VOTAÇÃO – MELHORES DE 2005
Contracampo e seus leitores escolhem
seus filmes preferidos de 2005

Votação dos leitores

1. Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira
2. Menina de Ouro, de Clint Eastwood
3. Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes
4. Menina Santa, de Lucrecia Martel
5. Marcas da Violência, de David Cronenberg
6. Nossa Música, de Jean-Luc Godard
7. O Aviador, de Martin Scorsese
8. Ninguém Pode Saber, de Hirozaku Kore-Eda
O Signo do Caos, de Rogério Sganzerla
10. The Brown Bunny, de Vincent Gallo

(veja aqui a lista completa
dos filmes votados pelos leitores)

Escolha da redação

1. Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira
2. O Signo do Caos, de Rogério Sganzerla
3. Marcas da Violência, de David Cronenberg
Menina de Ouro, de Clint Eastwood
5. The Brown Bunny, de Vincent Gallo
6. Menina Santa, de Lucrecia Martel
Nossa Música, de Jean-Luc Godard
8. Clean, de Olivier Assayas
Penetras Bons de Bico, de David Dobkin
Terra dos Mortos, de George A. Romero

(veja aqui as listas nominais
dos redatores de Contracampo)

1. UM FILME FALADO, DE MANOEL DE OLIVEIRA
É por meio da curiosidade da criança que Manoel de Oliveira percorre a História em Um Filme Falado. Portugal e Europa, Ocidente e Oriente, cristãos e muçulmanos são questionados pela menina na viagem que empreende, de navio, com a mãe. O plano recorrente do casco singrando as águas: a noção de que as existências individuais, efêmeras e contingentes, são indissociáveis de um Tempo em que os acontecimentos não se sucedem linearmente, estanques entre si, mas em que o passado permanece vivo e cristalizado no presente. Na mesa da sala de refeições, Oliveira encena a Babel ao contrário, onde todas as línguas se entendem, onde as experiências afetivas comuns falam mais alto que séculos de desavenças, de inimizades, de violência e de diferenças artificiais construídas pelos homens, pelas culturas e pelas civilizações. Porém, a bomba terrorista que explode e que assassina mãe e filha, no final surpreendente e chocante proposto pelo cineasta, lembra-nos de forma dolorosa que o ódio que separa ainda prevalece sobre a ternura que aproxima. (Paulo Ricardo de Almeida)

– leia aqui a crítica do filme –

2. O SIGNO DO CAOS, DE ROGÉRIO SGANZERLA
Não é apenas por se tratar do último longa-metragem de Sganzerla que O Signo do Caos tem uma atmosfera tão agônica – na verdade, este tom de agonia esteve presente em boa parte de seus filmes, inclusive os mais solares. No entanto, em O Signo do Caos o sentimento agônico ganhou um rosto simbólico de contorno preciso, e não é preciso conhecer as trajetórias de Orson Welles ou Sganzerla para perceber a dor que atravessa o filme. O que interessava aqui era mostrar a relação entre o gênio artístico e a censura: "É preciso tirar o cinema do quarto de brinquedos" é uma frase lembrada no filme; e para isto acontecer seria preciso inventar um outro cinema. A criação de tais cinemas tende a ser abortada pela indústria, pela censura financeira ou pela política, tanto Welles quanto Sganzerla souberam disso. Assim, de certa maneira, O Signo do Caos parece retornar a um certo ponto da história do cinema para ali encontrar um caminho abandonado e por ele seguir e avançar. É, a seu modo, um filme sem igual – um filme como o cinema poderia vir a ser, caso seguisse outros caminhos. Não seria equivocado dizer que o cinema de O Signo do Caos está décadas à frente do que se produz nos dias de hoje – mas não bastariam décadas para que o grosso da produção alcançasse o fluxo de idéias de O Signo do Caos, simplesmente porque não é mais este o caminho (em termos narrativos, visuais, sonoros) que o grosso da produção segue. O filme é, portanto, uma obra sobre o fracasso do projeto de invenção de uma arte e, ao mesmo tempo, a realização última desta arte. Talvez um dia se possa retornar novamente a este ponto crítico – e então este filme poderá ser tão estimulante quanto já é perturbador. (Daniel Caetano)

