RG:
Bom, vamos falar de outro filme que acho que todo mundo
considera como uma proposta estética, senão
vigorosa, pelo menos coerente e em uma crença
que princípios formais modelam sensibilidades...
Que é o filme do Ruy Guerra, O Veneno da Madrugada,
que passou demais em branco. Do ponto de vista de público
e de recepção, foi pouquíssimo
visto...
DC: E é UIP, né? Nossa Senhora.
RG: E curiosamente com crítica boa, no
Globo teve bonequinho aplaudindo de pé...
LL: É, mas não foi um filme bem
visto num geral.
RG: Foi um filme que teve 1500 espectadores...
LL: Não, não to falando bem visto
de público, mas bem visto pela crítica.
RG: E é um filme curioso, porque, eu sempre
tive uma relação bastante estranha com
os filmes do Ruy Guerra e, fazendo trabalho de pesquisa
pro catálogo da mostra de Cinema Novo, eu me
depara com um texto do Glauber Rocha falando de Os
Fuzis. Aí ele fala, curioso, que é
uma estética excessiva e um barroquismo que curiosamente
não transforma o sofrimento do homem, é
um filme em que luta do homem não passa da tela
para o espectador. É curioso, porque acho que
se a maior parte das pessoas não vêem isso
em Os Fuzis, e o colocam como um dos grandes
filmes da história do cinema brasileiro, acho
que essa frase do Glauber diz muito sobre a carreira
inteira do Ruy Guerra, tanto nesse excesso, nessa confiança
extrema na forma e nesse apuro tão grande na
forma a ponto de criar um objeto irretocável
do ponto de vista plástico, mas inócuo
do ponto de vista da contaminação do espectador.
Acho que isso fica cada vez mais claro nesse momento
do cinema brasileiro. Acho que se Estorvo de
certa forma já trabalhava com uma relação
de desorientação do homem com o mundo,
de certa forma O Veneno da Madrugada vai escalonar
isso, jogar isso para uma outra potência. O próprio
desenrolar da história pode se dar de uma forma
ou de outra... Isso acontece, se repete. É curioso
que o filme, pelo menos em entrevista, o Ruy Guerra
falou que a maior referência dele é o Lynch.
Curioso que o Lynch volte à discussão
pra falar de O Veneno da Madrugada, mas me parece
que, não sei, uma coisa que eu fiquei extremamente
curioso é que a intriga do filme parece muito
com O Corvo, do Clouzot, porque é um mundo
que tem um mistério e todo mundo é um
escroque. Ninguém presta. São filmes que
fazem com que o próprio espectador creia que
possivelmente os personagens são mais escroques
do que parecem ser. Tudo isso com um tipo de embelezamento
do feio, de um embelezamento do nojento, a idéia
da gosma, da dor, da sujeira. E ao mesmo tempo um embelezamento
que me incomoda... Já me incomodava no Amarelo
Manga. Mas ainda assim existia uma certa sensualidade
do grosseiro no Amarelo Manga que de certa maneira
fala em prol do filme. Mas em O Veneno da Madrugada
me parece o contrário, parece que o filme funciona
de uma forma muito bizarra, ele quer ganhar nas duas
formas, no nojento, mas não quer ser nojento,
quer ser o bonito do nojento e isso não me encanta
de forma nenhuma.
TM: Mas diferente do Amarelo Manga, tem
uma estilização em O Veneno da Madrugada.
RG: Em O Veneno da Madrugada só
tem estilização...
EG: Uma estilização pra ficar podre
o cenário, as luzes, mas uma coisa bonita, um
podre falso.
TM: Não é só a estética
do podre, eu to dizendo que ele tem além disso
uma estilização.
RG: Mas o que me incomoda é isso que o
Glauber falava de Os Fuzis, esse barroquismo
criogênico. Bom, isso é um oxímoro
na verdade, barroquismo trabalha com choque entre opostos
e no pathos, a idéia de um pathos enorme
a ser passado. E isso não passa, curiosamente
não passa. É unânime?
LL: É difícil discutir O Veneno
da Madrugada porque acho que é um caso que
dentro da revista, de quem viu, acho que ninguém
gostou.
EG: Eu não gostei do filme, mas não
acho esse horror todo que tão falando aí,
acho que tem coisas bem interessantes. Eu gosto do filme
em termos de construção atmósférica,
do clima do filme, gosto dessa parte de como foi trabalhada
a luz e a direção de arte em termos da
podridão, do asco, dessa questão do tempo
e do espaço, em que os personagens estão
presos, acho interessante. E não acho que, como
a maioria das pessoas fala, a fotografia fala mais que
o filme, não acho que ela salta aos olhos ao
ponto de se esquecer os demais elementos que estão
ali presentes o tempo todo.
RG: Nesse sentido o Walter Carvalho tem tomado
muita porrada não só da crítica.
Quer dizer, em geral pra crítica mainstream
basta que o nome dele apareça na direção
de fotografia pra falar que a fotografia do filme é
boa. Acho que dentro da comunidade cinematográfica
vem se falando cada vez mais mal da fotografia do Walter
Carvalho como uma fotografia de grife, que não
se deixa instalar na verdadeira estética dos
cineastas...
RM: Mas isso é uma questão dele
também, visto o movimento com o Walter Salles...
RG:... Acima de tudo, em O Veneno da Madrugada,
o que eu gostaria de ressaltar, é que o preciosismo
do Walter Carvalho e o trabalho de cores saturadas do
Walter Carvalho condiz inteiramente com o desejo estético
do Ruy Guerra. Assim como condizia com o Lavoura
Arcaica, da mesma forma que condizia com o Cláudio
Assis. É um trabalho em que existe uma mesma
sensibilidade entre diretores e diretor de fotografia.
