CINEMA FALADO, PARTE 1
Estrutura, documentários

Daniel Caetano: Antes de mais nada, a gente tem de falar do assunto que foi comentado ao longo do ano na grande imprensa e na própria Contracampo, que é o fato de terem sido atirados no mercado 64 filmes (tomando como referência os filmes estreados no Rio de Janeiro), e tirando os 11 mais vistos, todos tiveram um público muito aquém do que se esperava, ou do que seria possível, com a exceção de um documentário ou outro, como o Estamira.

Ruy Gardnier: Você fala de 11 que deram certo, sendo que desses 11 uma grande parte são fracassos relativos, pois se você pegar o número de cópias, o número de semanas, bilheteria, público, são fracassos também.

Leonardo Levis: Só teve um filme que passou realmente de um milhão, O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili.

DC: Esse ano acaba sendo o oposto do que aconteceu em 2003, quando a gente dizia que houve um caso de conciliação entre o público e a produção de cinema.

RG: Mas de certa forma se você pegar os números reais a situação é ilusória porque mesmo que 2003 conte como um ano especial, do ponto de vista da ocupação do filme brasileiro na sala de cinema, esse é um número excepcional, sob qualquer aspecto, mas ainda assim a partilha de público dentro dos filmes, para cada filme, é extremamente desigual, ela cria clivagens enormes entre dois ou três filmes que fazem sucesso e uma gama de filmes que não fazem sucesso algum. O que eu acho que tem de diferencial nesse ano é o fato de que você tem uma inflação de títulos, 64 em 52 semanas, ou seja, estreou tranqüilamente vários filmes em uma mesma semana, em mais de uma ocasião, e teve momento inclusive em que três documentários foram lançados na mesma data.

Estevão Garcia: A maior parte desses filmes que incharam o mercado no primeiro semestre é formada por documentários.

RG: O que me parece que esse ano tem de especial como sintoma, como dado, é o fato de que há um grande número de filmes sendo lançados, ou arremessados, como vem se falando com muita justeza, porque de fato é isso. Óbvio que há motivos, como a Copa do Mundo e as eleições, que sempre assustam o distribuidor, mas ainda assim esses filmes foram lançados, sem querer falar mal das distribuidoras, algumas devem ter trabalhado bem pra que certos filmes funcionassem, com estratégias até inteligentes, mas considerando que uma boa parcela do público ainda vê o filme brasileiro como um gênero, isso tudo fez com que vários filmes disputassem entre si e tivessem uma permanência de sala extremamente restrita em sua maioria. Os filmes tinham uma semana, na segunda semana já faziam dois horários, na terceira já saíam ou ficavam em apenas um horário, às duas da tarde.

DC: A gente viu muitas vezes as pessoas falarem, e esse é um discurso perigoso, que há um excesso de filmes sendo atirados em cartaz. Isso na verdade, sendo até um pouco maniqueísta, é o discurso da direita cinematográfica. O problema aqui é outro: não há filmes demais, há estratégias de menos, estrutura de menos, e principalmente espaço de menos. O mercado brasileiro de exibição de filmes, se você desconsiderar a tevê e o mercado de DVD, como se desconsidera, é um mercado absolutamente medíocre. Então é óbvio que, dentro desse quadro de mediocridade, qualquer número tende ao fracasso.

RG: Eu concordo que a lógica de "vamos fazer menos filmes" é uma lógica estúpida, mas ainda assim você vê que tem uma elefantíase na produção se a gente comparar com o que é feito do ponto de vista da distribuição e da criação de novas formas de veicular esse tipo de filme.

DC: É um caminho arriscado falar de elefantíase da produção. A gente tem de saber que na verdade nossos filmes, não tendo acesso ao público, tendem a se encalacrar nesse tipo de problema, a gente já até discutiu isso. Os filmes podem ter outros espaços que não esses espaços velhos de guerra que cada vez estão mais fora de moda, cada vez mais inacessíveis, que é um mercado de cinema que tem menos de duas mil salas no país.

EG: A maioria dos documentários que entraram em cartaz esse ano são totalmente televisivos, o meio ideal para eles seria a televisão, ou DVD. Brilhante, Zé Pureza...

DC: Ou internet. Existem outros meios que estão aparecendo, e as pessoas vão cada vez menos ao cinema.

RG: Essas são coisas que a cada Cinema Falado a gente percebe com mais clareza, e nesse sentido a gente não vai conseguir falar nada de novo em relação ao que foi falado antes. Não há como não concordar que um filme como Brilhante cabe como um extra de DVD para um filme que curiosamente não foi lançado em DVD e é um filme inacessível, Diamante Bruto do Orlando Senna.

