Contra-regra
Coluna semanal de televisão


O fetiche do pânico

No último Sábado, dentro da excelente mostra em que se celebravam os trinta e cinco anos do curso de cinema da UFF, debateu-se a respeito das fronteiras éticas implicadas em certas abordagens. Principalmente quando o tema em questão é a violência. O debate aconteceu principalmente em torno do curta-metragem Violurb, de Cleumo Segond. Nele, somos apresentados a uma série de situações onde a violência é, ou discutida (caso dos depoimentos dados por alguns transeuntes), ou representada (caso das cenas de quebra-quebra, ou do linchamento do judas). O conflito entre o que é representação e o que é fato, ou melhor, as reações ou depoimentos que não são encenados, geram um misto de fascínio e desconfiança. Se por um lado, seduz a idéia de encenar a violência, por outro nos preocupa de que forma aqueles códigos são apreendidos pelo espectador. Tomar a representação da violência como um dado verdadeiro, ou seja, comprar o discurso do filme um retrato fiel da violência gera no espectador um problema. Não se trata de estabelecer uma cartilha de como se filmar a violência, mas de como o discurso pode estabelecer de maneira clara as regras do seu jogo. A discussão do Cine-Arte UFF, me desperta a atenção para o caso da falsa entrevista do PCC transmitida no programa Domingo Legal, no último dia 7 de setembro. Deixo claro que não pretendo fazer qualquer tipo de aproximação entre o curta e esse episódio, mas sim, tentar refletir que as questões éticas de abordagem de um determinado tema, podem sim ser observados na produção audiovisual televisiva.

Boa parte das discussões sobre o tema, estão longe de contribuir para a discussão daquilo que , em última instância é a sua matéria principal: a violência urbana. Muito se fala sobre como este episódio ratifica a pobreza de conteúdo dos canais abertos, evocando um perigoso lugar-comum em favor de uma televisão de qualidade. Muito se fala sobre como a tal reportagem serviria como apologia ao crime, ou como a suspensão do programa é um precedente para que outros programas possam sofrer as mesmas restrições prévias, ensaiando um certo namoro com a censura. Mas pouco se fala sobre a farsa em si. Esta é uma dimensão do episódio pouco explorada pela imprensa.

O que mais assusta não diz respeito a tal "guerra pela audiência". O que preocupa é que, com um tema delicado como este (em tempos onde expressões como "poder paralelo" consagram toda uma visão reducionista e distante da realidade que nos cerca, tornando-nos alheios a ela), se utilize do discurso de uma facção do crime organizado tão poderosa como o Primeiro Comando da Capital como instrumento espetaculararização do pânico. É mais ou menos a mesma estratégia de programas como Cidade Alerta, Repórter Cidadão e Brasil Urgente: onde se fetichiza a violência, instaurando um pânico coletivo que em nada facilita a compreensão das possíveis causas da criminalidade. As falsas ameaças de morte aos apresentadores dos programas acima citados não são tão criminosas quanto a difamação que sofreu o próprio PCC. Pode soar um tanto forte, uma defesa do criminoso, mas acredito que, ironia das ironias, a maior vítima tenha sido o Primeiro Comando da Capital.

Sim, porque, quando estamos diante de uma televisão e vemos que dois caras encapuzados ameaçam, indiscriminadamente, pessoas pela televisão, nossa primeira reação é a do medo, de exigir uma ação preventiva e punitiva que impeça de alguma forma que a violência chegue até nós. Em se tratando de uma farsa, e não se assumindo como tal, o perjúrio é maior, pois se oferece à execração pública um discurso que nunca existiu. Se a televisão não pode se obrigar de oferecer respostas as questões (a tentativa, por muitas das vezes, acaba soando como um vídeo institucional grosseiro), pelo menos que as questões suscitadas nos ampliem horizontes ao invés de construir ao abismo de ignorância. Em sua primeira fase, o programa Turma do Gueto, com toda a precariedade técnica, ofereceu-nos muito mais questões sobre a representação da violência a partir das relações de cumplicidade entre o traficante das favela e o professor da comunidade. Essa ambigüidade, longe de explicar o que é o microcosmo da favela, nos oferece um outro olhar que relativiza a tendência maniqueísta que se tem sobre o assunto. É uma alternativa bem mais instigante do que a tola perpetuação da lógica sivuquiana do "bandido bom é bandido morto".

A relação cínica, o deboche, a ironia com que boa parte dos programas, principalmente aqueles com um apelo, dito mais popularesco, flertam, mostra aqui sua face mais perniciosa: esvaziando-se as questões que cercam toda a dinâmica que propicia o surgimento de facções criminosas como o PCC através de uma pegadinha. A tosca mise-en-scène do depoimento do ator/bandido é o dado conflituoso, pois ali se estabelece uma relação muito problemática com o que se entende como crime. O cinismo lúdico e burlesco de Silvio Santos, quando decalcado pelo seu ignóbil discípulo, só produziu uma comédia de erros macabra e reacionária.

Notas:

Os três principais apresentadores dos programas de "Perigo! A qualquer momento você pode ser o próximo", Milton Neves, José Luiz Datena e Oscar Roberto de Godoy têm uma trajetória em comum. Os três são de alguma maneira egressos do futebol. Os dois primeiros como cronistas (para quem não se lembra, Datena era repórter de campo da equipe esportiva da Bandeirantes no início da década de 90) e o terceiro como árbitro. Destes três, Milton Neves e Godoy continuam envolvidos com a mídia esportiva. Milton Neves vem tentando implantar um formato que alie as discussões futebolísticas e os gols da rodada com um dinâmica de programa de auditório. Algo no caminho trilhado pela Bandeirantes e seu Show do Esporte. O problema é que o estrionismo e a falta de carisma do apresentador não ajudam muito para o sucesso do formato. O Rock e Gol da MTV talvez seja a iniciativa mais feliz nesse sentido. A forma ainda não diverge muito das mesas-redondas tradicionais, e os apresentadores Marco Bianchi e Paulo Bonfá ainda perdem as vezes o timing do humor, mas algumas piadas são impagáveis, por exemplo a com o Rogério Ceni no úlitmo Domingo. Vale a pena conferir.

Segunda-feira, a Folha de São Paulo noticiou que o sindicato das empregadas domésticas entrou com uma ação contra a exibição da cena em que Zilda teria relações sexuais com Carlinhos (Daniel Zettel). É curioso que numa novela onde cada personagem tem de levantar um bandeira sobre qualquer coisa, Maneco tenha se esquecido de falar sobre a triste condição das domésticas molestadas por jovens tarados. Talvez, quem sabe na próxima novela, com 150 personagens, possamos ter um desenvolvimento melhor dessa temática.

Roberto Cersosimo