EG: você vê o Estorvo, por
exemplo, no Estorvo também essa simbiose
de fotografia e o projeto autoral do Ruy Guerra é
totalmente unificado, com um fotógrafo totalmente
diferente do Walter Carvalho que é o Marcelo
Durst.
DC: A bem da verdade, o Ruy Guerra, se pegar
o Aronovich em Os Fuzis ele já faz isso.
LL: Mas a crítica ao Walter Carvalho,
que é uma crítica recorrente hoje em dia,
é um tanto preguiçosa se pensarmos que
dos filmes que mais encantaram a Contracampo no ano,
dois deles foram fotografados pelo Walter Carvalho,
que é o Crime Delicado e O Céu
de Suely.
RG: Bom, em O Céu de Suely existem
relatos do set que as pessoas corriam pro diretor de
arte pra ver se a luz podia ser refeita na pós-produção.
Bom, não vale a pena falar sobre isso. Não,
bom, mas isso é importante falar, que tem o dado
que o Karim Aïnouz é uma figura que faz
com que o Walter Carvalho trabalhe não no elemento
dele, que tenha que jogar em outras coisas e assimilar
um outro tipo de sensibilidade. Isso acontece também
no Crime Delicado. O Crime Delicado trabalha
em várias palhetas, preto e branco, cor... As
próprias soluções visuais e de
iluminação variam de acordo com cada seqüência
como cada seqüência parece ter uma unidade
estética separada do resto. Então, não
me incomoda de forma alguma.
LL: Essa grife do Walter Carvalho, que realmente
ele é um diretor de fotografia com um estilo
e isso...
RG: Mas eu diria que existe essa grife sim.
LL: ..Ele é um diretor de fotografia com
um estilo e além disso, e isso é um certo
problema pro cinema nacional, porque afinal de contas
ele dirige a fotografia de milhões de filmes
nacionais.
LCOJr: É, é muito filme sim. Mas
o Léo citou dois exemplos de grandes diretores
brasileiros contemporâneos que conseguiram, ao
lado do Walter Carvalho, com mais ou menos briga, com
mais ou menos negociação, conseguiram
extrair resultados, como o Ruy fala, instalados dentro
do projeto do filme, resultados estéticos participando
de uma proposta que pertence ao filme e não simplesmente
que o diretor de fotografia ia atrás e que não
vai mudar muito de acordo com o que o resto da equipe
tenha a oferecer ali pra somar a esse trabalho dele,
mas também tem exemplos... Sei lá, ele
fotografou A Máquina, que, se você
for ver bem não tá tão diferente
do padrão Diler de apreço visual. "Apreço"
muito entre aspas...
LL: Também, alguém que trabalhou
com o Walter Carvalho no sentido que o Walter Carvalho
fez qualquer coisa pro filme, que normalmente ele não
faz pros filmes.
RG: Eu ouvi dizer que ele ficou abismado quando
viu a cópia final do filme.
LCOJr: Eu só estou dizendo que se você
for buscar o trabalho dele num outro lado, longe dessa
linha de projetos autorais, carregados de conceito e
de uma sensibilidade tão forte do diretor, diretores
que têm uma formação cinematográfica,
têm um tipo de trabalho com cinema que vem se
provando de um filme pra outro, um trabalho muito mais
denso do que a grande parte da produção
brasileira, se for pegar um exemplo do outro lado, de
uma produção feita a toque de caixa, você
vai ver também um Walter Carvalho liberto da
necessidade de constituir uma grife e que no entanto
tá rendendo um outro trabalho que não
necessariamente é interessante.
LL: Muitas vezes não é inclusive
quando ele trabalha dentro da própria grife dele,
como, pelo menos para mim o próprio caso de O
Veneno da Madrugada, ao contrário do Estevão.
Eu acho que aquela iluminação do filme,
se acrescenta algo ao filme é porque tudo acrescenta
algo ao filme e ele cai em um excesso que no fim não
significa nada. O filme trabalha em todos os níveis...
EG: Eu concordo que o filme é um exagero,
como o Estorvo. É isso, o filme é
um exagero. Aquelas câmeras lá.
TM: Ele se dobra sobre si e não consegue
estabelecer nenhum diálogo.
LL: Mas ser um excesso, enfim, não é
necessariamente um problema, visto a parte da discussão
sobre A Concepção que muitas pessoas
consideram esse excesso parte proponente do filme e
parte importante.
TM: A questão é que o excesso pra
mim em O Veneno da Madrugada está fechado
dentro dele mesmo. É um excesso que não
provoca um diálogo.
RG: Ele tem muita cara de uma caixinha de música
ao contrário. Pouco importa ele não ter
aquela belezinha de quartinho de moça, ainda
assim ele vai se fechar sobre si mesmo. Bom, acho que
pra continuar a falar de um filme polêmico, a
gente poderia continuar com o Árido Movie.
Acho que todo mundo que gosta do filme tem reservas.
Eu gosto do filme. E acho que a maioria daqui, tanto
do grupo da Contracampo quanto do grupo que tá
aqui presente, não gosta do filme. Bom, eu não
escrevi sobre o filme...
LCOJr: Ou seja, você não está
na lista negra do diretor...