– leia aqui a crítica do filme –

3. MARCAS DA VIOLÊNCIA, DE DAVID CRONENBERG
Entre o universo de Tom Stall e o de Joey Cusack, a América dos sonhos encontra a América dos pesadelos – e frente a frente elas se reconhecem no espelho. Identidades, fantasias, construções: Cronenberg carrega cada imagem e som de seu filme com o peso da mitologia americana, sem com isso deixar de lado por um só minuto a fluidez e o prazer da sua narrativa (tendo o ápice na sequência da trepada na escada – possivelmente a mais impressionante do ano). Nesta genealogia da violência, batem ponto Dirty Harry, westerns, filmes de gângsters, heróis de filme de ação, os filmes de high school. No closet de cada família, uma espingarda carregada – e, no final da jornada mítica de Stall/Cusack, uma família em torno de uma mesa, reavaliando o peso de um passado (in)comum. (Eduardo Valente)

– leia de aqui e aqui as críticas do filme –

3. MENINA DE OURO, DE CLINT EASTWOOD
Não há palavra nem imagem difícil em Menina de Ouro, não há vocabulário rebuscado. E o motivo é simples: só se faz poesia com as palavras mais comuns, as do dia-a-dia, ou então com aquelas que já foram bastante comuns um dia, mas hoje estão em desuso. Isso serve para construções de linguagem também (um travelling moral que não se emprega mais, um plano ponto de vista que insere o espectador no conflito ético do filme). A complexa retórica de imagens do cinema contemporâneo (e isso abarca cineastas que muito admiramos aqui na revista) não tem seu lugar em Menina de Ouro, cuja indefinição vai até onde sua extrema clareza permite ir – sem contradição, no entanto. O filme se silencia e escurece progressivamente, com Clint Eastwood dando continuidade, agora em tom ainda mais melancólico que o usual, a seu auto-retrato nas sombras – que sempre existiu, mas se acentuou a partir de Poder Absoluto. Foi também nesse filme que Eastwood ilustrou, com seu personagem que ora desenhava detalhadamente os quadros que observava num museu, ora atuava como ladrão-artesão, os dois gestos definidores tanto da tradição artesanal do cinema americano em que se inscreve – método direto e frontal – quanto da sua postura de quem observa o mundo da penumbra, um pouco distanciado. O gesto e a maneira de olhar estão na base de Menina de Ouro, em que Eastwood confia bastante na necessidade de filmar seu rosto e suas mãos, os lugares onde se manifestam seus olhares e seus gestos. Basta lembrar de duas cenas: uma com Eastwood à beira do ringue de boxe, emulando com seus punhos os socos que torce para Maggie encaixar na adversária (socos no ar que podem ilustrar seu trabalho de direção, tão pungente quanto delicado). A outra cena é quando ele prepara e, mais ainda, aplica a injeção letal em Maggie: sua mão é filmada em primeiro plano, um signo bem forte da responsabilidade implicada no ato. Ao cabo de tudo, Eastwood, um dos grandes catalisadores de lágrimas do cinema contemporâneo (sendo que as emoções em jogo passam longe da categoria de "emoções baratas"), reassume a posição fantasmática que já ocupara em Os Imperdoáveis ou As Pontes de Madison. Aguardamos ansiosamente o retorno do fantasma. (Luiz Carlos Oliveira Jr.)

– leia aqui a crítica do filme –

5. THE BROWN BUNNY, DE VINCENT GALLO
Por trás das polêmicas que surgiram a partir do segundo longa de Vincent Gallo, fossem elas de conteúdo do filme ou de cunho exibidor (digital, no caso), existe um filme de processos nada convencionais. A angústia de seu personagem encontra pela imagem a sua forma explosão. Gallo realiza um filme de sensações estéticas, onde externa o sentimento do que filma para a textura da imagem, com mudanças cromáticas, trabalhos fascinantes com a luz e as cores. Também adiciona a viagem uma estirpe variada de sons, de um clássico solo de guitarra às infinitas rugidas do motor de uma moto. É, antes de tudo, um filme de imersão, para se perder nas imagens, ver e rever. Aproximar-se das imagens de Brown Bunny é sempre de uma experiência inestimável. (Guilherme Martins)

