Contra-regra A grata futilidade de Gilberto Braga Depois de oito meses de passeatas e campanhas de marketing social, o glamour irônico e a trama de exploitation de Celebridade é responsável por uma bem-vinda arejada na teledramaturgia brasileira em 2003 – por demais centrada na grife "engajada e perfumada" de Manoel Carlos. Certamente não se trata de um momento de ápice na carreira de Gilberto Braga (autor da antológica Vale Tudo), mas a conjuntura em que Celebridade aparece no cenário da TV brasileira é crucial por diversos aspectos: O primeiro, o próprio retorno de Braga às telenovelas depois de 8 anos de geladeira e projetos engavetados pela Rede Globo. É no mínimo interessante notar que justamente no negro período de amenidades discursivas (marca registrada da "Era FHC" de 1994 a 2002) o autor de telenovelas mais interessado na crônica/crítica sócio-cultural brasileira tenha sido deixado de lado... O segundo, é a inteligente inversão que Braga propõe ao lançar seu olhar sobre o tão insuflado universo dos "famosos": ao invés de tentar parasitar essa cultura (eminentemente televisiva) como ferramenta para a "venda" de questões "socialmente relevantes" (ver coluna no arquivo sobre a "cidadania televisiva"), Braga se propõe a fazer uma observação cuidadosa das diversas vertentes, personas e territórios que compõe os clichês desse arsenal de comportamentos e gestos. Nesse sentido, deixa de lado a banalizada e inócua questão da "mistura da ficção com a realidade", e aposta numa hiper-dramaturgia farsesca, cuja verossimilhança se baseia não nas propostas de mímese do cotidiano, mas numa representação hipertrofiada e crítica da vida (e aí o trabalho das interpretações sub-naturalistas da telenovela encontra um lugar ímpar de, digamos, "canastrice consciente" – cito Márcio Garcia, Fábio Assunção e Débora Secco). Gilberto Braga vem conseguindo estampar a autoralidade de seu texto para além das opções de trama, alcançando também a construção (e aqui a parceria com a direção "canalha" de Dennis Carvalho é notável) de uma atmosfera em que não apenas os "eventos" são valorizados como valores "em si", mas os próprios códigos internos do gênero telenovela e o lugar discursivo da TV são demarcados. Colocando a teledramaturgia (mesmo que em um grau enevoado pelo marketing festivo da emissora) em contato com algo mais do que a farsa da "reprodução de tendências" sociais ou a cínica propagação de "bons comportamentos". Entre a arte-útil e "bem intencionada" de Manoel Carlos (o "sábio" do Alto-Leblon...) e a "futilidade" maliciosa de Gilberto Braga, certamente, ficamos com a segunda. Felipe Bragança Textos da semanas
anteriores: |
|