RG: Mas fiz questão que a Tati escrevesse
porque a percepção do filme que ela teve
foi muito próxima da que eu tive e eu acho que
era um filme que merecia uma segunda visão em
relação à crítica que tem
na Contracampo. Isso foi publicado. E acho que é
um filme que naturalmente não responde a pergunta
que faz, porque a pergunta é grande demais. Mas
ao mesmo tempo a pergunta é decisiva. É
hora de alguém dessa geração que
começou a fazer cinema na década de 90,
um cinema que tentou ser pop, tentou dialogar com sua
época, com seu lugar de proveniência, Nordeste,
Pernambuco, Recife. E viu que fez um certo bafafá,
um bafafá que foi sendo apaziguado aos poucos
e em seu segundo longa-metragem se pergunta "o que é
a imagem do Nordeste? O que é essa visão?",
e o que é a imagem do Nordeste significa "o que
é meu Pai?". Não é à toa
que existe o pai e o pai morre e ele volta pra buscar
o pai. O que é o pai audiovisual dele? E o filme
acaba tratando esse amálgama esquisito, que é
a imagem do Nordeste vista pelo audiovisual brasileiro.
Um amálgama que mistura Glauber Rocha e novela
da Globo. Aquele sotaque nordestino genérico,
que não existe em lugar nenhum do Nordeste e
todos os sonhos revolucionários do Cinema Novo.
DC: E o grupinho do Selton Mello fazendo piada,
servindo de comic relief.
RG: É tudo, porque no filme essa busca
é tudo. Naturalmente o filme trabalha de alguma
forma com o escapismo, o grupo do Selton Melo, que não
sabe nada do que quer. Mas o próprio protagonista,
tão inexistente e tão inexpressivo quanto
o Ricelli em Brasília 18%. Como personagem
e como ator.
DC: Ele tá completamente perdido no filme
e isso é um fato interessante. Um dos fatos mais
interessantes do filme é ele tá sempre
meio querendo se localizar. Eu só acho que você
tá deixando escapar a questão que o filme
sempre coloca que é uma questão muito
forte pra essa geração e já é
uma questão que pro Nordeste já é
discutido há bastante tempo, que é o velho
conflito entre o arcaísmo daquela sociedade e
a modernidade dos jovens que querem estar antenados
e não conseguem lidar bem com isso.
EG: E o filme não faz referência
a nada novo, toda vez ele repete a mesma tecla do arcaísmo,
a tradição, tem que matar o pai, que tem
que vingar...
RG: O filme não dá resposta, no
limite ele não quer nem dar a resposta. E eu
acho que essa questão de tradição
e de moderno é mais um efeito do que de fato
uma coisa que tá na base do interesse principal
do filme, acho que em segundo lugar o filme é
sobre isso, mas é acima de tudo "eu tenho essa
tradição passada, como eu vou compreendê-la,
ter aceso a ela pra tentar entender quem eu sou". Na
verdade é um filme existencialista, com todos
os problemas que o existencialismo evoca e, naturalmente
acho que em alguma medida ele é caduco tanto
quanto o existencialismo é caduco hoje.
EG: Mas eu acho que um dos próprios conflitos
do personagem é ele fazer ou não fazer
o que a família dele manda ou fugir do que aquele
ambiente quer que ele faça, então acho
que essa questão arcaico/moderno é central
no filme.
RG: Na verdade a família manda ele fazer,
mas a gente sabe que o tempo inteiro que não
faz parte da vida dele fazer aquilo.
DC: Esse que é o problema, acho que pra
ele o arcaísmo é fonte de piada, na verdade
ele não leva a sério. Aquela coisa de
morte, parece na verdade uma brincadeira... Ele não
consegue sair daquilo. Então acho que o problema
é esse. Eu sinto no filme um desejo de que o
mundo fosse todo moderno que o final configura, quer
dizer, ele começa de um jeito, parece que o mundo
arcaico é o inferno. Então isso, até
sobre esse aspecto, até aquela idéia do
psicanalismo da coisa é um troço barra
pesada. E, realmente, parece que ele tá tentando
fugir daquele mundo arcaico.
RG: Discordo, e nesse sentido ainda tem a personagem
lá do Zé Dumont, sujeito meio Carlos Castañeda,
que é um sujeito do mundo arcaico, mas de um
mundo imemorial, um mundo mágico, uma relação
do homem com a terra, a coisa de índio...
DC: O Zé Celso também, mas pra
mim isso é chá de (?)
RG: O Zé Celso é meio charlatão.
O filme considera ele como meio charlatão, mas
o Zé Dumont não é encarado, do
ponto de vista do filme... A gente pode achar ou pode
não achar, mas ele não é encarado
assim. Então ainda é o mundo imemorial
ao qual ter acesso implica ter um determinado tipo de
conhecimento. Agora, acho que acima de tudo é
um filme que tenta fazer uma pergunta que acho que tá
na chave da relação do cinema brasileiro
hoje, que é um cinema patricida, em alguma medida.
A retomada tem um pouco essa ideologia de ser o recomeço,
de escrever novamente do zero a história do cinema
brasileiro, não do ponto de vista dos diretores,
especificamente, mas, eu diria, de uma ideologia geral
que conforma, uma ideologia que constrói, por
exemplo, o Canal Brasil...
DC: Ideologia do "bem feito"...
RG: E, acima de tudo, um certo pensamento que
paira no ar e faz com que as pessoas mais novas achem
que não existe cinema brasileiro antes do Central
do Brasil.
TM: Sim, mas, por outro lado, acho que, se tem
isso, por outro lado tem a grande sombra do Cinema Novo
que continua pairando.
LL: O pai do filme pra mim, não o pai,
pai personagem, mas essa busca de pai no filme, de um
Nordeste, evoca muito a figura de um Cinema Novo...
RG: E é claro que o Zé Celso é
um pouco o Sebastião de Deus e o Diabo na
Terra do Sol, é claro que em alguma medida
o Zé Dumont pode evocar o Manuel talvez, pode
evocar um Antônio das Mortes, que, em vez da metralha
tem a terra, mas, em alguma medida. De alguma forma
a idéia de que o Árido Movie é
um desses filmes que tenta fugir de uma situação
e tenta falar "Olha, calma aí, gente, o que eu
estou vivendo?". Pelo menos ele tenta se articular e
isso eu acho um mérito inequívoco do filme.