DC: Brilhante está sendo um relativo sucesso para os padrões de documentário e da Riofilme. Ficou uma semana ocupando todos os horários e depois passou a ocupar um horário por dia, mas isso é uma coisa relativa. Certos filmes têm uma determinada faixa de horário em que vão render melhor. Você pede pra um filme segurar cinco, seis sessões por dia, e às vezes você arrebenta com ele. A gente não está mais no tempo em que isso é possível.

Raphael Mesquita: Mas teve uma constante no ano, os filmes acabavam sempre no começo do dia. Por exemplo, o Brilhante mesmo ficou em cartaz algumas semanas à uma da tarde.

Luiz Carlos Oliveira Jr.: Mas talvez o que o Daniel esteja dizendo é que é melhor pro Brilhante ficar um mês passando à uma da tarde no Unibanco Arteplex do que ficar uma semana passando em quatro horários pra depois sair e nunca mais ser visto. Uma da tarde, mal ou bem, vai ter gente vendo esse filme.

DC: O grande problema do Brilhante é isso que o Ruy falou: faltou a gente poder ligá-lo ao filme a que ele se refere, que é o Diamante Bruto. É um filme interessante, há um carinho, mas senti falta de ter o próprio Diamante Bruto pra complementar.

RG: É curioso inclusive que o título do filme do Orlando seja esse e que a gente esteja falando desses filmes nesse contexto. Há uma certa indefinição no filme, não há estrutura, ele elenca uma serie de questões, num momento vira making of, depois vira um estudo das relações sociais na cidade, depois, noblesse et gauchisme oblige, a necessidade do conflito de classes entre a rede hoteleira e os antigos trabalhadores que não têm mais aquilo. É interessante, mas dá a cara de que na verdade são três filmes que, por comodidade, são colocados juntos.

LCOJr: O Brilhante, pra nós aqui, acaba sendo interessante como estudo de caso, mas é preciso destacar que um filme chega no circuito não para ser um filme-sintoma, nem pra dar panos pra manga de quem está discutindo o mercado do cinema brasileiro.

LL: É interessante pensar que das dez piores bilheterias do ano do cinema brasileiro, 90% é documentário, ou mais. Isso reflete uma indefinição do que esses documentários estão fazendo no cinema.

Tatiana Monassa: É uma indefinição deles como filme, como o Estevão falou.

RG: O curioso é a chancela aberta para o documentário. São filmes que basicamente passam em redes de circuitinho cult, cinema bistrô. Isso talvez seja uma outra rede de contatos, talvez interesse do ponto de vista do capital cultural, ou até possivelmente haja o fato de que o produtor ou o diretor tenha um contato de amizade mais direto com o exibidor e consiga alguma coisa.

TM: Parece que está reservada pra esses filmes exatamente essa parcela, esse lugar aqui na lista: ficar uma semana, um horário, parece que eles já são lançados com essa expectativa. Tanto que não parece que eles são um fracasso, não tem esse diagnóstico pra eles, que vão continuar estreando dessa forma e se suportando dessa forma. O mercado está preparado pra recebê-los dessa forma, há uma certa estabilidade nisso.

LL: A gente sempre comenta esse boom de filmes ao longo do ano. Mas se formos pensar, nas ultimas vinte posições de bilheteria do ano há 17 documentários, e são documentários basicamente feitos para entrar no cinema, ficar naquela tal uma sessão e depois sair do cinema, sem que isso seja visto como algo excepcional, algo estranho.

RM: Mas o filme não precisa estrear até por compromisso estabelecido com a lei de incentivo?

RG: A principio sim, mas tem muito filme que é lançado simplesmente para ter uma pequena divulgação para capitalizar em cima de outros mercados. Acho que no Brasil acontece um outro tipo de fenômeno curioso: os filmes, sobretudo esses documentários mas não apenas eles, entram em cartaz pro diretor falar pros amigos que o filme está sendo exibido numa sala de cinema e pouco importa na verdade a recepção que ele vai ter. Pelo boca a boca e pela divulgação que os filmes têm, mesmo que eles sejam lançados em DVD, eles fatalmente terão uma circulação ínfima, quase zero.

LCOJr: É que o cinema por incrível que pareça continua sendo uma espécie de avatar, não de qualidade, mas de legitimação cultural.

