A CONCILIAÇÃO
/ O PARADIGMA DO AFETO E DA INOCÊNCIA / ALTERNATIVAS
DE MERCADO
LCOJr: Queria discutir um pouco mais algumas palavras
que estão retornando bastante aqui na conversa.
A primeira delas é o “afeto”, que
no mais das vezes está ligado a uma narrativa
meio solta, vaga. Eu vejo filmes de pessoas talentosas
do ponto-de-vista artístico, plástico,
mas que estão trabalhando numa certa zona de
indiferença estética, ficam só
numa relação efêmera com o personagem,
numa narrativa flutuante. Eu senti isso um pouco no
filme da Marília Rocha, A Falta que Me Faz,
embora seja um filme até interessante, sobretudo
no momento em que uma das personagens entrevistadas
começa a afrontar a equipe e fala: “E você
aí, o que você faz?”, e o cara diz
“Eu cuido do som”, “Como assim? Que
som?”. Eu acho que o filme vale por esse momento
aí, quase epifânico, em que, na falta de
alguém que cutuque a personagem, ela mesma vai
lá e cutuca a equipe. Ela começa a falar
assim: “Você aí que fica andando
de um lado pro outro, o que você faz? Pra que
você serve? Você é casado?”,
“Sou casado pela terceira vez”, “Que
safado que tu é, hein?”. O filme, anteriormente,
perguntava: “ Você tá grávida,
né? E você namora?”, “Namoro”,
“Então ele, o pai, não teve problemas
para assumir?”, “Não, mas o pai não
é esse que eu estou namorando não, o pai
é outro, é um ex-namorado”. O filme
vai colocando isso como uma aproximação
somente afetiva, tentando dizer que não há
preconceitos. A personagem, por sua vez, desmonta sem
entraves a rede de afetos. O cara fala que foi casado
três vezes e ela diz: “Então tu é
um safado”. Eu acho que o filme ganha muito ali.
Ela é o contracampo em todos os sentidos do filme.
NM: Mas o filme tem uma afetividade muito falsa
também.
TM: O que me incomoda no filme é que ele
fica filmando mãos e cachos de cabelos e não
sei que outros detalhes... Porque eu concordo que ela
tinha uma matéria-prima muito boa ali.
LCOJr: O filme termina com um plano conciliador.
Uma música romântica, um casal numa moto,
meio O Céu de Suely (que é talvez
o modelo principal de narrativa flutuante).
LARM: Conciliação é outra
palavra chave da década, porque eu acho que o
que caracteriza essa geração nova é
a conciliação.
LCOJr: Mas agora é uma conciliação
pelo afeto. Você tinha no começo da década
o debate em torno dos filmes conciliadores, como Central
do Brasil – que não é nem dessa
década, é do final da década passada
–, que trabalhavam na chave social e histórica.
Falou-se muito de uma estética de conciliação:
essa coisa de um país que está no limiar
de um novo capítulo da sua história e
começa a querer conciliar o Brasil profundo com
um Brasil metropolitano, ou o passado com o presente,
como naqueles filmes históricos, aqueles monumentos
irrisórios de Guerra de Canudos, Mauá...
No Central do Brasil, a conciliação
é entre centro e periferia, classe média
e interior pobre, rural, religioso. Conciliar a metrópole
maldita com o sublime daquele Brasil profundo. Amélia
[2000], da Ana Carolina, já problematiza
essa lógica da conciliação: ela
vai falar de História e presente, ou melhor,
do Brasil do presente a partir de um episódio
fictício da passagem da Sarah Bernhardt pelo
Rio de Janeiro no começo do século XX,
confrontando o Brasil moderno e o ultrapassado, a capital
europeizada (o Rio de Janeiro da bela época,
a “Paris dos Trópicos”) e o interior
de Minas Gerais (o Brasil espoliado, explorado em séculos
anteriores), a Europa civilizada e o Brasil arcaico,
selvagem. Ela confronta tudo isso para depois expor
a marca mal cicatrizada de uma conciliação
não conciliatória, naquele espetáculo
no epílogo do filme, com madame Sarah usando
uma perna de pau e as matutas mineiras vestidas de índio,
numa encenação de I-Juca Pirama
em francês num palco europeu. São mundos
inseparáveis, interdependentes, mas não
reconciliados.
LARM: Há dois lados que foram colocados.
Um está condensado numa palavra que o Ismail
Xavier gostava de usar, que é “contaminação”.
E o outro é a “conciliação”.
Mas eu acho que as duas palavras vão para caminhos
às vezes até bem diferentes. A contaminação
pelo menos pressupõe uma certa briga de um organismo
com o outro.
LCOJr: Um belo filme não reconciliado
é O Príncipe, do Ugo Giorgetti.