LL: Até o Árido Movie, no
que seria um cinema contemporâneo, se representa
muito mais na figura do Selton Mello e dos amigos, que
são os grandes idiotas. Então o filme
parece meio perdido em como fazer algo novo depois do
Cinema Novo, sem que seja um Selton Mello, os idiotas.
TM: O filme tá nesse nível do simbólico,
do conceitual. Por isso que, você, Estevão,
tá falando muito da questão do personagem.
Eu acho que esse personagem é sim um protagonista,
mas disfarçado, porque não é exatamente
ele que conduz o filme. Ele é o protagonista
na arquitetura dramática do filme, mas o filme
se divide entre diversos núcleos, então
nesse sentido ele não leva o filme adiante...
DC: Tem só dois núcleos de verdade!
EG: É, o núcleo da palhaçada...
O antigo e o novo...
LCOJr: O que ela tá dizendo é que
o protagonista é na verdade um personagem-conceito,
ele não é pra funcionar tanto como personagem,
unir dramaticamente tudo, mas ele vai funcionar como
o comentário crítico inserido dentro do
filme, vai conduzir esse comentário crítico.
Assim como o Baile Perfumado, o Árido
Movie é um filme sobre a imagem do Nordeste
e não sobre o Nordeste. E como essa imagem vai
refletir sobre o processo louco, esquizofrênico
que vai fazer essa imagem ou uma parte ultra estilizada
dessa imagem parar num subterrâneo paulistano,
numa galeria de arte ultra alternativa. Pelo menos tem
uma coisa no filme, que vejo, que não vi mais
ninguém comentar isso, mas pra mim é muito
forte. No mínimo um ou outro personagem, mas
no caso do Zé Dumont isso fica muito forte, pra
mim ele é um personagem de irmãos Coen
no que eu não gosto deles. Que é aquele
personagem que recebe uma camada extra de código,
de estilização, pra poder ser visto de
uma torre de marfim e pra poder ficar ali meio que colocado
como...
RG: O Zé Dumont pra mim é o que
tem menos isso...
LCOJr: O Zé Dumont tem muito isso. O filme
como um todo tem um lado Coen que não me agrada
nem um pouco.
RG: Acho que a turma do Selton Mello seria de
personagens irmãos Coen, jamais o Zé Dumont.
DC: É, Barton Fink, parece aquelas
figuras bizarras dos personagens dos Cohen.
LCOJr: Até os desvios narrativos do filme
me lembram um pouco as subtramas dos Coen, quando o
filme precisa tropeçar nesses pontos bizarros
e isso fica meio que gratuito mesmo no filme.
RG: Bom, pela minha lista acho que só
falta a gente falar dos quatro top topas.
LL: Po, tem Zuzu Angel...
EG: Filmes de ditadura!
RG: Achados e Perdidos é um filme
que me surpreende positivamente. Um tipo de filme que
eu não esperava do José Joffily, filme
que não é exatamente ambicioso, ao contrário,
ele deseja muito pouco, um exercício de estilo
dentro de um gênero, mas consegue atingir uma
agilidade que eu, tendo visto os filmes anteriores,
jamais esperava dele. Acho esse filme digno ao passo
que os outros não me eram minimamente interessantes.
LL: É um filme que eu vi, na verdade não
gostei, não tenho nada contra, mas é um
filme que poderia existir bastante no Brasil.
LCOJr: Sem querer ser reducionista, mas é
um filme que tem atmosfera e personagem. Isso a gente,
infelizmente, não tá acostumado. Isso
leva o filme a ganhar um plus, um relevo dentro da cinematografia
brasileira. Acho que basicamente o filme me pega por
isso.
EG: Dento da filmografia dele não é
um filme isolado, tem diálogo com outros filmes
dele, como por exemplo A Maldição do
Sanpaku... Ele trabalha bem gênero. Mas o
Achados e Perdidos é bem melhor acabado
estilisticamente, tecnicamente do que o A Maldição
do Sanpaku.
LCOJr: Ele tinha acabado de sair de um filme
totalmente destituído de espaço, destituído
de ambiência, com cenas feitas em estúdios
e externas que pareciam também cenas de estúdio,
que era o filme Dois Perdidos Numa Noite Suja.
E, engraçado, saiu de uma dramaturgia que era
uma tentativa de ir pra um submundo, do Plínio
Marcos, e ele conseguiu um mergulho no submundo, numa
certa sujeira e no universo de personagens fracassados,
losers de cafofo... Acho que ele conseguiu isso
de uma forma muito mais bem sucedida e muito mais desprendida,
é um filme bem mais leve, né...
RG: Existe um certo vigor, uma vontade, né.
Um certo punch. Ao mesmo tempo eu me incomodo
profundamente com os flashbacks do filme, de
ficar fazendo sanfona temporal, o que parece ser uma
recorrência, parece que os roteiristas do cinema
brasileiro adoram ficar brincando cronologicamente,
como se para fazer um portfólio.
LCOJr: Que é hiper démodé,
uma coisa dos anos 90, saturada...
EG: Mas o uso nesse filme tá na decorrência
do próprio gênero, né. Da maneira
como ele pega as informações e vai juntando,
pro mistério...
RG: Mas me parece um pouco desgastado. É
desgastado, mas me parece que o filme sobrevive a isso.
DC: Ruy, você falou dos quatro que entraram
nas nossas listas, mas acho que a gente tem que falar
do Estamira.
LL: Tem outra coisa que é interessante
falar, aí é sobre safra, não sobre
os filmes, que tem muito filme saindo do teatro esse
ano, inclusive o Acredite, um Espírito Baixou
em Mim.
