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Cinema
falado, parte 3 EV: Falando na Riofilme, ela tomou uma posição muito firme para os próximos anos, que ela só vai investir dinheiro em produções cariocas e só produções filmadas aqui no Rio mesmo. DC: E distribuição, porque a distribuição da Riofilme já é uma força bizarra, porque das distribuidoras nacionais tem ela só. EV: Faz tão bem quanto faz mal também. Porque tanto a dotação orçamentária quanto o funcionamento dela, ela não foi feita para fazer a distribuição nacional. Ela no máximo funcionava para distribuir dez filmes por ano, distribuir bem, todos no circuito do Espaço Unibanco e afins, e fazer dez sucessos. Acaba que ela fica com vinte filmes por ano para distribuir, tem que quebrar o dinheiro entre esses vinte filmes, o pouco dinheiro que ela já não tem, e ainda fica distribuindo filmes que não foram feitos para o circuito dela e fica desse jeito. Então fica uma série de filmes capengas. Se ela trabalhasse de forma inteligente, ela seria um negócio muito melhor direcionado para dez filmes, bem distribuídos, e você vê que ela distribui mal vinte filmes. DC: Quanto a esse negócio de passar mal vinte filmes, eu acho que tem o seguinte. A Riofilme funciona no milagre. E o pior é que é mesmo. Porque mal ou bem, tá lá, o filme passa em poucos lugares. Mas, porra, pelo menos alguém pega o filme. Você tem o filme, você quer lançar o filme, o cara tá fazendo o filme há cinco anos. Aí a Columbia Pictures, que é a única distribuidora das grandes que distribui filme brasileiro não quer distribuir esse filme porque não tem a Malu Mader, não tem não-sei-quê... A Riofilme tem como compromisso exibir. Está errado? Está errado porque não tem a Sampa Filmes, a Porto Alegre Filmes, a Manaus Filmes. Além disso, tem esse problema, os filmes passam nas capitais. Mas e o resto do país? Não passa. Quer dizer, quando os paulistas resolvem fazer uma proposta de dinheiro, é pra financiar filmes de São Paulo. Mas vem cá, qual vai ser a distribuição de espaço dos filmes, vai continuar sendo pela Riofilme, o que o Minc faz com relação a isso? Os nossos filmes, eles só podem ser vistos no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, Recife e talvez Salvador. É complicado. Só nas capitais. Quantas cidades não podem? Nego não tem a menor preocupação com isso. EV: Não é assim, hoje em dia certas cidades não têm nem mais condições de receber o filme brasileiro, mesmo porque tem cidades com um número de cinemas ridículo, e aí obviamente quando entra O Senhor dos Anéis precisa usar dez de vinte cinemas, como tem em Porto Alegre, e aí tem um cinema que de vez em quando reveza entre cinema de arte e filme brasileiro. DC: Tanto eu como o Valente, a gente apresentou sessões de cinema em zonas culturais. E foi um troço muito interessante, eu fui para os três centros, fui pra Bangu, Anchieta e Vista Alegre. E em geral, a resposta do público é maravilhosa. EV: Mas o espaço do público é sempre o mesmo, eles não têm mais cinema por lá, quer dizer, eles queriam voltar a ver cinema mas eles não têm mesmo, e muito menos filme brasileiro. Esse pessoal não conhece mesmo. RG: Eu queria ressaltar que foram sessões paralelas de curtas da Mostra Curta Cinema, e eram sessões gratuitas exclusivamente de filmes brasileiros de curta-metragem divididos em temáticas de futebol, humor, filme e realidade, além da sessão de filmes da Tata Amaral. DC: Agora, é um troço super-segmentado, você vê, o futebol, o humor ainda trazem pessoas pro cinema, mas e agora, e a Tata Amaral? EV: Cara, pras pessoas não fazia nenhuma diferença, na verdade elas mal sabiam. DC: Exatamemte, se tiver uma preocupação em passar, os filmes já