É um filme que num Cinema Falado antigo da Contracampo
sofreu muitas críticas, por ser um filme que
“não se contaminava”. Mas eu acho
que ele se contamina sim, e muito. A narrativa é
centrada naquela figura lá do cara que é
o intelectual que volta da França com aquele
padrão europeu, civilizado, e chega em São
Paulo e vê uma cidade completamente modificada,
uma cidade degradada, na visão dele – e
é um filme de ponto-de-vista, acima de tudo.
É um filme de não reconciliação.
O cara vai embora mais revoltado ainda: o abismo, a
distância que o separa do Brasil, da São
Paulo de hoje, só aumentou.
LARM: E poderia ser um filme desastroso, porque
poderia ser um filme episódico, em que cada personagem
que ele encontra vira um episodiozinho. Mas não,
vira uma saga, uma odisséia que é pequenininha
mas que é significativa.
LCOJr: Tem uma cena muito forte, no final, em
que ele encontra uma mulher na fila de embarque no aeroporto
de Guarulhos. Ele está indo embora, voltando
para a França, do tipo “Desisti de vez”,
e uma mulher começa a se engraçar para
ele: “Ah, você está indo ou voltando?”,
“Voltando.” Aí ele fala que na verdade
mora lá na França, e ela fica ainda mais
ouriçada: “Ah, você veio aqui a quê?
A passeio ou a trabalho?”, “Não,
eu vim para um enterro”, acho que ele fala isso,
porque é a coisa do primo, que está doente
e que se mata. E aquilo é acachapante. É
um filme para não reconciliar nada, é
para rasgar a ferida que já estava aberta. Nesse
sentido eu acho que foi um dos filmes interessantes
da década, porque é um filme de 2002,
num momento em que ainda se estava falando de uma estética
de conciliação, que tinha sido forte nos
anos 90, e esse filme chega para dizer: “Esse
aqui é o ponto-de-vista do não reconciliado.”
TM: Eu acho que existe este mesmo ponto de vista
no Solo [Ugo Giorgetti, 2009], que é do
ano passado. Porque o Giorgetti é essa figura
da não reconciliação total. E é
isso, o filme é muito amargo, não tem
mais possibilidade, não tem horizonte.
LCOJr: Mas a figura da conciliação
saiu de moda, na academia parou-se de falar. E se você
pode falar de conciliação agora de alguma
forma, eu acho que ela passa por essa coisa da afetividade.
É o Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te
Amo [Karim Aïnouz, Marcelo Gomes, 2009], é
o ultimo plano do filme da Marília Rocha ser
o casal andando de moto com uma música fofinha.
É essa coisa de, no fundo, estar todo mundo protegido
pela bolha de afeto. O que eu acho que é o principal
defeito do filme do Valente, No Meu Lugar, que
é um filme que tem uma proposição
forte, que parte de um tema e de um conflito dramático
muito fortes, mas que peca justamente no momento em
que não assume um ponto-de-vista. Ele embaralha
tudo naquele sistema retórico que a montagem
cria para que a ação não tenha
uma conseqüência. É essa incapacidade
de falar: eu vou arriscar um ponto-de-vista aqui, eu
vou arriscar em um determinado momento talvez não
ser mais justo com esse personagem, ser cruel, mas,
no entanto, eu vou arriscar ir além. Cria-se,
ao contrário, essa zona de indiferença,
esse relevo muito plano onde você não tem
um acidente – é preciso haver um acidente
para você trabalhar aquela matéria que
é forte em todas as suas possibilidades.
LARM: A questão é que o filme é
construído a partir de um acidente. De um acidente
não, de um acontecimento trágico. O problema
é que isso se dilui, a tragicidade do filme se
dilui.
CN: Ela está sempre no fora-de-campo.
TM: Ela é desarticulada, na verdade. O
filme é todo fundado na negação
de uma afirmação da causalidade e de uma
pseudo-verdade unívoca.
LCOJr: Eu acho que ele consegue complexificar
a questão no sentido de que ele consegue traduzir
a dificuldade de você enxergar a origem, os motivos.
Ele não trata de uma forma leviana a violência,
esse problema do conflito da classe rica com a favela,
que está ali do lado, que participa da mesma
topografia urbana. É sintomático a casa
ser no alto. É uma região de mansões
de elite situada no morro, perto de uma favela. E ele
consegue não transformar isso numa coisa leviana,
não criar articulações bobas e
frouxas. Mas, ao mesmo tempo, ele dilui muito, dissolve
tudo nesses anti-clímaxes do filme. E eu acho
que aí ele perde a chance de não apenas
fazer um filme que se sustenta como discurso, mas fazer
um filme que proponha algo além do discurso.
De alguma forma, eu acredito que tem coisas, e esse
tipo de violência é uma delas, que você
tem que realmente tentar entender a fundo. Naquele texto
seminal sobre o Samuel Fuller, o Luc Moullet fala uma
coisa que eu nunca esqueço: “apenas o ponto
de vista sobre o fascismo de alguém que se sentiu
tentado é digno de interesse”. O mesmo
se pode dizer da violência entre as classes: você
precisa admitir essa violência como uma coisa
sua também, para só então arriscar
entendê-la.