TM: A própria colocação do filme, a própria postura do realizador em relação ao mercado, assim como a linguagem do filme, se dirige a esse tipo de produção, em que a escolha do objeto – seja histórico, sociológico ou cultural – leva o diretor a se deter sobre ele e fazer um filme entre uma hora, uma hora e meia, onde o interesse é somente mostrar o objeto e discorrer sobre ele. Esse é um formato que está se consolidando.

DC: A gente está falando de estrutura, de mercado, mas é importante lembrar o seguinte: há dois anos, o filme menos visto do Brasil foi O Signo do Caos. A gente está falando de uma estrutura, que pode até ser relacionada com os filmes, mas esse discurso generalista tem de ser muito dosado porque filmes excepcionais podem ser vistos por muito pouca gente. Mesmo dentro dos documentários, em qualquer esquema, às vezes dentro do esquema mais besta, os filmes podem sair maravilhosos. Então a gente está falando de um problema de estrutura, de mercado, da relação da sociedade com o cinema. Agora, quando a gente for direto aos filmes, há de se tomar o cuidado de perceber que essas características não são imediatamente transferíveis aos filmes, ou a gente pode imaginar também que está criticando O Signo do Caos.

RG: Na verdade a gente misturou duas coisas. Ao mesmo tempo tem toda uma lógica que parece muito complicada de compreender em termos econômicos, ou em termos não viciados: o que é a cultura do cinema brasileiro de uma forma geral, ou a cultura da classe cinematográfica brasileira. E a gente juntou essa performance com o fato de que esse ano não teve nenhum documentário que tivesse nos encantado de forma unânime, embora haja filmes que podem nos encantar parcialmente – aí falo especificamente de dois filmes que parte da redação defendeu e que repercutiram relativamente bem de público, e que são filmes bem votados pelos leitores da Contracampo para melhores do ano: Estamira e Soy Cuba – o Mamute Siberiano. Gostemos ou não, é muito compreensível que esses filmes sejam vistos no cinema, porque aparentemente eles têm uma relação com a forma ou com a própria questão do cinema.

TM: Quando eu falo desse formato, dessa janela aberta, e que tem uma continuidade, eu quero dizer que os filmes que se encaixam aí já têm uma formatação, as coisas coincidem. Quando usei a palavra documentário, não quis restringir. Esses filmes de que falei são diferentes de um documentário que prevê o cinema dentro da sua construção.

LL: Sem querer falar que a lógica econômica é também uma lógica de qualidade, mas tanto Soy Cuba quanto Estamira ocuparam outra faixa do mercado nesse ano, não participaram dessa mesma faixa dos documentários destinados a ficar uma semana numa sala. Esses filmes foram feitos até pra outra faixa de mercado, outras estratégias de lançamentos, exibição em festivais etc.

DC: Um que passou despercebido, e que apenas o Rodrigo defendeu, é A Mochila do Mascate. Por mais que eu veja graves defeitos no filme, um certo fascínio por uma beleza geográfica que não funciona na sala, eu sei que ele está exatamente tentando se pensar como filme, ainda que de forma um tanto irrisória. Então é preciso esse cuidado: fazendo um diagnóstico de estrutura, também vamos encontrar milhares de relações com os problemas dos filmes, mas essa relação não é tão direta.

RG: Também diria que tanto o Vocação do Poder quanto o Dia de Festa estão longe de ser irrelevantes, por mais que eu veja problemas em ambos.

EG: O Meninas também é um documentário claramente pensado para ser veiculado no cinema. Há uma diferença gritante entre ele e, por exemplo, o filme sobre o Santos Dumont, o Brilhante, o Zé Pureza, O Dia em Que o Brasil Esteve Aqui...

LL: Com esse boom de documentários nessa mesma faixa de público, a gente acaba não dando conta de tudo, a gente pode não estar vendo algum desses documentários que poderia ter uma proposta estética diferente e que a gente pode estar generalizando. Não sei quem aqui viu Um Craque Chamado Divino...

DC: Inclusive temos de ressaltar o caráter limitado da nossa cobertura. A muitos dos filmes que estrearam, a revista sequer teve acesso, pois foram estréias muito limitadas, com poucas cópias e poucas semanas em cartaz. Em mais de sessenta filmes, vários foram perdidos pela redação e devemos admitir que esse limite existe no Cinema Falado desse ano.

