr: É
a urgência.
RG: Que de
fato é um truque.
LCOJr: Um
truque, um artifício. Realismo é um outro nome para
artificialismo, todo mundo sabe disso. Mas a questão
é que o filme trabalha em cima de um certo novo código
de realismo, que é esse código em que a ação, a melhor
decupagem da ação, na verdade é a não-decupagem, quando
você passa a impressão de que a coisa é tão urgente,
tão movimentada, tão complexa, são tanto vetores em
atividade ali, que você simplesmente capta o que dá
no meio da confusão. Eu chamo de estética do caixotão.
Você foi atropelado por uma onda, o que deu pra registrar
registrou. O que não der, não deu, vai embora.
Raphael Mesquita:
Mas esse é meu ponto com relação ao Tropa
de Elite. Ele funciona bem como filme de ação tanto
na necessidade que o Júnior falava – sobretudo da classe
média ter que se posicionar – como no que o Ruy falava
de que nós brasileiros temos uma certa facilidade de
digerir os filmes americanos, mas os brasileiros não.
Só que, no entanto, eu acho que o Tropa de Elite tem uma força sobretudo social muito mais Rio de janeiro,
é um filme absolutamente carioca e inclusive essa necessidade
de posicionamento da classe média funciona mais forte
ainda no Rio de Janeiro, ainda que vá funcionar também
em outros pontos. Quanto ao fenômeno de massa, eu tenho
minhas dúvidas se tem essa abrangência tão forte em
outros lugares. Porque eu acho, por exemplo, que espectadores
de outros estados – tirando a cidade de São Paulo, talvez,
que tem uma conexão maior com isso – têm uma facilidade
maior de encarar o Tropa
de Elite como um filme de ação.
RG: Porque
de certa forma é o mesmo distanciamento.
DC: E não
teve uma tão boa resposta como filme de ação, é isso
que quero notar, o filme não funciona tanto como filme
de ação.
RM: Mas você
está tirando isso de onde?
DC: Ele funciona
como filme que levanta as pessoas. Não funciona como
filme de ação, aí o filme já é pobre. O pessoal vê e
diz: "Mas você quer que eu acredite nessa cena?".
LCOJr: Então,
pelo que você está dizendo, é mais fácil as pessoas
assimilarem aquilo como ficção de gênero fora do estado
do Rio de Janeiro.
BB: Como
mero filme de gênero ele não é bom, é o que o Daniel
acha. É um fator importante para o pessoal daqui, porque
tem uma narração em off que em vários momentos segura
as pontas do filme, em vários momentos o filme deixa
de encenar bem algo que ele poderia encenar bem.
LCOJr: Estou
longe de achar Tropa de Elite dramaturgicamente um filme
brilhante.
LL: Mas ao
mesmo tempo é um filme de gênero também.
LCOJr: Cinema
de gênero e realismo não são coisas conflitantes.
LL: Isso
que eu estou falando. A gente está falando do filme
como se cada um tivesse de ser um vetor diferente. Acho
inclusive que parte do sucesso do filme está aí. Se
fosse só um filme que falasse do BOPE etc, talvez não
significasse nada. Mas todo mundo que vê o filme sai
envolvido.
RG: As pessoas vêem cinco vezes, o que não prova
nada, mas mostra que definitivamente ele não chateia
as pessoas. Ele claramente não é um Scorsese, claramente
não domina todas as questões de mise
en scène. Ao mesmo tempo ele consegue criar o que
ele quer com um tipo de know how longe de um Brian De Palma, porém
trabalhando com uma eficiência mínima de funcionamento
da ficção. A questão de ser um clichê, ou se relacionar
com 24 Horas,
mostra que ele toca numa certa necessidade de arquétipo
que não é necessariamente a construção de um herói porque,
voltando à questão do Luís, você não vai dizer que os
personagens de Scorsese em Os Bons Companheiros ou o Tony Soprano são necessariamente heróis. São muito mais arquétipos
que heróis, se a gente for nos livros que tentam definir
a questão do herói, que é aquele que passa de um trajeto
de A para B e existe uma certa purificação nisso. Nada
disso condiz com o trajeto de quem tenta abandonar sua
jornada. Então a gente tem que tentar compreender o
que a gente quer dizer quando fala de herói.