TM: Por outro lado, eu também não
acho que o filme funcione numa chave da perplexidade.
Porque ele poderia ser um filme perplexo nessa impossibilidade
de apontar uma origem, de se conseguir fechar um sentido,
no espírito de: “pô, mas por que
uma coisa dessas acontece?”.
LCOJr: É porque não tem o sentido
da tragédia.
TM: Exatamente, ele não busca apontar
nada, mas ele também não constrói
essa perplexidade, essa mudez.
LARM: A cena de que eu mais gosto, e que não
tem nada a ver com o resto do filme, é a cena
da conversa do tio com o cara. É a cena de que
eu mais gostei porque é uma cena que investe
na direção de ator, que tem essa preocupação.
É um filme bem-realizado nesse sentido, e em
outros também – no sentido técnico,
por exemplo. Tem um investimento nessa coisa do ator.
E eu acho que tem inclusive uma maturidade na direção
dos atores que num certo sentido surpreende bem.
LCOJr: Você falou tudo: o filme tem uma
maturidade na direção de atores que é
surpreendente. O filme tem certas nuances de atuação,
em que o personagem está tão bem construído
no seu modo de ser que de repente a maneira como ele
acende um cigarro ali naquela situação
em que ele está oprimido, em que ele está
tenso, aquilo dá toda uma densidade, uma espessura
existencial ao personagem, o que eu acho muito legal.
Tem um certo trato do rapaz entregador com a mãe
dele que é muito interessante também.
Você consegue ver alguma vida que se criou ali.
LARM: Mas, por outro lado, eu acho complicado
o fato de eu gostar dessa cena. No sentido de que ela
está um pouco à parte do conjunto do filme.
É como se eu tivesse gostado de um outro filme
dentro daquele filme. É como se eu tivesse gostado
de um momento, que não é propriamente
o filme.
JGP: Mas o filme é isso, ele quer achar
outros filmes.
LARM: Tudo bem, mas ao sentir isso eu me incomodo.
Por mais que eu ache que a cena ficou legal, eu acho
que é uma cena que não necessariamente
está contribuindo organicamente para o filme.
TM: Mas aí é que está. O
filme não é nada orgânico.
LARM: Mas se isso é uma proposta do filme,
não ser orgânico, eu também acho
complicado. Porque no fundo, uma outra coisa com que
eu me bato também no filme, é que querendo
ou não, ele acaba afirmando certos estereótipos.
Por exemplo, uma classe média vitimizada, uma
favela violenta, um favelado que no final das contas
é um assassino, um policial que é mais
ou menos vítima e mais ou menos vilão.
Ou seja, no fundo, os estereótipos afloram muito
mais do que a tentativa de não estereotipar –
uma tentativa que eu acho que existe no filme. Isso
me incomoda também profundamente. Com o título
No meu lugar, eu achava que a idéia de
vários pontos-de-vista iria aflorar no filme,
mas você tem um ponto-de-vista só, você
tem o lugar lá de quem criou o filme, mas não
dos outros personagens. Como eu não leio críticas
antes de ver os filmes, e portanto não li nada
em relação ao filme, fui vê-lo no
escuro e senti isso, me surpreendi um pouco com essa
rigidez e, no final das contas, com os estereótipos
a que os personagens acabam respondendo. Mas essa cena
do diálogo com o tio eu achei que extrapola o
filme. Mas se isso por um lado é uma qualidade
do filme, é uma cena boa, por outro lado é
problemático. Porque aponta para um filme que
não é o filme, para algum outro filme
que poderia estar incluído ali.
NM: Eu concordo, o problema do filme é
o conjunto que ele cria. Você reage a alguns efeitos
específicos de registro, de dramaturgia, de encenação.
Mas é só isso. E o que isso forma, o que
isso representa em termos de conjunto? E eu acho que
o Eduardo Valente tinha uma vontade de dizer algo sobre
o Rio de Janeiro, resolver uma questão dele com
a cidade, fazer um olhar sobre a cidade, e pra mim isso
não existe no filme, eu não consigo entender
isso no filme. Pelo menos eu não. Eu não
consegui juntar essas coisas.
LCOJr: Eu consigo identificar ali alguma coisa
de uma classe média da zona sul do Rio. Alguma
coisa no modo de sentir a cidade...
LARM: Sinceramente, eu acho que o que atrapalha
o filme é o afeto. É o afeto como filtro.
LM: A relação do policial com a
filha dele me incomoda muito. É uma coisa extremamente
afetuosa, parece até meio incestuosa.