RG: É, o que é curioso, que foi
um filme saído de uma peça teatral que
foi um fenômeno em Minas. Um filme que conseguiu
um número extremamente significativo, foi o vigésimo
filme mais visto, com duas cópias e sem ter sido
exibido em Rio-SP, foi exibido em Belo Horizonte e redondezas.
LL: Mas o vigésimo quinto lugar, Vinho
de Rosas, teve uma cópia e 20.000 espectadores
e ninguém comenta...
DC: Eu vi Vinho de Rosas. Ele, na verdade,
eu esperava que ele fosse muito mais fraco do que é,
porque ele tem aquela coisa, é um filme de época,
aquela coisa de querer voltar a falar, assim, a fazer
um filme sofisticado... A história é sobre
a filha do Tiradentes. Ele passou no Festival do Rio.
E em cartaz acho que só em Minas Gerais e SP,
é um filme mineiro. Ele tem umas coisas, que
ele arrisca, tem uma certa beleza, simplicidade, que
é interessante. Também não acho
que seja um filme deslumbrante nem nada não,
mas me surpreendeu positivamente. Porque, sendo do ano
de Zuzu Angel, do País de Olga,
a gente quando vê um filme desses, que vai falar
de uma figura histórica, pensa: vai ser um elefante
branco.
RG: Outro filme que também não
estreou no Rio de Janeiro, um filme também visto
por vinte e poucos mil pagantes, e um filme de época,
é o Cafundó. Eu já escrevi
a crítica sobre ele, não quero me repetir,
mas de certa forma o filme é exatamente o contrário
daquilo que o Daniel falou. É um filme que tem
uma ambição de reconstituição
que em momento nenhum aparece na tela, é um filme
destituído de espaço, é daqueles
filmes que fazem com que Julio Bressane fique certo
quando fala que filme de época é aquele
filme que joga palha e cocô de cavalo na rua pra
sujar, porque basicamente a gente vê que o filme
não se presta ao menor tipo de tratamento ou
de complexidade.
EG: É, mas eu acho que o ponto negativo
desse filme é mais do que isso, do que essas
falhas em cima do gênero de cinema épico
ou de cinema histórico. É a própria
narrativa da construção do personagem
principal...
RG: ...que não existe. Ela é elíptica,
mas parece que não é elíptica pelo
estilo. Ela é elíptica porque parece que
o orçamento acabou antes de filmar todas as cenas.
EG: É um defeito da estrutura desse filme.
RG: É, exatamente. E são elipses
péssimas, você se perde como espectador
espacialmente e temporalmente no filme, e você
tem certeza que não está diante do David
Lynch.
DC: Figura recorrente hoje no debate...
RG: O filme, basicamente, não se constrói
como um discurso coerente, pela falta de material filmado,
provavelmente.
EG: Até a relação que ele
queria fazer com a personagem e com o momento atual
no presente, mostrando cenas de documentário
no final, eu acho que é o maior erro dele, no
filme inteiro.
LCOJr: De Cafundó a gente pode
ir pro Cafuné.
DC: Tanto Cafuné quanto Incuráveis
e quanto A Festa de Margarette eu acho que são
casos interessantes a discutir. São filmes interessantes
por serem filmes de estreantes e de certa forma filmes
arriscados. No caso do Cafuné, especificamente,
eu sinto que ele tenta criar um diálogo com as
questões da atualidade, colocando aqui essa expressão
já tradicional, mas eu vejo nesse três
uma certa vontade de fazer um cinema novo, um cinema
diferente, um cinema próprio. Por caminhos bastante
diversos, mas enfim...eles pagam o preço desse
risco, a gente percebe que não é fácil,
mas são filmes com muito desejo de cinema. Acho
que os três têm essa atualidade.
RG: Não sei...acho que tanto o Bruno Vianna
quanto o Gustavo Acioly são cineastas que se
espera há muito tempo que apareça um longa-metragem,
e os dois filmes no começo me cativam mas me
fazem perder o interesse com alguma rapidez. E aí
em um determinado sentido eu concordo contigo que eles
tomam certos riscos, o Cafuné pela filmagem
digital, por uma filmagem colada ao cotidiano, à
realidade de determinados personagens. O filme chega
a um trabalho com o prosaico que acaba parecendo amador,
não estou dizendo que ele seja amador...
DC: Acho que essa é a intenção
mesmo, né?
RG: Se ele é amador, ele é por
outros motivos, e não por esse, mas eu concordo
que existe um risco. E no Incuráveis também,
pela característica huis clos, pela saturação
visual, pela idéia de um sem saída, mas,
ao contrário, ele me parece um filme que, pra
quem viu os filmes anteriores do Gustavo, parece um
filme que tenta tomar uma série de precauções
para ficar seguro em determinado sentido. Eu acho que
é um filme que peca pela necessidade de ser artístico
demais.
DC: Esse é um filme um tanto quanto aquário.
Ele isola os personagens de uma maneira bastante evidente.
RG: E na prosódia dos atores, na forma
bastante estilizada com que tudo se constrói,
o filme perde a respiração com alguma
rapidez. E o Cafuné...
DC: no Cafuné isso não acontece,
o filme pode até errar, mas por outros motivos.
RG: Eu acho que não, eu acho que da mesma
forma que o Gustavo é mordido pela necessidade
do artístico, o Cafuné é
mordido pelo bichinho da relevância social. Então
não basta você ter um personagem do asfalto
e um personagem do morro. Se algo não der muito
errado, o filme não é importante. Quando
o filme decide ser assim, é ladeira abaixo. O
filme perde todo o respeito que tinha adquirido.
