![]() |
![]() |
Cinema
falado, parte 5 EV: Vamos começar então pelo Xangô de Baker Street. O que eu acho mais grave no filme é que, como é o caso do Rubem Fonseca do Bufo e Spallanzani que discutimos, a impressão do que seja algo "cinematográfico" não condiz nem um pouco com a realidade. Assim como os livros do Rubem Fonseca são no geral altamente não-cinematográficos, porque as tramas são muito ruins. Aonde ele capricha é nas descrições que faz, nos diálogos que coloca na boca dos personagens, na forma como ele fala dos personagens, o que torna os livros bons de ler. Mas as tramas em si são muito fracas, e um filme policial baseado numa trama ruim é algo de insuportável. E com o Xangô é a mesma coisa. Eu não li o livro do Jô, mas fica claro pelo filme que o barato do livro era justamente ele pegar e fazer uma puta pesquisa de época e cria uma série de "sacadas" inteligentes e piadinhas. Aí, as pessoas pegam isso e acham "cinematográfico". Mas, você coloca na tela e tudo que era uma piada que estava na descrição do Jô vira aquela velha história que o Godard dizia sobre adaptação literária no cinema: a diferença de um livro para um filme é que ao invés de você descrever um belo pôr do sol que acontece no horizonte por sobre a casa antiga, etc, é que você simplesmente filma aquilo e pronto, está ali fisicamente. Você tira do livro então aquele charme da descrição, está tudo impresso ali na imagem e aí os personagens começam a falar aqueles diálogos e você não acredita naquelas frases para fazer uma piadinha. Aí, fica frio. E várias cenas são muito frias. DC: São várias cenas que eu achei muito técnicas. Por exemplo, as do psicopata. São muito bem feitas, tensas, mas o filme se assume como filme de gênero, e logo depois não se assume em outros momentos. As partes do psicopata não funcionam para o que o filme se propõe. RG: A trama policial do filme fica completamente fora, esquecida em partes do filme inteiras. E no final, o espectador está pouco se importando para como se soluciona a trama, e isso é a parte mais dramática do filme. DC: É, e isso poderia ser algo interessante. Mas não é pensado desta forma. EV: E o final tem toda aquela coisa de criar um clima, o cara vai para a Inglaterra, aquele suspense... e fica a sensação de "Ah, tá bom, podia já ter acabado antes..." DC: Pois é, a coisa do Jack, o Estripador, é uma piada. E é mais do que aquilo que você disse de ser cinematográfica, também tem o aspecto da falta de envolvimento pessoal dos realizadores. Quer dizer, aquilo que para o Jô era mais uma piada histórica, para o Miguel Farias, que é um ótimo artesão, vira uma chance de uma referência cinematográfica com a qual ele constrói uma ponte com um tipo de gênero com o qual o filme não se envolve. As cenas de perseguição ou assassinato são do nível de um cara que sabe fazer, de um cinema americano, italiano, boas mesmo. Só que elas de alguma forma parecem não se enlaçar, se entrosar com a parte cômica dos atores, aquelas piadas. E fica o conflito de um filme técnico e ao mesmo tempo comercial, o que nem sempre é a mesma coisa. EV: E tem a velha obsessão do cinema brasileiro de não saber escalar figurante. Todo personagem que abre a boca e fala alguma coisa tem que ser um grande ator. O assassino, por exemplo, é um cara genial porque em alguns momentos ele mata a Isabel Guerón, a Maria Ribeiro e a Christine Fernandes! Isso é uma clientela seleta. Cada uma delas tem 40 segundos de tela. E a Isabel Guerón completa 100% de aproveitamento: dois filmes no cinema brasileiro, dois filmes em que ela aparece completamente nua. Mesmo no Xangô com pouco tempo de tela e morta, conseguem tirar a roupa dela. DC: E você tem alguma coisa contra? EV: Nada contra, isso remete inclusive aos anos 70. Ela é uma atriz típica dos anos 70. DC: É a nova Aldine Muller... RG: Na questão da ponte com o Bufo e Spallanzani e sobre a questão do ser "cinematográfico" me parece que como todos enchem o ouvido da classe cinematográfica brasileira de que "falta roteiro", as pessoas vêem as naturalidades de diálogos do livro do Jô e do Rubem Fonseca e confundem "tal escritor é cinematográfico" com "tal escritor tem naturalidade nos diálogos". Que são coisas completamente diferentes. FV: E é um problema inclusive da produção da Globo no caso deste programa do Guel Arraes, o Brava Gente. Eles pegaram um dos maiores dialoguistas brasileiros, o Luiz Vilela, e a adaptação que eu vi era horrível, tenebrosa. EV: Luiz Vilela é o cara em quem é baseado o Françoise que é um curta de diálogos, o tempo inteiro. E tem outros problemas, por exemplo, há personagens que provavelmente no livro não têm importância, porque o que importa ali é menos o desenvolvimento dos