Contra-regra
Coluna semanal de televisão


Aos treze

Não, este texto não é uma critica sobre o filme de Catherine Hardwicke. Jamais poderia fazê-lo, visto que não assisti ao referido filme. Mas em alguma medida o tema que aqui se aborda é o mesmo do tal filme: o jovem, ou a representação do jovem. O objeto para esta análise é a comemoração dos treze anos de um personagem que já se tornou um sinônimo de cultura jovem no brasil e no mundo. No final de outubro a MTV Brasil completou treze anos de programação voltada ao público jovem. Não se pode negar que, inclusive no tocante a linguagem audiovisual, a MTV tem uma importância virando até mesmo como uma espécie de adjetivo para designar um certo tipo de linguagem fragmentada e de cortes rápidos. Não cabe aqui julgar o que efetivamente representa a MTV, até mesmo porque sua franquia se estende por todo o globo com programações que procuram incorporar o específico local a uma matriz americana, mas quem sabe podemos explorar de que forma se posiciona o jovem nesta história, seja como mercado consumidor, seja como cidadão consciente.

Esta talvez seja a maior questão que envolve a MTV Brasil, o que em alguma medida a diferencia de sua matriz americana. O perfil de quem fez e faz a emissora é o de uma juventude progressista com espírito crítico quanto aos caminhos traçados por outras emissoras, freqüentemente apostando no sensacionalismo como garantia de audiência. A MTV procura se posicionar não apenas como mais uma TV que incorpora o jovem como uma peça de consumo. È importante para ela demarcar sua identidade enquanto parte de um consciência cidadã. É nessa tenção que podemos observar que alguns programas são exibidos na emissora paulista se posicionam de maneiras bastante ambíguas. Há de se considerar que o público efetivo que assiste a MTV é ínfimo em comparação com os telespectadores da TV aberta. Mas treze anos de história que cobre uma boa parte do que se produziu de cultura pop é uma fato digno, no mínimo, de nota. Em treze anos não há dúvidas que se criou uma identidade forte do que é a MTV e quais são seus objetivos. Uma programação feita por jovens, para jovens, e que procura a todo momento inseri-los em uma dinâmica social.

No entanto, o que poderia ser o seu selo de qualidade é também o seu calcanhar de aquiles. Uma certa dose de consciência crítica procura posicionar seus telespectadores não veículos não como mero entretenimento, mas também com um conteúdo político. Uma das tentativas pode ser melhor observada no discurso dos seus apresentadores, ou em programas que se dedicam a discussão de uma tema como por exemplo a AIDS, ou em programas apresentados pelo VJ Casé, onde o apresentador atua como provocador tentando mobilizar seu público no sentido de um posicionamento crítico diante das questões políticas e sociais nas quais o jovem não pode passar alheio. O problema é que tal estratégia acaba criando uma espécie de cidadania forçada. Na busca por uma desalienação de seu público, a emissora acaba criando lugares comuns,, um pensamento do politicamente correto, crenças um tanto sofismáticas e que não ampliam a discussão dos temas que ela propõe.

Uma das estratégias da MTV é a busca por uma linguagem diversa. Do besteirol clássico de Hermes e Ranato, passando pelo Talk Show (formato este que já teve várias tentativas na emissora) Gordo a Go Go e chegando em até mesmo a uma versão mais "descolada"do namoro na TV, com o programa Fica Comigo. Excetuando-se os programas que se dedicam exclusivamente às paradas de sucessos, pouco ou quase nada se efetivamente criou em termos de novos programas. Isso não a condena, tampouco a absolve. Mas não se pode deixar de constatar que parte de sua programação emula fórmulas já consagradas em outras emissoras. Dessa forma se relativiza sua intenção em diferenciar-se das programações das outras emissoras. Ainda que ela se pretenda uma TV alternativa (vale também ressaltar o quão problemática é essa noção de alternativa, já que seu elemento principal é a música pop) ela precisa dialogar com uma história já produzida pela televisão brasileira.

Contudo, vale a pena lembrar que uma das primeiras experiências de reality show partiu justamente de um programa da MTV, surgido em fins da década de 90. A atração atendia pelo nome de Vinte e poucos anos . O formato híbrido da atração (um misto der novela e documentário) deixava algumas questões no ar. Era no mínimo interessante ver um programa que se apropriava de um formato pouco conhecido na época e dava conta de uma certa investigação sobre a vida de jovens de diversos extratos sociais que eram confrontados com uma convivência forçada, sem a lógica do confinamento e do jogo que caracterizavam as experiências posteriores.

Neste ponto a MTV Brasil conseguiu uma autonomia que a diferencia da MTV norte-americana. Em alguma medida os programas que da filial brasileira apresenta possuem mais questões, mais nuanças, quando confrontados com a sua co-irmã americana. A MTV Brasil muitas vezes peca pela ostensiva tentativa de posicionar o jovem como um ser ciente de suas obrigações e plenamente correto em suas posições políticas. Mas em alguma medida ela dá mostras de fôlego por expor a sua escolha de Sofia. De uma lado a tentação de fazer a televisão como veículo de estímulo de consumo de outro uma consciência política. O que causa interesse na sua programação é justamente essa tensão, que expõem muito mais contradições do que certezas.

Celebridade

Enquanto o escriba escreve e reescreve esta coluna, seus ouvidos são aturdidos por uma narração tensa. Esta voz inquisitora, ora clamando justiça, ora julgando os acusados pelos mais diversos crimes, narra dois acontecimentos. Em comum entre eles o fato de serem protagonizados por figuras com apelo midíatico forte, ou como prefere Gilberto Braga, apenas celebridades. Neste exato momento, no programa Brasil Urgente acompanha a entrevista do cantor Leonardo, que pode ser indiciado por homícido culposo pelo acidente que sofreu na última terça-feira. Um corte rápido e estamos acompanhando com aquela mesma câmera no helicóptero que perseguia O.J Simpson, a rendição do superastro Micahel Jackson a polícia de Santa Bárbara. Se eles são culpados ou não, não sou eu quem vai julgar. O curioso que até a decadência deve ser em grande estilo, com flashes, câmeras e afins.

Roberto Cersósimo

Textos da semanas anteriores:
Algum começo... (por Felipe Bragança)
Uma novela de... (por Roberto Cersósimo)
O canal das mulheres, a cidade dos Homens (por Felipe Bragança)
O fetiche do pânico (por Roberto Cersósimo);
Televisão cidadã, cidadãos televisivos
(por Felipe Bragança)