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Reza a lenda que no
Brasil o ano só começa de verdade depois do
fim do carnaval. Não é tanto verdade aqui em
Contracampo, mas as coincidências fizeram com que algumas
pendências de 2006 viessem desaguar nesse preciso instante,
como aliás é de costume por aqui: tanto melhores
do ano quanto as tradicionais discussões sobre o cinema
brasileiro exibido no ano anterior não costumam aparecer
por aqui no calor da hora, mas calmamente, esperando seu tempo
próprio. Entre melhores de público e os preferidos
da redação, percebe-se algumas sintonias e algumas
diferenças, menções de filmes que estão
longe de ser unanimidade no seio da redação
(caso principalmente de Caché e Ponto Final,
que aliás foram filmes defendidos nas críticas),
mas no geral percebe-se uma afinidade até com obras
mais exigentes (caso de Amantes Constantes) que, para
nós, só mostra que fazer confiança na
sensibilidade e no discernimento de nossos leitores, mesmo
em se tratando de obras consideradas áridas ou de difícil
acesso (caso de Straub, Pedro Costa, Chang Cheh, Imamura nos
últimos anos), acaba compensando a longo, ou mesmo
a curto prazo. Tanto mais alegre é saber que se pode
continuar pensando cinema sem a necessidade de atrelar a agenda
à ditadura dos lançamentos mercadológicos,
dos "acontecimentos" e das polêmicas requentadas
de praxe que povoam boa parte da cobertura dos veículos
mais tradicionais.
Mas, claro, quando aparece uma boa oportunidade para aproveitar
uma situação existente e falar daquilo que nos
interessa, juntamos a fome com a vontade de comer. Aos poucos,
a obra de realizadores decisivos do cinema brasileiro vai
ganhando lançamentos dignos em DVD, com cópia
restaurada, exibição em salas de cinema para
criar um bom ambiente de divulgação (e, claro,
exibir os filmes da forma que foram concebidos, em película,
grande, numa sala de cinema) e boa pesquisa anexa. O processo
está acontecendo paulatinamente com os filmes de Glauber
Rocha, os filmes de Leon Hirszman estão em processo
de restauração e já tivemos uma prova
do que vem por aí com os filmes restaurados de Joaquim
Pedro de Andrade, exibidos na Mostra de São Paulo em
outubro passado e num futuro próximo presentes nas
lojas e locadoras. Oportunidade, então, para falar
de um realizador canônico, diretor de algumas obras
tornadas referência do cinema brasileiro Macunaíma,
sobretudo , sobre o qual pairam alguns estigmas um tanto
imobilizantes para o pensamento, mas autor de uma obra tão
variada quanto estimulante pela coerência dentro da
diversidade de propostas a cada filme, e vigorosa pelo intenso
cuidado e entrega apaixonada ao cinema que caracterizava cada
filme seu.
Compromisso completado com um ano, resta a entrega definitiva
a esse novo: o circuito já nos brindou com dois Eastwood,
em breve veremos Abel Ferrara voltar às salas brasileiras
depois de dez anos de criminoso esquecimento pelas distribuidoras,
e assim a marca de mais um ano vai aos poucos se construindo
em nossos caminhos e sensibilidades. Boa jornada a nós
todos.
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