RG: Pelo fato da inflação de títulos, não só pelo número mas pela própria forma como nós lidamos com esse número no nosso cotidiano, nós que tentamos correr atrás de todos os títulos brasileiros, na verdade nos deparamos com um ano que, ao contrario dos anos passados, o cinema brasileiro no ano, quando eu falo isso, quando o Daniel fala isso, a gente está falando de um corpus de filmes inteiramente distinto, mesmo que a gente tenha visto mais da metade dos filmes estreados. A gente não tem tanta clareza em quinze ou vinte títulos decisivos que todo mundo viu. Você tem no máximo uns dez títulos que a maioria aqui deve ter visto, mas há uma volatilidade enorme entre os filmes que você não sabe se são filmes decisivos no ano etc e etc. Mesmo na própria Contracampo é curioso que vários filmes tenham sido defendidos, vários filmes tenham entrado na lista de melhores do ano, e só um tenha entrado de fato na nossa lista coletiva dos dez mais, e mesmo assim entrado lá no finalzinho, que é O Céu de Suely. É curioso porque tanto O Céu de Suely como Eu Me Lembro, Crime Delicado e O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias são filmes não só defendidos no espaço das críticas como são filmes que tiveram nas listas pessoais de melhores do ano da maioria e se tivessem os vinte melhores estariam em cinco ou seis listas gerais. Mas tirando esses filmes, e tirando Brasília 18%, Árido Movie, A Concepção, filmes em que a gente vê um maior rigor ou coisas a serem discutidas, um maior vigor na relação com o cinema, você consegue estabelecer um desnível muito claro entre os filmes que minimamente interessam de um ponto de vista crítico e uma série de filmes que são quase irrelevantes na sua relação com o cinema. Não falo de um ponto de vista cultural porque aí haveria uma série de questionamentos a se fazer. Mas do ponto de vista estritamente artístico, me parece que há uma linha de divisão muito clara entre uma determinada categoria de filmes e outra. Exatamente porque confessamos que é impossível ter essa visão de conjunto de 64 filmes, ou que a visão de conjunto que eu posso estabelecer é com os 29 filmes que vi, o Estevão com 34, o Daniel com 26... podemos estabelecer relações da nossa cabeça, mas é impossível estabelecer uma relação em conjunto porque os 29 que eu vi são diferentes dos 34 que o Estevão viu etc. Olho pra essa lista e não consigo tecer relações temáticas ou artísticas, é claro que isso sempre existe, mas não consigo estabelecer relações que de fato interessem, porque o que se pode fazer é somente falar de certos filmes.

EG: Mas dá para fazer uma relação entre os principais filmes, e tirar uma avaliação desses dez filmes como um panorama do cinema brasileiro hoje.

DC: Se por um lado a gente não pode pegar a estrutura e a partir daí inferir sobre questões estéticas dos filmes, por outro lado acho interessante a gente pegar essas questões dos filmes e ver como essa estrutura está se refletindo. O Leonardo fez um texto sobre O Veneno da Madrugada e O Gatão de Meia-Idade, sobre a tentativa de determinados realizadores das antigas tentarem se viabilizar ou pensar um cinema atual, e como isso está esbarrando na estrutura.

LCOJr: A gente tem essa avidez por tentar estabelecer um pensamento de conjunto sobre o cinema brasileiro nesse ano, e tudo que tem acontecido, a gente escreveu um livro sobre isso, tentando estabelecer uma relação de conjunto no cinema brasileiro nos últimos dez anos. Mas a verdade é que é muito complicado. No pós-festivais houve toda uma euforia, não só nossa, mas dos veículos críticos de cinema no Brasil de uma forma geral, porque no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo viu-se uma quantidade considerável de bons filmes brasileiros.

RG: Uma boa safra.

LCOJr: Essa palavra é que já é complicada, "safra". Como se falar de safra no cinema brasileiro, se nesse conjunto que a gente identifica como um bom momento do cinema brasileiro você tem Serras da Desordem, O Céu de Suely e Proibido Proibir?

DC: É preciso dizer que Serras da Desordem não foi aceito nem no Festival do Rio nem em Brasília. Existe na verdade um esquemão dentro do qual alguns filmes são ótimos e outros nem tanto, mas existe um esquemão que funciona no Festival do Rio, Brasília, Gramado... filmes de grife.

LCOJr: O que eu quero dizer é que há um grau de aleatoriedade tão grande no cinema brasileiro, do que chega, do que está sendo feito... No fundo a gente vai perceber que eles chegam juntos e a gente gosta deles, que estão dando um diagnóstico de vigor, ou dando coisas interessantes pra gente ver, dando um conjunto de filmes brasileiros e não apenas um ou dois no ano inteiro, um conjunto de realizadores que estão fazendo cinema porque aquilo realmente é um processo vivido, pensado, experienciado desde a sua feitura até o contato com o público, e no entanto eu acho que dificilmente existe uma relação orgânica entre eles todos, existe uma disparidade, uma dispersão da produção, o que contraria a idéia de safra. Isso não tira o vigor, de jeito nenhum, mas impede a identificação de uma safra.