estando prontos... O Estado brasileiro já investiu tanto nessa merda, pegar uma porra de um estádio, a porra de um ginásio que um deputado construiu pra ganhar voto, pega e põe um telão de vídeo ou um projetor com uma tela, um troço que não é caro. Qual é o tamanho do investimento disso diante de todo investimento que se faz no cinema brasileiro? Qual é o investimento de passar o filme na TVE? Ninguém passa. Quer dizer, os filmes brasileiros estão ocultos em grande parte porque o Estado brasileiro faz uma puta iniciativa pra produzir, uma tremenda iniciativa pra mostrar mundo afora o que o Brasil tem feito... Mas e aí, quem vê, nós cariocas? GS: Mas nem o carioca, o carioca Zona Sul-Barra-Tijuca, porque as pessoas nem sabem que passam esses filmes aqui... DC: Só passa no Estação, só no Estação, 5.000. (pausa) Não, minto, a média de público do cinema brasileiro, é um treco muito bizarro, é de 50.000, porque apesar de muitos darem 5.000 o sucesso de outros filmes balança a média pra cima. EV: O que mais uma vez se você pensar exatamente qual é a população do país chega a ser patético. O Guilherme Tristão uma vez falou uma frase que eu nunca mais esqueci, e que eu não consigo rebater. O dia em que alguém chegar e disser que o cinema brasileiro não tem expressão social para existir, eu não tenho como discordar dele. Porque um negócio que é feito para 50.000 pessoas verem num grupo de 170 milhões... O problema é o seguinte, Daniel. É óbvio, a tese do Guilherme não é pra destruir o cinema brasileiro. É simplesmente que está sendo absolutamente ridículo que as pessoas estejam vendo e que se esteja fazendo filmes para 50.000 pessoas, e isso não ser um escândalo. Continua-se criando escândalo em outras coisas quando o problema principal continua sendo esse. É enlouquecido você pensar. É claro que é o mercado brasileiro. O maior sucesso ser O Planeta dos Macacos e dar 2,5 milhões ainda é ridículo. Esse público para 170 milhões é ridículo. Cinema como fenômeno no Brasil é ridículo, como expressão artística, o cinema pras pessoas mesmo. O Senhor dos Anéis é ridículo, 3 milhões num país de 170 é ridículo. DC: Mas depois tem o vídeo, a TV. EV: Claro, mas aí vem a questão: para que precisa fazer em película, pra que custar R$7 milhões, faz em vídeo, passa só na TV. Você passar no cinema para 50.000 pessoas, isso faz diferença? Quando você passa na TVE dá 2 milhões de espectadores. Traço da TVE significa que deve ter 1,5 milhão de pesosas no Brasil assistindo. E aí você fica brigando por uma verdadeira sandice. É bizarro. JMC: Mas a defesa do cinema não é uma iniciativa econômica, é social. Tem que passar, mas não é comercial. EV: Mas cinema é comercial. DC: É uma iniciativa social. EV: Sim, mas se você diz que o cinema é social, e se a desculpa que a maioria das pessoas dá é que é não vamos discutir o comercial porque é arte, e que tem que ter um programa cultural para a sociedade... Não tem, não existe, não reflete em nada a sociedade. No máximo emprega algumas pessoas. Aí é mais fácil abrir uma frente de trabalho. DC: Uma iniciativa ótima para o Estado brasileiro: primeiro, bota a transmissão da TVE decente. Segundo, começa a passar quatro filmes brasileiros por dia. Uma transmissão razoável, não precisa ser do nível da Globo, basta do SBT ou da Bandeirantes. EV: Se dependermos da Rede Globo, estaremos fadados ao Festival Nacional no fim do ano. DC: Aí, exatamente, passa na TVE todo dia, tantos filmes nacionais. Já é uma força filha da puta. Além do mais porque os caras das outras emissoras podem se interessar e comprar outros. Mesmo que eles passem todos de graça e não sejam bons, já é uma maneira de exibir o filmes nacional. O grande problema ainda