LCOJr: É proposital: você só
vai descobrir que ele é pai dela depois de algum
tempo. Eles dormem na mesma cama. Está lá
essa ambigüidade do incesto. A questão que
me desagrada é a inocência imposta a tudo:
a relação dela com o pai é inocente,
tudo é inocente.
CN: Mas o filme é todo pautado pela inocência.
TM: Não tem safadeza.
LCOJr: É mais do que safadeza, é
você entender que o mundo é atravessado
por forças obscuras.
LM: Mas também não é querer
colocar uma forma de viver da classe média? Vai
ver, toda essa afetuosidade existe nas famílias
de classe média e ele queria inseri-la dentro
daquele pessoal do subúrbio – o policial,
por exemplo.
LCOJr: Por isso identifico o filme a um certo
modo de sentir de uma classe média da zona sul
do Rio, de uma geração Los Hermanos, onde
existe uma rede de afetividade, um afeto circulando
no ar. Isso pode funcionar muito para certas famílias
de classe média, onde o filho tem um carinho
muito grande pela mãe, etc. E é interessante
falar também da nossa geração como
a geração que se reconciliou com os pais.
No sentido de que aquele atrito geracional que existiu,
que tinha inclusive como figura dramática clássica
o filho dando soco em ponta de faca porque ele quer
buscar um outro lugar que não é o que
os pais estão querendo construir para ele, esse
embate geracional é uma coisa que a gente não
vive, existe uma reconciliação dos projetos.
O nosso projeto não é um projeto que bate
de frente com o dos nossos pais. Eu acho que um filme
que versa sobre isso é esse da Laís Bodanzky,
As Melhores Coisas do Mundo. É um filme
sobre uma geração que vive no aquário
e que, de repente, vê aquele bem-estar que ela
herdaria por osmose ameaçar se perder. Alguma
coisa aconteceu àquele bem-estar. O pai é
gay, namora o orientando dele. Mas o filme vai lá
e reconcilia isso. Inclusive em termos de roteiro o
filme é uma tosqueira das maiores que a gente
viu recentemente. O namorado gay do pai lê assiduamente
o blog do personagem do Fiuk. Aí ele interpreta
as postagens dele e descobre que o menino vai se suicidar,
e avisa à família. Esse elemento que havia
separado a família, em tese, é o que vai
ser o agente conciliador. Ele desagregou a família
mas ele vai lá e salva o garoto. E é engraçado
que na cena final, do hospital, está todo mundo
lá dentro do quarto menos ele, o namorado. Ele
juntou a família, ele vai ser aceito, porque
a gente está falando aqui de uma sociedade que
é tolerante, que quer conviver em paz com as
diferenças, então, beleza, a gente aceitou
o seu namoro com ele, mas a reunião de família
é sem o cara. E isso fala muito, inconscientemente,
sobre a hipocrisia de uma sociedade conservadora que
quer mostrar que já absorveu as revoluções
sociais.
JGP: Tem toda essa questão do namorado.
Mas desde aquela cena em que o pai fala para os dois
filhos que é gay, a única coisa que o
Fiuk diz é: “Ah, mas como é que
você pode?”. Mas não parece realmente
que ele está se batendo com o pai. O filme só
se interessa em mostrar a incompreensão momentânea
dos filhos em relação à homossexualidade
do pai. Isso vai ser conciliado. Como vai ser conciliado,
eu não sei. Mas não importa. Você
vê aquela cena e quase não é uma
fagulha dramática, algo que você diz: “Ih,
quando é que eles vão se reconciliar?”.
Você vê e já sabe que eles vão
se reconciliar. Não é uma trama. A questão
nem é se o filme é previsível (“sei que, alguma hora,
pai e filhos se reconciliarão”), é que não há nem a
vontade de os personagens encarnarem uma violência dramática,
de forças antagônicas – o interesse parece mais sociológico
do que dramático. Você vê pela reação do cara, é só
um neném chorão.
LCOJr: É isso, um neném chorão.
Porque não existe nenhuma ferida social, moral,
com o passar do filme. E é um filme que mostra
essa mudança de paradigma em que o garoto só
vai fazer aquilo que o adolescente naturalmente está
destinado a fazer, que é ir arrumar uma namorada,
ele só vai fazer isso, na verdade, e tem uma
coisa bizarra aí, quando ele vê que aquele
bem-estar da família dele, do casulo, foi comprometido
de alguma maneira. Aí o cara vai tentar buscar
o território da sua própria vida. Tem
também o filme do Heitor Dhalia, À
Deriva, outro draminha de divórcio, onde
tudo o que a menina queria é que aquela família
continuasse ali alegre, funcionando, acordando cedo,
abraçando mamãe, dando beijinho na testa
do papai, tomando café todo mundo junto e conversando
depois sobre como foi o dia. E essa perturbação
da ordem vira uma catástrofe. Mas o filme vai
arrumar um jeito de salvar aquela imagem da propaganda
de margarina. Esses filmes não querem destruir
a imagem da família vendida pela publicidade.