EG: Nesse ponto o filme parece muito com os filmes
do Bianchi, nos comentários sociais...
DC: Não, não, eu concordo com o
que o Ruy falou, mas daí a comparar com o Bianchi
eu não concordo não...
LCOJr: É o oposto da estética do
Bianchi.
DC: Cara, ele se aproxima dos personagens, tem
o maior interesse.
EG: Cara, o comentário da mãe pra
filha no trânsito é totalmente Bianchi.
LCOJr: Eu discordo completamente.
RG: Aquele comentário é pra brincar.
O dos violinistas, que iam começar a criar cotas
para desafinados é uma brincadeira.
EG: Aquele personagem da mãe da garota
é totalmente Bianchi.
DC: É verdade que alguns personagens têm
uma agressividade que foge de qualquer naturalismo.
O filme é naturalista em boa parte e tem alguns
personagens que fogem disso. O próprio cara que
dá uma cacetada, ele faz isso de uma forma que
faz muito mal ao filme. Mas daí a Bianchi...
LCOJr: O grande conflito do filme é um
conflito acidental, na verdade, não é
um conflito programado. O conflito programado é
o quê? Um conflito de classe que flerta com uma
estrutura até romântica e que em algum
momento vai atingir este ponto de culminância
que é o ponto em que tudo explode pela violência,
uma violência diretamente ligada à violência
de classe, decorrente do conflito de classe. Mas na
verdade o conflito que emerge acidentalmente no filme
e que atravanca o filme completamente pra mim é
entre uma determinada afetividade que o cara tem, uma
aproximação que ele tem com aqueles personagens,
aquele universo, com aqueles dois universos que tão
ali se chocando, e uma necessidade muito grande, uma
mão pesada no que diz respeito a tentar dar uma
radiografia de classe média da Zona Sul, tentar
dar uma radiografia de um certo estado de coisas no
Rio de Janeiro hoje.
DC: Essa idéia de radiografia...eu acho
que ele não entra tanto nessa, mas no que ele
entra ele se sai mal.
LCOJr: É, que é um passo muito
maior do que as pernas do filme. Ele fica até
nesse lusco fusco de filmar as coisas com um grau de
proximidade, um grau de verdade até que eu vejo
no filme, e essa ambição sociológica,
na falta de um termo melhor pro filme, é um fator
muito prejudicial.
LL: Na verdade, eu tenho a impressão de
que os filmes que a gente discutiu agora acabam recaindo
numa certa ambição, seja ela estética,
seja ela sociológica, seja ela...
DC: Mas isso é bom, né!
LL: É, mas acaba que os passos são
sempre maiores que as pernas...
LCOJr: É, no caso dos filmes estreantes,
um fez uma coisa que em termos tanto de dramaturgia
quanto de construção visual acabou pesando,
acabou aquilo tomando o lugar do filme em si, acabou
sufocando um pouco o filme, no caso do Acioly. No outro
caso, não é exatamente uma questão
de construção de imagem, nem de pesar
nos procedimentos de encenação, da mise
en scène mesmo, mas é uma tentativa de
dar conta de uma coisa que talvez não coubesse
naquele filme, o que é o caso do Cafuné.
E Festa de Margarette eu não sei se há
esse tipo de vontade de cinema que é tão
grande que às vezes acaba desequilibrando o filme.
RG: Festa de Margarette parece um filme
do Guy Maddin. Ele trabalha uma estética de cinema
mudo, ele é muito instigante por algum tempo,
e naturalmente ele cai vitima do próprio modelo
que ele instituiu, que é já um modelo
fechado, da pura referência a esse cinema antigo,
uma coisa muito comum em curtas-metragens da década
de 80 ou em curtas-metragens mais recentes, como De
Janela Para o Cinema, filmes só feitos em
modo homenageativo a alguma coisa. Festa de Margarette
é um pouco melhor do que isso, mas não
sai muito dessa questão. Ele é um filme
com um projeto interessante, etc., mas não me
parece que vai muito além. É um filme
muito simpático, mas que você nunca vai
ver duas vezes, ou três.
DC: Mas acho que em nenhum desses a gente pode
jogar a acusação de que são acomodados.
RM: O Cafuné teve toda uma estratégia
de lançamento diferente e tal...
LCOJr: Foi uma coisa que chamou bastante atenção.
Eu cansei de ver ônibus, eu lá dirigindo
e o ônibus com o cartaz do filme.
RG: Mas a grande diferença foi a questão
da Internet...
EG: E dos finais também. Cada cópia
tinha um final diferente, parece.
DC: A história é a seguinte. Ele
fez uma versão, que é uma versão
mais longa, e aí o grupo exibidor, o Grupo Estação,
disse que tinha que mudar o final pra conseguir distribuir
o filme. Mas como tinha uma coisa que ele tinha de distribuir
uma cópia em película, porque é
BO, a cópia em película é a versão
dele, do diretor, a maior. Pra satisfazer o grupo exibidor,
ele fez uma versão em digital, diferente. Aí
ele aproveitou e, em vez de segurar pra daqui a dez
anos lançar em dvd a versão original do
diretor, lançou logo as duas de uma vez.
LL: Mas peraí, não eram três
versões?
RM: E quando você ia pro cinema você
via sempre o mesmo filme?
DC: Você tinha que escolher em qual cinema
você ia, porque em determinado cinema tava passando
uma versão...
LL: Porque é uma cópia digital,
né?
DC: A película era a versão longa
e as digitais eram curtas. Uma sala tinha película
e o resto digital.
RG: Eu acho que o que me parece mais diferencial
é o fato de que no momento do lançamento
também disponibilizaram as duas versões
do filme na internet a serem baixados por programas
P2P, como Emule...
DC: Tem mais um detalhe. As duas versões
você baixava parte pra poder remontar.