personagens e sim a confecção das piadas. Então, por exemplo, o personagem do Marco Nanini, ele é supostamente o centro da história. Eu, por acaso, perdi os três minutos iniciais do filme e resolvi ficar numa segunda sessão, e vi os 45 minutos iniciais de novo. Quando eu saí da sala, com 50 minutos, o Sherlock Holmes estava entrando em cena, ou seja, quase metade do filme o que daria o eixo seria o personagem do Nanini, e no entanto dali em diante ele se perde... DC: Mas se eu não me engano o roteiro foi aprovado pelo Syd Field, viu... EV: Ah, bom... (risos) DC: Bom, mudando de filme a gente não se chegou a falar do As Feras... EV: Lamentavelmente a gente não chegou a falar porque só você viu. Então, a gente aproveita aqui o espaço para manifestar que é impossível um filme brasileiro entrar em cartaz só uma semana no UCI, não dá pra gente ver. Você fez o esforço, mas naquela semana eu não pude fazer... Mas o que eu achava legal falar é do Caramuru. Eu não vi a série na TV, o que é meio como quem não leu um livro, para fazer a comparação. Mas eu me surpreendi positivamente. Porque eu achei o trailer ruim demais, como no geral a safra brasileira de trailers, que é uma coisa que pelo jeito não aprendemos ainda a fazer. FV: O Sonho de Rose eu fiquei em dúvida se era um comercial do Jornal Nacional, falando dos problemas da terra e como a coisa melhorou, e eu fiquei esperando o logo do Governo Federal... EV: Enfim, os trailers são horrorosos. Mas no Caramuru eu acho, sem ter visto a série, que eles tinham toda a razão de tirar a parte do Jorge Furtado porque independente de ser ou não o melhor na TV, se você vai fazer um filme e quer que ele não tenha 4 horas, é preciso tirar alguma parte dentro de um objetivo e dentro do que seja a narrativa aquilo seria o mais lógico de sair, por ser mais descritivo que narrativo. E api ou você colocava tudo, ou nada. E achei que a montagem "ágil" do Guel Arraes funciona perfeitamente neste filme. O que eu não gosto são os velhos vícios no cinema de ficção dos mesmos atores fazendo os mesmos personagens sempre. Então tem personagens que não funcionam pra mim porque são os mesmos atores fazendo os mesmos tipos que eles interpretam há trocentos anos sem dar nenhuma novidade deste personagem. Então, por exemplo, eu gosto muito do Diogo Vilela no filme, acho que possivelmente é a melhor coisa do filme. DC: Eu gosto do Selton Mello, acho que ele está sempre abobado, mas faz parte do personagem. EV: Eu gosto do Vilela, do Tonico Pereira, da Camila Pitanga e da Débora Secco. E não gosto especificamente do Luis Mello, do Pedro Paulo Rangel, do Selton e da Débora Bloch. E acho que isso vai contra o filme. DC: Eu acho que o Selton dá um ar abobado que funciona... EV: Eu já disse isso antes, mas continuo achando que ele faz o tataravô do Chicó... RG: O que eu acho curioso observando os filmes da Globo Filmes, é que se você tirar A Partilha e inserir o Brava Gente, o Auto da Compadecida e o Caramuru você nota algo que eu não saberia explicar o vínculo lógico, mas eles pegaram a cartilha da CPC dos anos 60 e estão fazendo, né? Pegou a idéia de espetáculo popular, das raízes do Brasil, de achar alguma noção de brasilidade, de raiz do Brasil nas narrativas populares, com Ariano, que é um cara de militância particularista. E eu acho curioso que você veja a Globo, sempre acusada de alienação, e se o que era o projeto de ficção das esquerdas nos anos 60 migrou para lá é sinal de que o projeto de ficção desta esquerda está caduco. DC: Mas aí, você está pegando um universo de 4 filmes, e ainda tirando um, do Daniel Filho... E somando o do Furtado que está saindo aí... Em suma, eu acho que isso que você está falando rola muito mesmo é por causa do Guel. EV: Mas o que acho importante, seja positiva ou negativamente, discutirmos é o fato de que o Caramuru foi um fracasso de bilheteria. Ele foi lançado nos mesmos moldes do Auto que também não foi lançado com tudo, e sim deixando crescer, e o filme não funcionou. O que eu acho positivo por quebrar a tal idéia da fórmula, ou seja, achamos uma fórmula que soluciona o sucesso no cinema. Especialmente porque eu acho esta fórmula altamente prejudicial ao cinema, que passa a ser subproduto de alguma outra coisa. E isso, me parece, inclusive estancou este processo porque o próximo era o Luna Caliente do Furtado, e eu não ouvi mais nada disso. FV: Não, mas é que neste caso houve uma cagada se não me engano da Globo ou da Casa de Cinema de Porto Alegre que não viram se alguém já tinha os direitos de transposição pra cinema do livro, e um francês já tinha e pediu uma bolada porque sabia que a Globo estava por trás e ninguém quis pagar porque o filme nem seria tão viável