Pelo contrário: eles querem sustentar o bem-estar
que a publicidade vende, mesmo face às dificuldades
que os comerciais escondem e que o cinema mostra.
JGP: Imagina se o Fiuk virasse um skinhead.
Ia ser muito mais interessante. [risos]
LARM: Pode ser um delírio, mas eu acho
que de alguma maneira isso representa um estado político.
Aí fazendo mais um link com um filme que eu adorei
do Clássicos & Raros, que é o Ninfas
Diabólicas. Esse é um filmaço.
E é a destruição do comercial de
margarina, da família feliz. O filme destrói
essa imagem, toda essa imagem que a gente vê hoje
em dia sendo ardentemente desejada pelos cineastas,
e aí a gente vê na verdade um grande muro
de lamentações do tipo “por que
nós não somos unidos?”. E no filme
tem o seguinte: vamos destruir essa imagem que no fundo
é hipócrita, dessa união que no
fundo não quer dizer nada. Isso vindo de um filme
da Boca do Lixo, roteirizado pelo Ody Fraga, fotografado
pelo Ozualdo Candeias e dirigido pelo John Doo. Só
a nata. É porrada em cima da classe média.
E esses filmes atuais que a gente vê, eles partem
de uma outra perspectiva. E aí, mais uma vez,
a questão dramatúrgica. Um filme como
por exemplo Cão Sem Dono, do Beto Brant.
Eu acho que o Cão sem dono é um
filme que assume a dramaturgia do reality show.
LCOJr: Curiosamente, depois ele faria um filme
que aborda isso.
LARM: É, mas começa no Cão
sem dono. Qual é a dramaturgia do reality
show? É um conceito, é a dramaturgia
como dispositivo. Um filme como Cão sem dono
é um filme com uma dramaturgia construída
a partir daí, ou seja, a partir dessa substituição
da dramaturgia pelo dispositivo. Portanto, é
uma dramaturgia do dispositivo em que você tem
o conflito não propriamente como uma coisa que
nasce, mas como uma coisa que é imposta, ou seja,
como um teorema. Então você tem o seguinte:
este é o quadro, essas são as regras.
Você tem na verdade regras, limites, pode-se filmar
assim, dessa forma, você só pode
fazer isso, você tem que ficar assim, você
deve fazer isso. São regras propositivas,
e você capta o que nasce daí. A cena chave
do Cão Sem Dono é justamente a
do diálogo do pai com o filho, na praia. Ali
você tem a conciliação, ali você
tem o afeto e ali você tem o murmúrio,
que é a chave da dramaturgia do reality show:
alguém murmurando com a outra pessoa uma coisa.
LCOJr: E é um plano inexpressivo, ele
tem essa neutralidade da câmera de vigilância.
LARM: Eu estava conversando com o João
Gabriel, a gente estava falando dos anos 80, e eu falei
para ele: “Nos anos 80, o ser humano saiu de moda.
Só nos anos 90 é que ele voltou”.
E nos anos 2000, ele ficou aprisionado pelo 1984.
No Cão Sem Dono até tem crise histérica,
mas a câmera está lá impassível,
e colocada em cima, quase como uma câmera de vigilância.
Isso é tão perverso porque isso é
imposto pelo próprio governo, na medida em que
estimula o baixo orçamento, e o baixo orçamento
estimula poucas locações, e poucas locações
estimula você a filmar num apartamento. Então
você acaba juntando a fome com a falta de apetite.
LCOJr: O Cão sem dono é
um filme de que gostei muito quando vi pela primeira
vez. Esse ano eu revi e ele caiu bastante. E passa muito
por várias das questões que você
colocou aí. Esse último filme dele [O
Amor Segundo B. Schianberg], que é uma continuidade
bem evidente do reality show, pega esse lado
de que o cotidiano, o cotidiano de dois jovens de São
Paulo, é uma obra de arte em potencial. Isso
exime você do ponto-de-vista, isso exime você
da construção.
LARM: É o afeto-instalação.
[risos]
LCOJr: Passamos do plano-afeto ao afeto-instalação.
E o engraçado é que o Brant veio com esses
dois filmes depois de ter feito Crime Delicado,
que é um dos grandes filmes da década
sobre ponto-de-vista, sobre indagação
moral.
LARM: E de afeto também, mas um afeto
que não é esse afeto bonitinho e domesticado.
LCOJr: É um afeto que guarda esse lado
cortante, perverso.
LARM: Coisa que não existe, no meu entender,
em No Meu Lugar nem em vários outros filmes.