RG: Isso é um sinal de grande vitalidade, me parece. Um grande sinal de que o cinema cobre uma série de lugares, e ele de fato deve fazer isso, ao invés de criar uma única tendência que se repetiria através dos tempos. Não há uma geração surgindo. Ao contrário: há uma série de realizadores com experiências, proveniências e idades completamente diferentes e fazendo coisas inteiramente diferentes, com propostas inteiramente diferentes.

LL: Mas quando a gente fala na safra dos festivais, nos filmes lançados nos festivais em 2006, na verdade esses filmes são de 1997, 2001... Como se chama de safra algo que são dez anos de cinema, no fundo?

RM: Mas tem uma boa parcela de diretores que estréiam todo ano: João Falcão com duas estréias nesse ano, Antonio Carlos da Fontoura idem, Cacá Diegues, Daniel Filho... Tem uma parcela de diretores que estão filmando todo ano, alguns mais de uma vez por ano.

DC: O que o Ruy falou é bonito, mas é um otimismo que não consigo acompanhar. Ao mesmo tempo em que isso pode dizer uma variedade, uma diversidade, também podemos usar o que o Ismail Xavier falou e dizer que isso é um tremendo salve-se quem puder. É natural quando há projetos comuns, quando há destinos, caminhos perceptíveis – ainda dá para perceber isso aqui, a influência de alguns diretores começa a se sentir em curtas-metragens, em projetos que vão surgindo... Mas me parece que há duas coisas que se misturam: de um lado, a gente vê esse "salve-se quem puder", não existe um caminho que funcione nem comercialmente nem artisticamente que não seja a grife, ou seja, ter um nome no mercado, não existe portanto um estilo de filme que funcione. Por outro lado, nesse cenário de agora, os filmes baratos que tanto se pleiteou que fossem feitos estão surgindo: vários desses filmes que estão aqui na lista desse ano são baratos, são filmes possíveis dentro de um orçamento bastante exíguo.

RG: E dentro de uma economia de cinema que não dá um retorno extremamente milionário.

DC: Exato. Desses filmes todos aqui que estrearam, sete ou oito têm um orçamento considerável, ou seja, acima de três milhões de reais. Os demais tentaram fazer um cinema mais simples, dentro desse esquema em que os filmes não estão obtendo retorno financeiro, dentro de uma outra lógica do cinema. A partir daí acho que podemos também pensar essa outra característica: por que tentar fazer certo tipo de documentário, com essa simplicidade que nem sempre dá certo, que às vezes soa até televisiva, mas que significa fazer um cinema a partir de um certo objeto que interessa à pessoa? Porque é o caminho que se mostra viável no momento, assim como cinco, dez anos atrás, era mais fácil fazer um filme de cinco milhões do que um filme de um milhão. Hoje não é mais assim: é mais fácil fazer um filme de um milhão do que um filme de cinco milhões, embora os filmes que mais façam lucro continuem sendo os filmes caros.

TM: Mas talvez o que o Ruy tenha dito é que pensar um caminho cinematográfico, como você disse, como sendo um objeto, é mais um certo incentivo à produção do audiovisual, então aí nem falo mais cinematográfica nem nada: é uma questão do produto audiovisual. E talvez realmente esse incentivo ao "produzir audiovisual" esteja bem mais espalhado, em termos de intenção, de vontade de fazer, em termos inclusive de condições produtivas. Então talvez por esse aspecto tenha havido uma dispersão dessas condições, sejam elas realmente materiais ou não.

RG: Dispersão não, descentralização.

DC: O problema da dispersão é que você usa um vocabulário perigoso. Na verdade é uma tentativa de ampliação, de ter possibilidades maiores, figuras mais distante umas das outras – socialmente e geograficamente – podendo produzir.

TM: Sim, mas nesse sentido de vontade de produzir, ou de diferentes vontades de produzir.



Parte 2: Globofilmes, cinema e televisão, Brasília 18% e
O Maior Amor do Mundo, A Concepção
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Parte 3: O Veneno da Madrugada, Árido Movie e
estréias em longa-metragem
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Parte 4: O teatro e o parasitismo,
novamente documentários
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Parte 5: Os quatro filmes preferidos.

 

 






Brilhante, de Conceição Senna


Gatão de Meia-Idade, de Antonio Carlos da Fontoura