Votação
dos leitores
1. Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira
2. Menina de Ouro, de Clint Eastwood
3. Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes
4. Menina Santa, de Lucrecia Martel
5. Marcas da Violência, de David Cronenberg
6. Nossa Música, de Jean-Luc Godard
7. O Aviador, de Martin Scorsese
8. Ninguém Pode Saber, de Hirozaku Kore-Eda
O Signo do Caos, de Rogério Sganzerla
10. The Brown Bunny, de Vincent Gallo
(veja aqui
a lista completa
dos filmes votados pelos leitores)
Escolha da redação
1. Um Filme Falado,
de Manoel de Oliveira
2. O Signo do Caos, de Rogério Sganzerla
3. Marcas da Violência, de David Cronenberg
Menina de Ouro, de Clint Eastwood
5. The Brown Bunny, de Vincent Gallo
6. Menina Santa, de Lucrecia Martel
Nossa Música, de Jean-Luc Godard
8. Clean, de Olivier Assayas
Penetras Bons de Bico, de David Dobkin
Terra dos Mortos, de George A. Romero
(veja aqui
as listas nominais
dos redatores de Contracampo)
1. UM FILME FALADO, DE MANOEL
DE OLIVEIRA
É por meio da curiosidade da criança que Manoel de Oliveira
percorre a História em Um Filme Falado. Portugal
e Europa, Ocidente e Oriente, cristãos e muçulmanos
são questionados pela menina na viagem que empreende,
de navio, com a mãe. O plano recorrente do casco singrando
as águas: a noção de que as existências individuais,
efêmeras e contingentes, são indissociáveis de um Tempo
em que os acontecimentos não se sucedem linearmente,
estanques entre si, mas em que o passado permanece vivo
e cristalizado no presente. Na mesa da sala de refeições,
Oliveira encena a Babel ao contrário, onde todas as
línguas se entendem, onde as experiências afetivas comuns
falam mais alto que séculos de desavenças, de inimizades,
de violência e de diferenças artificiais construídas
pelos homens, pelas culturas e pelas civilizações. Porém,
a bomba terrorista que explode e que assassina mãe e
filha, no final surpreendente e chocante proposto pelo
cineasta, lembra-nos de forma dolorosa que o ódio que
separa ainda prevalece sobre a ternura que aproxima.
(Paulo Ricardo de Almeida)
leia aqui
a crítica do filme
2. O SIGNO DO CAOS, DE ROGÉRIO SGANZERLA
Não é apenas por se tratar do último longa-metragem
de Sganzerla que O Signo do Caos tem uma atmosfera
tão agônica – na verdade, este tom de agonia esteve
presente em boa parte de seus filmes, inclusive os mais
solares. No entanto, em O Signo do Caos o sentimento
agônico ganhou um rosto simbólico de contorno preciso,
e não é preciso conhecer as trajetórias de Orson Welles
ou Sganzerla para perceber a dor que atravessa o filme.
O que interessava aqui era mostrar a relação entre o
gênio artístico e a censura: "É preciso tirar o cinema
do quarto de brinquedos" é uma frase lembrada no filme;
e para isto acontecer seria preciso inventar um outro
cinema. A criação de tais cinemas tende a ser abortada
pela indústria, pela censura financeira ou pela política,
tanto Welles quanto Sganzerla souberam disso. Assim,
de certa maneira, O Signo do Caos parece retornar
a um certo ponto da história do cinema para ali encontrar
um caminho abandonado e por ele seguir e avançar. É,
a seu modo, um filme sem igual – um filme como o cinema
poderia vir a ser, caso seguisse outros caminhos. Não
seria equivocado dizer que o cinema de O Signo do
Caos está décadas à frente do que se produz nos
dias de hoje – mas não bastariam décadas para que o
grosso da produção alcançasse o fluxo de idéias de O
Signo do Caos, simplesmente porque não é mais este
o caminho (em termos narrativos, visuais, sonoros) que
o grosso da produção segue. O filme é, portanto, uma
obra sobre o fracasso do projeto de invenção de uma
arte e, ao mesmo tempo, a realização última desta arte.