LCOJr: Sim, na maioria. São as leis da
afecção. Em 2006, o Stéphane Delorme,
que é o atual editor da Cahiers du Cinéma,
escreveu um texto de que eu gosto muito, que se chama
“As leis da afecção”. Ele
fala dessa situação em que “cada
personagem é um momento do afeto” e as
narrativas se trocam por flutuações. O
que você tem na verdade são esses estados
afetivos se revezando ao longo do filme. E ele cita
até o Abel Ferrara como alguém que reintroduz
uma porrada nisso, uma cesura ficcional. Uma bomba explode
e isso faz com que você tenha que sair desse regime
afetivo e ir para um outro regime, um regime dramático.
Aí não tem jeito, o mundo pede para que
você saia dessas leis da afecção
e caia numa outra rede, que é uma rede onde você
tem forças obscuras, forças vampirizando
o personagem, e você precisa lutar contra isso.
É um mundo em luta. Mas essa coisa das leis da
afecção, isso rege realmente uma parte
considerável da produção –
e aqui sim a gente pode tranqüilamente extrapolar
o Brasil e falar de um world cinema, que é
feito todo ele sob o signo da afecção.
Um retorno triunfal – e triunfante – da
tal imagem-afecção, que é quando
o personagem absorve um estímulo, uma ação
exterior, e reage a ela interiormente. Aquela coisa
do plano da pessoa lá, no ônibus, no carro,
com o vento no rosto.
JGP: Passam uns três ou quatro curtas assim
por sessão de curtas que a gente vê por
aí.
AF: A minha mãe fez um comentário
genial: “Eu odeio esses filmes que ficam filmando
a pessoa pensando”.
LARM: É porque em geral a gente não
tem voz over para entender o que o cara está
pensando.
LCOJr: Não é igual à novela,
em que a pessoa chega e diz: “Eu ainda vou apanhar
esse patife...” [risos]
LARM: Quando não isso: “O quê?
Ele deixou uma carta?” [risos]
LCOJr: Eu gosto quando é assim: “Ah!
Então... então ele é o pai da fulana!
Ele matou ciclano!!” [risos]
LARM: Porque você pode ter perdido 200
capítulos da novela e você entende.
LCOJr: Mas isso é muito engraçado.
Outro dia eu estava vendo essa novela das oito, a Passione.
É impressionante: a matriz dramatúrgica-estética
do Projac é a Pathé do início do
século passado. Eu vi uma cena em que estavam
lá dois personagens falando do personagem do
Gianecchini e tramando alguma coisa contra ele, e aí
ele aparece no fundo do cenário e percebe que
estão falando dele. Há um móvel
qualquer, algum elemento cenográfico, e ele fica
ali escondido ouvindo. E faz aquelas caras, aquelas
expressões. Isso é filme de 1908, são
os primeiros filmes da Biograph.
LARM: O David Bordwell daqui a pouco vai estar
analisando as novelas da Globo no site dele.
LCOJr: A função da cenografia é
a mesma. E a relação dos personagens com
os cenários, em níveis profundos, é
a mesma do drama burguês primitivo, lá
na Pathé.
LARM: Hoje em dia as novelas estão melhores
que o cinema brasileiro.
LCOJr: Outro dia eu estava vendo Zorra Total
e teve uma esquete que, talvez por ser uma comédia
física, que obriga a uma relação
física do ator com os cenários, com os
espaços cênicos, trouxe um comentário
sobre a nova classe média que eu ainda não
vi em novela nem em filme nenhum. Era uma esquete de
um casal recebendo dois casais amigos para jantar e
ninguém cabia no apartamento. E ele falava: vai
entrando, tem espaço para todo mundo. E as pessoas
amontoadas, se roçando uma na outra. Tem uma
hora em que o cara fica preso entre a porta e o fogão
e a mulher abre a geladeira e dá na cara dele.
Um comentário, toda uma construção
em cima de um novo modo de habitar da classe média
brasileira. E é aquela coisa, aquela dramaturgia:
botou umas três câmeras no cenário
e fez tudo num fôlego só, talvez duas tomadas
pra pegar os melhores ângulos, e acabou. E é
uma parada que fala sobre um certo modo de habitar hoje,
fala sobre a arquitetura. Nas novelas, não importa
se o cara é pobre ou rico, ele sempre mora num
cenário enorme. Os interiores são sempre
enormes, para você evitar problemas de logística.
Enfim, eu achei genial essa esquete.
NM: Sabe quem passa Zorra Total em aula de direção?
Fernando Severo.
LCOJr: Ah, o Fernando Severo! Ele tem um curta
que eu acho um dos melhores filmes da década,
o Visionários.
NM: Visionários
é filmão. O Severo tem um longa que passou
em Gramado, o Corpos Celestes. É um projeto
conjunto dele com o Marcos Jorge. O filme venceu o edital
do governo do Paraná, foi realizado, mas circulou
pouco. Eu não vi. Passou uma vez, em Gramado,
e depois em Tiradentes. Até onde lembro, é
uma ficção que ao lado de uma trama de
personagens desenvolve um interesse por astronomia ou
cosmonáutica, incluindo efeitos pesados em CGI.