LARM: Mas
diversos heróis também tentam abandonar e aposentar
a pistola e são forçados a ir pro duelo final. É uma
coisa muito parecida com isso. “Eu nunca mais vou empunhar
essa estrela”. Aí as condições, as conjunturas, tudo
faz com que esse cara bote a estrela de novo, a mulher
diz “não faça isso, pelo amor de Deus”, mas o cara vai
pro duelo. Não estou querendo reduzir a questão, e sim
dizer que o filme não está de ingênuo nessa história,
tudo é uma obra da aceitação popular etc. O filme pega
nos mais baixos instintos do espectador, mostra ele
com o bebezinho, mostra ele dando porrada na mulher...
DC: Mas ao
mesmo tempo mostra ele se enchendo de barbitúrico, mostra
ele completamente transtornado antes de uma ação policial.
O cara pergunta pra ele: “Você tá bem?”. E aparece ele
com uma cara que qualquer espectador olha e diz que
ele não está bem. Ele é abandonado pela esposa no final,
ele é um cara agressivo.
RG: Acontece
que não tem aquele momento de catarse completa em que
todas as decisões do personagem são compensadas.
DC: O filme
não toma posicionamento em favor do personagem.
LCOJr: Pasmem,
mas o que falta no filme é justamente a elevação moral.
Não há catarse que redime o personagem daquele inferno
todo. O herói tradicional abre mão disso tudo, perde
a mulher, perde os amigos, vira um fantasma na sociedade,
um à parte, mas porque está a serviço de algo elevado.
Ele está a serviço de uma moral que está acima da própria
lei. Mas o Capitão Nascimento não está.
LARM: Certo.
Mas isso porque a gente está detendo o assunto no Capitão
Nascimento. Em relação à representação que ele faz do
BOPE, é mais complicado. Sempre que ouço falar em Tropa de Elite, me lembro do plano grandioso
– e aí não tem como vocês dizerem que não é grandioso
e que não tem uma catarse – daquela bandeira do BOPE
indo por cima da bandeira do Brasil naquele caixão.
Eu acho que aquilo ali é uma representação do BOPE que,
se você tem um mar de ambigüidade na representação do
Capitão Nascimento, você não tem ambigüidade nenhuma
na representação do BOPE.
RG: É uma
representação negativa, porque se a princípio você trabalha
pra servir uma nação e uma vez que esse grupo está acima
da nação, o problema está totalmente instituído aí.
É um grupo que, ao se colocar como superior à nação,
ele já é automaticamente... Não existe ambigüidade nenhuma,
o filme coloca isso claramente como uma crítica.
EG: É uma
crítica, o filme não está comprando a bandeira do BOPE.
LARM: Eu
acho que é mais uma vez uma ambigüidade que vai a favor
desse “fascismo”.
DC: O Pimentel
e o Padilha deram uma entrevista em que o Pimentel disse
que o filme é a favor do BOPE, e o Padilha disse “Não,
ele faz lavagem cerebral, o filme é contra o BOPE”.
Quer dizer...
LARM: O filme
é ambíguo nesse sentido também! E esse que é o problema.
LCOJr: O
lance da bandeira do BOPE com a caveira por cima da
bandeira do Brasil é: “Que espécie de liga de justiça
é essa?”.
LARM: Ele
quer dizer que é a liga de justiça que, no fundo, acaba
funcionando para alguma coisa.
RG: O que
é extremamente salutar no filme é que ele em momento
algum pega o espectador pela mão e fala: “olha, meu
querido, essa é a realidade”. Ele obriga o espectador
a ter um certo trabalho com as coisas que ele vê.
DC: Eu acho
que ele pega pela mão sim. “Quantas crianças vão ter
que morrer pra você acender seu baseado?”. Coisas desse
tipo.
LARM: Não
está em discussão aqui, mas o contraplano desse filme
é Meu Nome Não
É Johnny. E eu queria lembrar também da programação
espontânea que o camelô conseguiu fazer a partir do
Tropa de Elite.
Sensacional. O cara pega o filme do João Moreira Salles,
da Lúcia Murat... Tropa de Elite 2, 3...
TM: Sobre
o Notícias de uma guerra particular, na verdade é muito sintomático,
porque os filmes são muito similares – na construção
dos personagens, no discurso de cada personagem. Inclusive
há a cena com o enterro do oficial. A forma como o Rodrigo
Pimentel fala com um certo pesar do trabalho dele, a
forma como ele está cansado, como ele quer sair, isso
está lá no Notícias de uma guerra particular, é bastante impressionante.
Parte 2: Universos
sob controle: Baixio das Bestas e Santiago
Parte 3: Jogo
de Cena
Parte 4: Um novo
gênero? / Ficções cansadas
Parte 5: Cão
Sem Dono
Parte 6: A juventude
brasileira não se pertence
Parte 7: Justo uma
conversa: Conceição
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