RG: Uma delas. A maior, de noventa e poucos minutos.
LL: É parecido com o dvd do Nelson
Freire.
EG: O Edifício Master já
tem isso...
RM: O que eu acho interessante do Cafuné
é que talvez um dos maiores problemas do cinema
brasileiro é a distribuição, e
o cara tentou uma alternativa bastante diferente, e
bem ou mal ele tinha um filme de baixo orçamento
que conseguiu passar nos cinemas...
DC: Eticamente é um negócio admirável.
O cara simplesmente partiu do pressuposto de que se
ele fez um filme com o dinheiro do Baixo Orçamento
é importante que o filme seja visto e pôs
na internet logo.
LCOJr: Resta saber até que ponto é
uma alternativa, se de fato é uma tangente na
exibição ou se isso é uma questão
pra se criar um happening em torno do filme e
chamar as pessoas pro lugar por excelência, no
caso as salas de cinema.
LL: Ou os dois, né?
RM: Enfim, é uma iniciativa. Eu acho válida...
DC: É, mostra que o cara não tá
acomodado, isso que é muito importante. A acomodação
é que é o grande problema, né?
Você vê que o cara não fez o filme
pros amigos e foda-se...isso é muito legal.
RG: Ainda na questão dos filmes ambiciosos...um
que tem muita ambição mas que, na verdade,
na tradução disso pra tela me parece que
faltou alguma coisa é o filme do Rudi Lagemann,
também estreante em longa-metragem, que é
o Anjos do Sol.
DC: Vários defeitos do Anjos do Sol
ou vejo também no Canta Maria.
RG: Bom, o Canta Maria eu não vi,
mas o Francisco Ramalho tá longe de ser um estreante.
O Anjos do Sol acima de tudo me parece um exercício
bastante vão de misturar ao mesmo tempo uma fabula
e uma tentativa onisciente toda manipulatória
dos sentimentos do espectador, a ponto de colocar coisas
primárias, como fuga das personagens até
uma casa de um sujeito que parece bonzinho mas que no
fundo é um lacaio do grande patrão, o
grande malvadinho. Ou então um passeio de jipe
com uma menina sendo arrastada pela areia até
bater a cabeça na pedra e morrer. Me parece que
isso destoa inteiramente do princípio que parece
reger o filme de longe, mas que de perto a gente vê
que não funciona, que é a idéia
de uma visão emancipatória a respeito
da prostituição infantil, um olhar abrangente
a respeito de um evento social. Acho que esse é
um dos usos mais espúrios do audiovisual, essa
idéia de afrouxar o escopo, levar o seu espectador
didaticamente pela mão e passar-lhe conteúdos...
DC: Querendo sintetizar todo um universo, né?
A coisa de mostrar a trajetória da prostituição
do país...
EG: Você vê que é até
uma característica do filme, né? Didático,
explicativo, pra mostrar que ele se baseia em toda uma
pesquisa, uma tese...
RG: Na seqüência de créditos
tem uma bibliografia! (risos) É sério!
Na seqüência de créditos existe uma
bibliografia. É um filme-tese. Ele partiu de
uma tese DE FATO.
DC: Mas ele tentou fazer um filme tipo Cidade
de Deus. Um filme-denúncia e um filme que
se insere no mercado. Só que isso ficou com uma
mão pesada....
LL: É um filme cuja ligação
com o espectador é sempre a partir dos sentimentos,
não de uma certa idéia.
RG: Mas aí tem duas coisas. Os sentimentos
são espúrios, a criação
dos sentimentos é primária, e a maneira
como eles são criados, ou seja, os elementos
técnicos são utilizados de uma forma precária.
É um filme mal decupado, mal iluminado...existem
uma série de defeitos que fazem com que o filme
pareça como, tanto dramaturgicamente quanto tecnicamente,
algo amador.
EG: Mas o defeito dramatúrgico que eu
acho no filme mais sério é o da mistura
de atores...atores não-profissionais, como as
menininhas lá, as três são profissionais,
as outras foram recrutadas, e a presença do Calloni,
que sobressai, né? Porque é um ator completamente
carismático, fisicamente, e ele é muito
destoante, acho, a presença dele e a presença
das outras atrizes.
LL: Ao mesmo tempo que é uma estrutura
que é usada em boa parte desse tipo de filme,
e que muitas vezes funciona...
RG: Eu confesso que um filme que não tá
aqui na nossa discussão, que é um filme
que estreou em 2007, que é o Passageiro...devo
confessar que o Calloni morre logo no início
do filme e que eu fiquei muito triste, porque era o
único ator que me interessava ficar vendo no
filme.
EG: Mas no caso do Anjos do Sol esse é
o problema, porque realmente ele é o cara que
mais interessava, e ao mesmo tempo desvirtuou a atenção
das meninas pra ele. O foco saiu do principal pra ele,
né?
DC: Virou um filme de vilão.
RM: Mas o Anjos do Sol tem uma coisa engraçada
que é de um diretor que vem da publicidade, que
sempre trabalhou com publicidade, e o filme parece que
não repete tanto esses tiques publicitários...
RG: Não, ele tem outros tiques.
RM: É por isso que eu falo que ele é
curioso. Ele tem vontade de ser cinema. Ele não
vai trazer aquela coisa...