No contexto de Gramado, o Eduardo Valente e o Rodrigo
de Oliveira estavam entusiasmados com o filme.
Mas o Severo sempre reclamou da dificuldade de fazer
filmes. Acho que em algum momento ele tacou o foda-se
e decidiu fazer projetos que pudessem ser feitos, ou
seja, ele parou de eternamente esperar que surgissem
as condições ideais para se fazer o que
se quer. Tem um pouco a ver com o que falamos de profissão:
para ser cineasta é preciso fazer filmes, e
cineasta que não faz filmes talvez vire cineasta
de cartão de visita, cineasta cujo filme você
não lembra, mas cujo nome você ouve falar
quando é preciso fazer alguma articulação
política. Então ele se meteu em projetos
que sinceramente acho fracos. Mas não é
que ele seja inconsciente sobre o que ele está
fazendo, não é isso.
LARM: Uma coisa que talvez seja só um
parênteses mas que talvez dê para linkar
com isso aí que você está falando:
o Severo é de Curitiba, ou pelo menos radicado
em Curitiba. E a gente está falando dele porque
é um cara que teve um filme em Tiradentes e tal.
Você levantou uma questão com ele. Eu estou
pensando que a gente está discutindo determinados
filmes do Ceará ou de outras regiões única
e exclusivamente porque eles estão nesse circuito.
E isso é interessante, porque isso é uma
repercussão, e no fundo só é uma
repercussão porque eles estão vindo para
um circuito do Sudeste.
LCOJr: A vitrine ainda é aqui.
LARM: É só um parênteses.
Porque eu me lembrei do cinema de Cascavel por exemplo,
que ninguém fala e ninguém viu.
JGP: Que filmes são esses?
LCOJr: São filmes de ação,
filmes de porrada, produzidos ali na fronteira entre
Brasil e Paraguai. Uma coisa meio Miami Vice.
[risos]
LARM: Num momento em que a política oficial
é você descentralizar, sair do Rio-São
Paulo, ter cotas etc, a gente continua falando de Rio-São
Paulo, a gente continua falando de uma coisa, no fundo,
extremamente provinciana.
LCOJr: Eu vejo o meio do cinema brasileiro como
uma coisa muito provinciana.
LARM: Mas isso foi só um parênteses,
porque eu achei interessante você ter falado nesse
cara. Ninguém aqui fala de Fernando Severo. Só
se falou aqui porque você, Nikola, é de
Curitiba.
NM: O Fernando Severo, como diretor, não
tem uma formação teórico-acadêmica
ligada a estudos do cinema. A relação
que ele tem com filmes é muito intuitiva –
não só com filmes, mas com arte em geral.
Quando ele dá aula, ele é muitas vezes
incompreendido pelos alunos porque fala sem medo: eu
acho isso um porre, não quero saber disso, veja
esse Herzog que eu acho bom. E assim ele acaba indicando
também Zorra Total ou Bollywood. Eu não
sei o que sai disso, não acho que é garantia
de nada, mas vamos ver.
LCOJr: Eu acho isso interessante. Porque eu bato
muito naquela idéia da cinefilia de butique,
que consiste nesse estado em que está todo mundo
vendo os mesmos filmes, que são os “filmes
certos” a se ver. Às vezes, contudo, uma
esquete do Zorra Total te revela alguma coisa que os
“filmes certos” ainda não revelaram.
TM: Eu queria completar esse negócio que
o Luís Alberto falou de Cascavel: ninguém
nunca fala do Petter Baiestorf. É um cara que
tem um modelo completamente próprio que me impressiona.
O cara faz filmes trash em VHS e ele vive disso.
CN: Mas ele consegue pagar as contas com isso?
TM: Sim, porque ele vende os filmes dele na internet,
a dez reais. As pessoas compram. E ele vive disso, de
comercializar os filmes que ele faz. Aí ele junta
um dinheiro e investe em outro filme, vai lá
e faz um filme com 2 mil reais.
LARM: Mas ele paga o apartamento dele?
TM: Tudo. Ele não tem outra atividade.
Acho que no máximo trabalha numa locadora. Mas
ele vive essencialmente disso. Então realmente
é uma atividade econômica para ele, de
onde ele tira sustento – e ele está fazendo
o que ele quer. Eu acho isso muito impressionante. Porque
tem um nicho, ele tem um público cativo, então
os filmes geram lucro. Isso é muito louco.
NM: É tipo um Calypso do cinema. [risos]
Você tem iniciativas de gente que está
fazendo filmes não na louca, mas sem ter formado
um plano de carreira tendo em vista a ascensão
a um certo patamar de premiações ou circulação
em festivais ou qualquer espécie de reconhecimento
de uma classe cinematográfica ou crítica
já existente. Ele faz simplesmente porque está
a fim de fazer cinema, exibe e vende o DVD depois
da sessão. No SESC de Curitiba, fizemos uma sessão
com um cara que fazia isso. O nome dele é Guataçara
Jorge Maftum. Ele produziu o longa Caçadores
de Espécies, que é dirigido por
Nycolas Maftum.