– leia aqui a crítica do filme –

6. MENINA SANTA, DE LUCRECIA MARTEL
Uma mesma cidade – La Ciènaga – duas piscinas, dois universos distintos e ao mesmo tempo complementares. Deixando a casa caótica e a piscina putrefata da família de O Pântano, Lucrecia Martel centra sua narrativa em um hotel decadente por onde transitam paixão, frustrações, descobertas e um tesão que afloram de formas multifacetadas, porém nunca de todo abertamente. A garota Amalia veste o manto de salvadora (ou santinha do pau oco?) para purgar através do Doutor Jano os pecados de um mundo que parece lhe fugir no todo à compreensão. E quando tudo parece prestes a explodir a sua volta, Amalia e Josefina nadam placidamente na piscina, num dos mais contundentes finais de filmes recentes, que, assim como todos os demais elementos presentes em A Menina Santa, só fazem tatuar definitivamente na história o nome de Lucrecia Martel como um dos mais ímpares e consistentes talentos do cinema contemporâneo. (Gilberto Silva Jr.)

– leia aqui a crítica do filme –

6. NOSSA MÚSICA, DE JEAN-LUC GODARD
“O campo do texto recobriu o campo da visão”. Para Godard, a imagem está sempre dividida entre os signos que carrega (e os textos que pode produzir) e sua plasticidade própria (seu dar a ver). Nossa Música, nesse sentido, filia-se aos seus projetos de questionamento da imagem no seu entrecruzamento com a política (Aqui e Acolá, Carta para Jane, Histoire(s) du Cinéma...), dando um passo adiante na reflexão sobre as implicações entre vida e cinema (ou qualquer outra produção artística). O Estado, que se quer uno, promove imagens de seus inimigos e do resto do mundo à sua semelhança, ou seja, de acordo com os parâmetros que utiliza para criar sua própria imagem. O campo e contracampo no cinema clássico americano são duas faces da mesma moeda: duas imagens iguais para representar coisas diferentes. E o mesmo princípio é estendido por Godard à relação entre as potências mundiais e os povos relegados à posição de alteridade. Sua pedagogia ganha novos horizontes: agora é necessário falar menos e buscar essas imagens produzidas por estes “outros”; não nos contentarmos com os textos produzidos pelos vencedores, textos que engendram imagens im-próprias e colocam tudo o que não é eles na posição de contracampo. Para entender o horror que o homem espalhou pela Terra, é necessário recorrer a imagens. A milhares delas, que niveladas e reduzidas a um denominador comum, poderão, quem sabe, dizer mais sobre o reino do real do que sobre o reino da imaginação. Mais sobre o que acontece no nosso mundo, no nosso tempo, do que sobre a narração do que acontece. Para que se possa então partir para um acerto de contas (o estabelecimento, talvez, de um novo grau zero) e, finalmente, a um diálogo entre indivíduos, uma abertura a manifestações diversas das nossas – a aposta numa nova geopolítica, uma que parta do relacionamento entre imagens, da música que estas podem eventualmente produzir. (Tatiana Monassa)

– leia aqui a crítica do filme –

8. CLEAN, DE OLIVIER ASSAYAS
O percurso da roqueira Emily Wang, interpretada com encanto e verdade por Maggie Cheung, é de aprendizado da responsabilidade. Só depois de perceber que escolher também é abrir mão, Emily poderá ser mãe de seu filho pequeno. Mas abrir mão, tornar-se madura, ser responsável, nada disso é a morte, mas a vida formatada pelas necessidades. A Olivier Assays filma essa intensa trajetória com intensidade proporcional na imagem. A câmera flui, flana, olha de um lado para outro, seguindo a dinâmica do plano sequência, mesmo quando cortado por dentro, mesmo quando estabelece pequenas elipses. Tudo está em movimento (a câmera, os atores, a vida). E estar em movimento não significa estar com pressa para observar, mas, sim, observar como até um partida de sinuca, em uma das mais belas sequências do filme, contém movimentos os mais diversos. (Cléber Eduardo)