Talvez um dia se possa retornar novamente a este ponto
crítico – e então este filme poderá ser tão estimulante
quanto já é perturbador. (Daniel Caetano)
leia aqui
a crítica do filme
3. MARCAS DA VIOLÊNCIA, DE DAVID CRONENBERG
Entre o universo de Tom Stall e o de Joey Cusack, a
América dos sonhos encontra a América dos pesadelos e frente a frente elas se reconhecem no espelho. Identidades,
fantasias, construções: Cronenberg carrega cada imagem
e som de seu filme com o peso da mitologia americana,
sem com isso deixar de lado por um só minuto a fluidez
e o prazer da sua narrativa (tendo o ápice na sequência
da trepada na escada possivelmente a mais impressionante
do ano). Nesta genealogia da violência, batem ponto
Dirty Harry, westerns, filmes de gângsters, heróis
de filme de ação, os filmes de high school. No
closet de cada família, uma espingarda carregada e, no final da jornada mítica de Stall/Cusack, uma
família em torno de uma mesa, reavaliando o peso de
um passado (in)comum. (Eduardo Valente)
leia de aqui
e aqui
as críticas do filme
3. MENINA DE OURO, DE CLINT EASTWOOD
Não há palavra nem imagem difícil em Menina de Ouro,
não há vocabulário rebuscado. E o motivo é simples:
só se faz poesia com as palavras mais comuns, as do
dia-a-dia, ou então com aquelas que já foram bastante
comuns um dia, mas hoje estão em desuso. Isso serve
para construções de linguagem também (um travelling
moral que não se emprega mais, um plano ponto de vista
que insere o espectador no conflito ético do filme).
A complexa retórica de imagens do cinema contemporâneo
(e isso abarca cineastas que muito admiramos aqui na
revista) não tem seu lugar em Menina de Ouro,
cuja indefinição vai até onde sua extrema clareza permite
ir sem contradição, no entanto. O filme se silencia
e escurece progressivamente, com Clint Eastwood dando
continuidade, agora em tom ainda mais melancólico que
o usual, a seu auto-retrato nas sombras que sempre
existiu, mas se acentuou a partir de Poder Absoluto.
Foi também nesse filme que Eastwood ilustrou, com seu
personagem que ora desenhava detalhadamente os quadros
que observava num museu, ora atuava como ladrão-artesão,
os dois gestos definidores tanto da tradição artesanal
do cinema americano em que se inscreve método direto
e frontal quanto da sua postura de quem observa o
mundo da penumbra, um pouco distanciado. O gesto e a
maneira de olhar estão na base de Menina de Ouro,
em que Eastwood confia bastante na necessidade de filmar
seu rosto e suas mãos, os lugares onde se manifestam
seus olhares e seus gestos. Basta lembrar de duas cenas:
uma com Eastwood à beira do ringue de boxe, emulando
com seus punhos os socos que torce para Maggie encaixar
na adversária (socos no ar que podem ilustrar seu trabalho
de direção, tão pungente quanto delicado). A outra cena
é quando ele prepara e, mais ainda, aplica a injeção
letal em Maggie: sua mão é filmada em primeiro plano,
um signo bem forte da responsabilidade implicada no
ato. Ao cabo de tudo, Eastwood, um dos grandes catalisadores
de lágrimas do cinema contemporâneo (sendo que as emoções
em jogo passam longe da categoria de "emoções baratas"),
reassume a posição fantasmática que já ocupara em Os
Imperdoáveis ou As Pontes de Madison. Aguardamos
ansiosamente o retorno do fantasma. (Luiz Carlos
Oliveira Jr.)
leia aqui
a crítica do filme
5. THE BROWN BUNNY, DE VINCENT GALLO
Por trás das polêmicas que surgiram a partir do segundo
longa de Vincent Gallo, fossem elas de conteúdo do filme
ou de cunho exibidor (digital, no caso), existe um filme
de processos nada convencionais. A angústia de seu personagem
encontra pela imagem a sua forma explosão. Gallo realiza
um filme de sensações estéticas, onde externa o sentimento
do que filma para a textura da imagem, com mudanças
cromáticas, trabalhos fascinantes com a luz e as cores.