DC: Eu vejo essa vontade de ser cinema nos filmes
que tiveram mais mão-pesada nesse ano. Sinceramente,
eu vejo esse tipo também, de querer ser cinema,
no Canta Maria. O Canta Maria, por exemplo,
tem o Lampião de personagem, e enfim, são
figuras que ficam à margem daquele mundo de cangaço,
e é pra mostrar os desvalidos, aquelas figuras
que sofrem os sentimentos nessas situações
de violência. Mas tem uma mão-pesada nesse
filme que atrapalha ele, e que não tinha no filme
anterior do Francisco Ramalho. Eu vejo essa mão-pesada
no filme do Rudi Lagemann também aí. Ao
mesmo tempo em que ele faz um filme-tese, ele quer fazer
um filme de denúncia social e ao mesmo tempo
de impacto cinematográfico. É a intenção
dele. Só que com aquela mão-pesada isso
não acontece. Eu vejo isso também no Sal
de Prata. Quer ser um filme de cinema e falha porque
é extremamente pesado, porque é um filme,
enfim, que às vezes na relação
com seu drama chega a ser tosco, chega a ser constrangedor.
E no próprio Zuzu Angel, que por mais
que o Sergio Rezende seja um diretor preguiçoso,
ele sempre quer fazer um "Grande Cinema". E acho que
isso faz muito mal ao cinema dele. Fora o Tapete
Vermelho, que esse daí, realmente...
LL: Mas o Rudi Lagemann tem essa coisa, que ele
quer fazer um filme de tese, ele quer fazer um filme
humano, ele quer fazer, além disso, e na verdade
essa confusão toda pra mim é até
um pouco benéfica, faz o filme ficar um pouco
esquizofrênico, mas além disso ele quer
fazer uma certa homenagem aos grandes diretores do cinema,
um certo filme de gênero, e tudo isso se mistura
e você não entende bem quando é
pra ser uma coisa, quando é pra ser outra...
EG: Eu acho que tem uma ponte com o Cinema Novo
na estratégia dele, em alguns casos. Tem ponte
com o Iracema também...
LL: Mais do que isso...em uma cena, por exemplo,
tem uma galera andando com um música de western.
Aquilo não tinha nada absolutamente nada a ver
com o que havia sendo feito até aquele momento!
RG: Aliás, a música é um
destaque negativo do filme, porque a música imprime
um tom tatibitate.
LL: Por exemplo, quando você bota um filme
com atores-mirins que não são atores de
verdade e atores de verdade, normalmente você
faz esses atores de verdade terem menos jeito de ator,
para fazer as coisas parecerem. O Antônio Calloni
no filme tá dando um espetáculo, ele ta
fazendo um overacting total. E impressiona, ele
tá bem com o overacting lá, só
que aquilo não tem a ver com o que seria a proposta
do filme, então o filme tenta isso de fazer tudo
ao mesmo tempo agora.
EG: E ele não consegue nada. Ele não
consegue, retomando a comparação que o
Daniel fez com Cidade de Deus, nem ser um filme de espetáculo
nem um filme de gênero, ser um filme que te atrai,
nesse sentido...
DC: Que é o que ele queria, né?
EG: Porque a tese é tão forte,
tão pesada, tão sufocante, que tira toda
a idéia de ser um filme de fácil comunicação.
RM: Mas isso que foi falado não condiz
nem um pouco com o tanto que o filme foi visto, com
o tanto que teve de premiação – visto
que ganhou Gramado , com a repercussão dele
de público e de crítica. O Estevão
falou que foi um filme que não acrescenta nada,
e ele foi um filme que foi muito falado na crítica...
DC: Ele repercutiu, ele repercutiu...
RM: Foi chamado de "filme impactante, humanista,
que vai retomar questões importantes...".
EG: Mas o filme se vendeu assim! Toda entrevista
que o cara deu lá ele falou isso: "não,
porque o meu filme é ancorado numa tese e tal,
eu to querendo passar mensagem...".
RM: Eu estou falando que foi um filme visto,
falado, comentado, e tachado como importante!
LCOJr: Foi um filme que aconteceu em 2006!
RG: Mas ele aconteceu como fenômeno de
mídia. Você não pode dizer que um
filme com quarenta e quatro cópias e oitenta
mil pagantes foi um filme que foi visto.
RM: Ele foi distribuído pela Globo Filmes!
DC: Pô, Globo Filmes e Columbia.
LL: Eu achei, quando vi o filme, que ele teria
um impacto de crítica muito maior do que teve.
Porque nos próprios meios tipo o Globo se repercutiu
uma certa crítica negativa de mostrar exatamente
que existia um certo sensacionalismo naquelas imagens
que eu não esperava que viesse.
RM: O Globo falou mal do filme?
LL: Ué, uma das críticas do Globo
foi negativa.
DC: Ué, pessoal, isso é público,
é sabido que a Globo sempre protegeu os seus
produtos. Agora, hoje a gente abriu o jornal e no anúncio
de um filme que vai ser lançado ainda, A Grande
Família, o redator nos avisa que é
o candidato a primeiro blockbuster do ano! Notório
isso, não é nem mais um segredo. É
um segredo da carochinha, todo mundo tá percebendo
que tem algo acontecendo...
LL: O filme do Cacá, por exemplo, no próprio
O Globo teve uma espécie de unanimidade bem maior
do que o Anjos do Sol.
DC: Não é verdade, o filme do Cacá
no Globo ninguém defendeu, tanto que eles chamaram
o próprio Cacá para defender porque senão
ninguém fazia isso.
LL (rindo): É verdade...
RM: Mas enfim, eles tiveram de criar uma outra
estratégia para defender o filme...
LCOJr: O fato é que criaram uma estratégia...
LL: Isso é fantástico, essa nova
profissão "diretor que escreve crítica
do próprio filme"...
Parte 1: Estrutura,
documentários
Parte 2: Globofilmes,
cinema e televisão, Brasília 18%
e
O Maior Amor do Mundo, A Concepção.
Parte 4: O teatro e
o parasitismo,
novamente documentários.
Parte 5: Os
quatro filmes preferidos.
|