– leia aqui a crítica do filme –

8. PENETRAS BONS DE BICO, DE DAVID DOBKIN
Como transmitir veridicamente a experiência de uma sessão de cinema? Como transmitir realmente a experiência de uma amizade, de um dia-noite de diversão e afeto em forma de zoação? É a relação louca entre as duas perguntas que sempre me inspira a escrever sobre essa comédia de Owen Wilson e Vince Vaughn. Assistindo a Penetras Bons de Bico, com essa grata revelação chamada David Dobkin manipulando o quadro para desenhar, metodicamente, uma vida compartilhada e complementar entre duas pessoas – e sempre, apesar disso, parecer filmar aquilo que é mais gostoso filmar – você sente que está participando, e sendo convidado, para algo que, embora não seja seu – os domínios dessa amizade espetacular, acrobática e lindamente idiotista – é aberto a você em mais ou menos 2 horas. Generosidade. Engraçado ler na redação desta revista depoimentos idênticos sobre ver "Penetras", com descrição e ordem de sensações e comportamentos na cadeira do cinema que, meio assustador isso, imitavam-se. O que faz Penetras Bons de Bico um dos filmes americanos atuais mais importantes, a comédia vibrante, pilantra e ao mesmo tempo refinada que firma o estilo dessa nova geração de comediantes presos a um passadismo urgente (a adolescência – que passou; uma cultura de amizade como parâmetro de gozo e sobrevivência – algo inadeqüado até como expressão no cinema atual) é justamente essa sua capacidade de pertencer a poucos e, ao mesmo tempo, a quem quiser, radiografando com sobrenatural precisão aquilo que seria uma vivência livre e terna entre amigos. Os amigos visitam a comédia romântica, esbaldam-se e o gênero sai meio que reformado: amor e satisfação afetiva não excluem a pulsação do viver, com quem merece e da forma como se deseja. Obra-prima. (Claudio Szynkier)

– leia aqui a crítica do filme –

10. TERRA DOS MORTOS, DE GEORGE A. ROMERO
De Joe Dante, com o belo Homecoming, ao compositor Sufjan Stevens, com a bela "They Are Night Zombies...", 2005 foi o ano da volta dos zumbis. Se com A Noite dos Mortos-Vivos havia uma forte tensão política no ar – mesmo que não se soubesse para onde esse vento soprava –, em Terra dos Mortos o relato deixa tudo muito mais claro. Os zumbis não estão lá para representar uma ameaça, mas uma diferença. Como os judeus, os pretos, os pobres do mundo, os zumbis são as figuras da máxima humilhação e da insurreição vindoura – não à toa, a estrutura da fábula lembra muito a história bíblica da aparição de Moisés no Egito. O que se vê na tela é um mundo da segmentação. No topo da pirâmide, uma ínfima elite que vive do bem bom e se aproveita do trabalho de seus empregados. Na linha de baixo, os zumbis, olhando distraídos para os fogos de artifício enquanto os humanos coletam os bens materiais que restam do mundo devastado. No meio, os humanos proletários, distraídos pelo pão e pelo circo, narcotizados por sua própria luta pela sobrevivência. Em seu estilo direto e direcionado à ação, Romero vai focar nas ações de resistência, jogando volta e meia um comentário mais direto a respeito da política imperialista norte-americana ("Não negociamos com terroristas", diz Dennis Hopper depois de trair seu faz-tudo, emulando a relação EUA-Iraque desde os anos 80). Resta, então, congregar um banquete de mendigos para desfazer o coro dos contentes e acenar para a importância de uma outra coletividade, nascida do trabalho em comum, da simplicidade, do cuidado e do respeito mútuo. Ao final, uma troca de olhares sela um pacto: nossas lutas são tão diferentes quanto nossos povos, mas ambos buscamos um lugar em que possamos existir em harmonia, longe do outro que destrói e do mesmo que oprime. Terra dos Mortos mais uma vez mostra que o cinema pode ter mais eficácia política quando morde pelos lados do que quando vem cheio de pompa, boas intenções e conteúdo nos dizer o que é certo e o que é errado. (Ruy Gardnier)

– leia aqui a crítica do filme –

 

 





O Signo do Caos, de Rogério Sganzerla


Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira


Cinema, Aspirinas e Urubus, e Marcelo Gomes


Menina de Ouro, de Clint Eastwood