comercialmente. EV: Mas, em suma, o que eu acho importante é que o Caramuru foi lançado quase junto com o Xangô e este deu bem mais público. DC: O que nos leva ao Partilha, que por outro lado é um filme bem problemático e deu público... FV: E que aliás era um dos trailers mais pavorosos... RG: Mas também ali não tinha o que pegar, né... Mas o que eu acho é que esta safra serviu para mostrar que não é um filme "acabadinho" que vai garantir o sucesso, porque A Partilha é um dos filmes mais mal cuidados em questão de montagem e fotografia da história do cinema brasileiro recente... DC: É, o filme teve um problema técnico de laboratório que circulou na classe... Mas, na verdade o que eu acho é que, por exemplo, o problema na Partilha era de imagem, mas a questão não é essa, afinal o Auto tinha um problema de flicagem que tornava os planos que tinha efeitos eletrônicos completamente diferente dos outros, o que era muito feio. E o filme fez um sucesso espetacular. Mas, a verdade é que A Partilha deu certo. Quer dizer, este mito de que o público quer o bem feito é falso. A Globo sabe que se entregar um produto adequado, reconhecido, mas que tenha problemas, consegue um público excelente. O problema do filme é a estrutura mesmo, ele não é bom, chega a ser constrangedor em termos estéticos. EV: Se o público quisesse o que é bem feito, quando o Luiz Fernando Carvalho vai e faz Os Maias, seria um grande sucesso porque "bem feito" ela é. Não vou entrar em discussões estéticas porque eu nem vi a série. A questão não é essa, mas que o público de cinema hoje é muito específico. Ele é de classe média alta, urbana. Resta saber o que satisfaz este grupo específico, porque os filmes são para eles. Agora, retoma aquela outra coisa, está-se pensando o filme só para os cinemas? Porque depois viria o VHS, a TV, o filme tem que quebrar outras barreiras. Agora, para um público de cinema, se você quer fazer sucesso é com estas pessoas que você precisa falar. DC: E a partir de um sucesso aí, você consegue quebrar as outras. EV: Agora, claro que a parte do marketing não resolve tudo mas dá um grande adianto. Então, é lógico que a Globo com a TV, o jornal, está 25 passos na frente. Então se o Caramuru deu pau a gente precisa discutir o que houve ali, mas é lógico que A Partilha se favorece disso, o Auto idem, todos os filmes lançados pela Globo Filmes. E eu acho que o fato com A Partilha é: o público de classe média alta que pode dar este tipo de público hoje em dia saía do cinema satisfeito. O que ele buscava ali, encontrou, mais um episódio de uma telenovela, e tal. Mas é isso mesmo, é claro que as pessoas não têm conhecimentos técnicos, afinal elas vão a cinemas que projetam porcamente os filmes, e saem satisfeitas. Não há discernimento técnico, porque se houvesse elas já reclamavam do cinema onde vêem o filme. A questão sempre foi desvirtuada calhordamente para este lado da "técnica" do cinema brasileiro. DC: Existe a propaganda calhorda contra o cinema brasileiro, mas hoje ela nem precisa mais trabalhar porque já vai na inércia. Os argumentos já são passados por ignorância, pessoas que não viram os filmes e passam as noções adiante. EV: É, mas isso não foi criado agora, a gente precisa voltar no mínimo pra chanchada, passar pelo Cinema Novo, os anos 70... O público dos anos 90 não viu o cinema brasileiro mesmo. RG: Uma coisa que a gente falou anteriormente e que pode ser retomado a partir disso é o Casamento de Louise que é um filme que poderia ter grande diálogo com o público caso tivesse sido lançado com um circuito que não existe mais hoje, nos cinemas de bairro, de centro, que hoje não têm. Um filme de forte cunho popular, realizado a contendo, com momentos de brilhantismo e outros bem fracos. EV: Um filme muito irregular, mas perfeitamente inserido no que a gente pense que eram filmes que conseguiam 2 milhões de espectadores nos anos 80 ou 70. Agora, hoje, o filme fica estrangulado, não deve ter dado 10.000 espectadores. E isso não é algo que a gente está constatando agora, a posteriori. Quando a gente viu o filme no Festival de Recife, a gente falou que o filme ia ficar fechado neste circuito, ia ser lançado com o público errado e seria um fracasso. DC: E a maior prova disso é realmente o relançamento do Dona Flor...
Parte 6: Existe um novo cinema documentário brasileiro? Parte 7: Copacabana, Memórias Póstumas, Domésticas, Mater Dei * * * Voltar à Parte 1: Condições de produção, sucessos, fracassos, Lavoura Arcaica Voltar à Parte 2: Bufo e Spallanzani, cinema comercial/cinema de autorVoltar à Parte 3: Distribuição, TV, público Voltar à Parte 4: O fenômeno do ano: Lavoura Arcaica, mais Bicho de Sete Cabeças e Brava Gente Brasileira |
|