Também adiciona a viagem uma estirpe variada de sons,
de um clássico solo de guitarra às infinitas rugidas
do motor de uma moto. É, antes de tudo, um filme de
imersão, para se perder nas imagens, ver e rever. Aproximar-se
das imagens de Brown Bunny é sempre de uma experiência
inestimável. (Guilherme Martins)
leia aqui
a crítica do filme
6. MENINA SANTA, DE LUCRECIA MARTEL
Uma mesma cidade La Ciènaga duas piscinas, dois
universos distintos e ao mesmo tempo complementares.
Deixando a casa caótica e a piscina putrefata da família
de O Pântano, Lucrecia Martel centra sua narrativa
em um hotel decadente por onde transitam paixão, frustrações,
descobertas e um tesão que afloram de formas multifacetadas,
porém nunca de todo abertamente. A garota Amalia veste
o manto de salvadora (ou santinha do pau oco?) para
purgar através do Doutor Jano os pecados de um mundo
que parece lhe fugir no todo à compreensão. E quando
tudo parece prestes a explodir a sua volta, Amalia e
Josefina nadam placidamente na piscina, num dos mais
contundentes finais de filmes recentes, que, assim como
todos os demais elementos presentes em A Menina Santa,
só fazem tatuar definitivamente na história o nome de
Lucrecia Martel como um dos mais ímpares e consistentes
talentos do cinema contemporâneo. (Gilberto Silva
Jr.)
leia aqui
a crítica do filme
6. NOSSA MÚSICA, DE JEAN-LUC GODARD
“O campo do texto recobriu o campo da visão”. Para Godard,
a imagem está sempre dividida entre os signos que carrega
(e os textos que pode produzir) e sua plasticidade própria
(seu dar a ver). Nossa Música, nesse sentido,
filia-se aos seus projetos de questionamento da imagem
no seu entrecruzamento com a política (Aqui e Acolá,
Carta para Jane, Histoire(s) du Cinéma...),
dando um passo adiante na reflexão sobre as implicações
entre vida e cinema (ou qualquer outra produção artística).
O Estado, que se quer uno, promove imagens de seus inimigos
e do resto do mundo à sua semelhança, ou seja, de acordo
com os parâmetros que utiliza para criar sua própria
imagem. O campo e contracampo no cinema clássico americano
são duas faces da mesma moeda: duas imagens iguais para
representar coisas diferentes. E o mesmo princípio é
estendido por Godard à relação entre as potências mundiais
e os povos relegados à posição de alteridade. Sua pedagogia
ganha novos horizontes: agora é necessário falar menos
e buscar essas imagens produzidas por estes “outros”;
não nos contentarmos com os textos produzidos pelos
vencedores, textos que engendram imagens im-próprias
e colocam tudo o que não é eles na posição de contracampo.
Para entender o horror que o homem espalhou pela Terra,
é necessário recorrer a imagens. A milhares delas, que
niveladas e reduzidas a um denominador comum, poderão,
quem sabe, dizer mais sobre o reino do real do que sobre
o reino da imaginação. Mais sobre o que acontece no
nosso mundo, no nosso tempo, do que sobre a narração
do que acontece. Para que se possa então partir para
um acerto de contas (o estabelecimento, talvez, de um
novo grau zero) e, finalmente, a um diálogo entre indivíduos,
uma abertura a manifestações diversas das nossas – a
aposta numa nova geopolítica, uma que parta do relacionamento
entre imagens, da música que estas podem eventualmente
produzir. (Tatiana Monassa)
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a crítica do filme
8. CLEAN, DE OLIVIER ASSAYAS
O percurso da roqueira Emily Wang, interpretada com
encanto e verdade por Maggie Cheung, é de aprendizado
da responsabilidade. Só depois de perceber que escolher
também é abrir mão, Emily poderá ser mãe de seu filho
pequeno. Mas abrir mão, tornar-se madura, ser responsável,
nada disso é a morte, mas a vida formatada pelas necessidades.