LARM: Mas é um cara de que idade?
NM: Guataçara está na casa dos
trinta anos, talvez, tramando com uma garotada mais
nova. Eles querem fazer filmes de ação
e de aventura. Gostam de Jurassic Park –
e aí tem um dinossauro no filme. Eles até
pegaram emprestado o helicóptero do Corpo de
Bombeiros! Tem uma mega produção. É
feito com essas referências, como se fosse um
filme de amigos mesmo. É como pegar o vizinho
do bairro e fazer um filme para curtir, e depois você
divide isso com outras pessoas e, a partir de um momento,
isso vira uma economia. No final da sessão, eles oferecem
uma cópia em DVD, “se quiser comprar o
filme, é R$5”. E explicam: “A gente
conseguiu dinheiro assim, a gente vai comprar uma outra
câmera, para fazer um outro filme”. Eles
estão fazendo filmes para pagar o próximo
filme. Mas é, por outro lado, uma coisa inocente,
gerada por uma utopia de cinema americano, que parece
ingenuamente vislumbrar o blockbuster, como se
isso fosse uma alternativa real e viável para
o cinema no Brasil.
TM: É, é ingênuo.
NM: Isso fica claro nas referências que
alimentam esse cinema. Tenho impressão que eles
acreditam que um dia vai rolar, vai ser um blockbuster.
O que é totalmente utópico, não
vai acontecer. Não nos termos do cinema americano.
Terá que ser outra coisa.
LM: O cara da Versátil tem um selo espírita,
e ele fazia muito isso – agora eu não sei
como vai ficar com a extinção das locadoras
– de vender o filme para as locadoras do interior
do Brasil, pegar esse dinheiro, fazer o filme espírita,
e lançar só em vídeo, DVD, VHS,
mandando para essas locadoras que o compraram. E são
fenômenos de locadoras.
LCOJr: O mercado de filme espírita é
uma coisa que a gente desconhece, ignora as dimensões
que isso tem hoje em dia.
TM: E outra coisa que pode parecer boba, mas
não é, são esses remakes
de animação da Disney, Pixar e Dreamworks.
Tem o Carrinhos, Abelhinhas, Robozinhos
e outros, de um selo chamado Videobrinquedo.
LM: É o Alê Machado que faz bastante
isso. Eu não sei se ele é a única
pessoa que faz, mas ele fez Carrinhos. Enquanto
a Disney está pensando no projeto, ele está
aqui antenado. Aí ele licencia mochila e tudo
mais, tudo com o tema do Carrinhos. Na época
do filme, você coloca aqueles produtos no mercado
e vai vender, porque se confunde Carrinhos com
Carros.
LCOJr: O produto se camufla nas prateleiras.
O famoso oportunismo.
LARM: É o tênis Bike, que não
é Nike. Dá um golpe de vista e compra.
TM: É um modelo oportunista, mas que funciona.
Talvez sejam os filmes que mais geram lucro, que têm
um público imenso, e isso é, no fundo,
uma produção brasileira que a gente ignora.
NM: Esse oportunismo pode ser baixo, rasteiro,
mas pode ser totalmente subversivo. Eu não acho
que seja obrigatoriamente condenável. Isso é
uma estratégia de lançamento de filme
B.
LARM: A minha questão é: isso tem
força no mercado para alterar alguma coisa? Porque
isso me parece uma produção minimamente
viável.
TM: Eu acho que o cara pode fazer um Carrinhos,
que é inspirado em outro, mas que tenha uma linguagem
própria.
LARM: O ponto dessa questão é que
hoje as pessoas estão proibidas de fazer um filme
médio.
LCOJr: A gente só tem filme de exceção.
LARM: A gente só tem filme de exceção!
A gente só é cultura, não tem regra.
Agora isso vai parecer um discurso reacionário,
esse que a gente está tendo, mas é absolutamente
não-reacionário no contexto.
TM: Esse tipo de animação de que
estávamos falando é um filme que vai ser
comprado, consumido, vai atingir aquelas pessoas com
determinada mensagem ou o que quer que ele tenha. E
existe um potencial ali que a gente não está
vendo, a gente não sabe o que tem lá.
Parte 1: O
consenso / "Cinema de qualidade" / Filmes de conceito
Parte 2: Cinema
de metiê / Fantasmas e ausências
Parte 3: Cinema
de gênero? / Os meios de produção
/ O paraíso do autor
Parte 5: Personagens
da era Lula / "É tudo abstrato hoje em dia"
Parte 6: Serras
da Desordem e O
Signo do Caos: ruídos / Considerações
finais
Setembro
de 2010
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