é o fato de que ninguém vê. As pessoas ainda acreditam que o cinema brasileiro é a pornochanchada sem ter visto a pornochanchada. GS: E o Eduardo falou de maneira crítica com relação ao cinema nacional na Globo, mas toda vez que a Globo passa o Festival Nacional, independente da qualidade dos filmes que passa, tem repercussão. As pessoas assistem. EV: É, mas o problema é justamente esse, que só passa uma semana. E isso acontece uma semana no ano. DC: E cinema nacional com a Globo a gente tem que desconfiar muito, porque o cinema nacional da Globo foi o seguinte: quando interessou fazer uma imagem de filme de sacanagem, eles fizeram. A imagem de que cinema brasileiro é filme de sacanagem é em grande parte devida aos filmes que a Globo escolhia e o modo como fazia a propaganda antes mesmo para as crianças não verem o filme. Tanto é que quando parou o cinema nacional e ficou aquele breakdown total, a Globo parou de passar filme nacional. Pra eles é o que interessa, e o que interessa pra eles a gente tem que desconfiar. GS: Mas eu estou falando não é para dar força à Globo e a política de exibição deles, mas no fato de que desperta o interessa do público. Despertava nos anos 80, quando passava Dona Flor, filmes do Nélson Rodrigues, desperta hoje. DC: O público do cinema nacional está conquistado. Dos anos 70 a hoje (...) Quinto dos Infernos é uma pornochanchada. Tá fazendo um puta sucesso porque é uma porra duma pornochanchada. GS: O Quinto dos Infernos e o Presença de Anita são o mais próximo que tem no cinema brasileiro dos anos 70. EV: É verdade. JMC: A gente vem aqui falar de cinema e o assunto acaba caindo para a televisão, eu fico arrepiado. EV: Não, a Casa dos Artistas é a coisa mais próxima do cinema brasileiro nos anos 70. DC: Mas só se vê cinema brasileiro desse modo. No concreto, de fato, a maior parte da população brasileira só vê filmes no vídeo e na TV. EV: Mas nego tem que tirar essa carga de dentro, o principal problema no meio do cinema brasileiro continua a ser que se fica viciado no circuito dos hotéis e dos festivais e às sessões de pré-estréias do Espaço Unibanco – eu adoro as pessoas e os hotéis também são muito bons –, mas ali elas encontram o sucesso delas, porque as expectativas delas com relação ao que seja o fenômeno do cinema no Brasil são tão pequenas hoje em dia que para eles não importa, é o sucesso. Eles vão lá um dia, ficam diante de 1000 pessoas, recebem palmas... DC: Mas eu acho que isso não é de se recriminar, eu não consigo achar isso errado, acho normal. EV: Eu não estou recriminando eles, não acho eles errados... Não, normal não é. O problema é que todo mundo se contentou com isso, todo mundo baixou as expectativas o suficiente. DC: Não, não se contentou. Você acha que a Sandra Werneck não esperava que Amores Possíveis fosse fazer mais? Eles esperam mais. Porque tem um lance do cinema comercial que é saber jogar campeonato brasileiro, tem um lance que é chegar lá e ganhar. Você espera que vá dar tudo certo e dá tudo errado. O Rovai se deu bem, porque é um time tarimbado, a Sandra Werneck tem que aproveitar a hora certa. Você vê, o Pequeno Dicionário, ninguém esperava. EV: Mas, Daniel, nós estamos falando duas coisas absolutamente diferentes, você está falando de acertar e é relativo. DC: Mas eu acho que elas não estão satisfeitas com o coquetel. EV: Se elas não estivessem satisfeitas elas estariam pensando no resto, estavam pensando no lançamento na televisão, no DVD, no lançamento em VHS. DC: Mas eles estão. EV: O Rovai eu tenho certeza. DC: O Amores Possíveis eu tenho certeza que a preocupação com CD, com DVD existe sim. Não tenho a menor dúvida.
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