A Olivier Assays filma essa intensa trajetória com intensidade
proporcional na imagem. A câmera flui, flana, olha de
um lado para outro, seguindo a dinâmica do plano sequência,
mesmo quando cortado por dentro, mesmo quando estabelece
pequenas elipses. Tudo está em movimento (a câmera,
os atores, a vida). E estar em movimento não significa
estar com pressa para observar, mas, sim, observar como
até um partida de sinuca, em uma das mais belas sequências
do filme, contém movimentos os mais diversos. (Cléber
Eduardo)
leia aqui
a crítica do filme
8. PENETRAS BONS DE BICO, DE DAVID DOBKIN
Como transmitir veridicamente a experiência de uma sessão
de cinema? Como transmitir realmente a experiência de
uma amizade, de um dia-noite de diversão e afeto em
forma de zoação? É a relação louca entre as duas perguntas
que sempre me inspira a escrever sobre essa comédia
de Owen Wilson e Vince Vaughn. Assistindo a Penetras
Bons de Bico, com essa grata revelação chamada David
Dobkin manipulando o quadro para desenhar, metodicamente,
uma vida compartilhada e complementar entre duas pessoas e sempre, apesar disso, parecer filmar aquilo que
é mais gostoso filmar você sente que está participando,
e sendo convidado, para algo que, embora não seja seu os domínios dessa amizade espetacular, acrobática
e lindamente idiotista é aberto a você em mais ou
menos 2 horas. Generosidade. Engraçado ler na redação
desta revista depoimentos idênticos sobre ver "Penetras",
com descrição e ordem de sensações e comportamentos
na cadeira do cinema que, meio assustador isso, imitavam-se.
O que faz Penetras Bons de Bico um dos filmes
americanos atuais mais importantes, a comédia vibrante,
pilantra e ao mesmo tempo refinada que firma o estilo
dessa nova geração de comediantes presos a um passadismo
urgente (a adolescência que passou; uma cultura de
amizade como parâmetro de gozo e sobrevivência algo
inadeqüado até como expressão no cinema atual) é justamente
essa sua capacidade de pertencer a poucos e, ao mesmo
tempo, a quem quiser, radiografando com sobrenatural
precisão aquilo que seria uma vivência livre e terna
entre amigos. Os amigos visitam a comédia romântica,
esbaldam-se e o gênero sai meio que reformado: amor
e satisfação afetiva não excluem a pulsação do viver,
com quem merece e da forma como se deseja. Obra-prima.
(Claudio Szynkier)
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a crítica do filme
10. TERRA DOS MORTOS, DE GEORGE A. ROMERO
De Joe Dante, com o belo Homecoming, ao compositor
Sufjan Stevens, com a bela "They Are Night Zombies...",
2005 foi o ano da volta dos zumbis. Se com A Noite
dos Mortos-Vivos havia uma forte tensão política
no ar – mesmo que não se soubesse para onde esse vento
soprava –, em Terra dos Mortos o relato deixa
tudo muito mais claro. Os zumbis não estão lá para representar
uma ameaça, mas uma diferença. Como os judeus, os pretos,
os pobres do mundo, os zumbis são as figuras da máxima
humilhação e da insurreição vindoura – não à toa, a
estrutura da fábula lembra muito a história bíblica
da aparição de Moisés no Egito. O que se vê na tela
é um mundo da segmentação. No topo da pirâmide, uma
ínfima elite que vive do bem bom e se aproveita do trabalho
de seus empregados. Na linha de baixo, os zumbis, olhando
distraídos para os fogos de artifício enquanto os humanos
coletam os bens materiais que restam do mundo devastado.
No meio, os humanos proletários, distraídos pelo pão
e pelo circo, narcotizados por sua própria luta pela
sobrevivência. Em seu estilo direto e direcionado à
ação, Romero vai focar nas ações de resistência, jogando
volta e meia um comentário mais direto a respeito da
política imperialista norte-americana ("Não negociamos
com terroristas", diz Dennis Hopper depois de trair
seu faz-tudo, emulando a relação EUA-Iraque desde os
anos 80). Resta, então, congregar um banquete de mendigos
para desfazer o coro dos contentes e acenar para a importância
de uma outra coletividade, nascida do trabalho em comum,
da simplicidade, do cuidado e do respeito mútuo. Ao
final, uma troca de olhares sela um pacto: nossas lutas
são tão diferentes quanto nossos povos, mas ambos buscamos
um lugar em que possamos existir em harmonia, longe
do outro que destrói e do mesmo que oprime. Terra
dos Mortos mais uma vez mostra que o cinema pode
ter mais eficácia política quando morde pelos lados
do que quando vem cheio de pompa, boas intenções e conteúdo
nos dizer o que é certo e o que é errado. (Ruy Gardnier)
leia aqui
a crítica do filme
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