|
É conversando que a gente se entende?
A cada novo ano, o cinema vive esse ritual antigo de fazer
o balanço do ano anterior, listar os filmes vistos,
criar as hierarquias, retrospectar os momentos fortes. E também
é o momento para novas promessas, mudanças e
tomadas firmes de decisão. O ano novo de Contracampo
tem disso tudo. Primeiro, nos questionamos: a partir do que
vemos sobretudo nos festivais, ano a ano, o cinema contemporâneo
ao redor do mundo não pára de nos surpreender,
de tomar passos ousados e configurar um panorama que não
adivinharíamos nem em nossos sonhos mais esperançosos.
Um cinema que se comporta no seio do cinema narrativo mas
não o é exatamente; um cinema que cria propostas
desafiadoras e arma dispositivos novos, e ainda assim conseguem
um tipo de recepção muito diferente das obras
conceituais do cinema estrutural; por fim, um cinema que parece
apontar para terrenos ainda inexplorados do cinema, revigorando
esta arte que algum dia alguém profetizou que já
tinha esgotado todas as suas potencialidades. Se esse cinema
ainda nos espanta e apaixona, nada mais natural do que voltar
a ele num fim de ano, já longe das correrias de festivais,
e discutir suas impressões e suas paixões. E
que tal aproveitar que no começo do ano já temos
nossa tradicional conversa sobre os filmes nacionais estreados
no ano anterior? Essa edição aposta na mesa-redonda
como objeto privilegiado da troca de idéias, apesar
de saber que o formato também tem as suas deficiências
e, sobretudo, precisa ter um uso moderado para funcionar a
contento e não se transformar numa fórmula.
Às duas mesas-redondas, a edição acresce
duas pequenas pautas que chegam ligeiramente atrasadas, naturalmente
porque Manoel de Oliveira tomou todos os nossos esforços
na última edição de 2005. Realizadas
em novembro, mais ou menos na mesma época, as retrospectivas
dedicadas a Oliveira e Sjöström, em São Paulo,
e Rogério Sganzerla, no Rio de Janeiro, nos enchem
de curiosidades e de perguntas não só acerca
de suas apaixonantes cinematografias (três mundos que
funcionam tranqüilamente auto-suficientes como obra),
mas também acerca do cinema em geral. Se Sjöström
trabalha com a natureza de uma forma que pode remeter ao cinema
do fluxo de Apichatpong Weerasethakul, ou se os poderes disjuntivos
da montagem de Sganzerla pode ter ressonâncias visto
ao lado de um filme como Enigma do Poder de Abel Ferrara,
é porque o cinema não se fecha nas tendências
de cada época, tecendo uma infinita rede de afinidades
eletivas que cabe a nós notar. E, finalmente,com o
começo de cada ano temos também o eterno ritual
de eleger os dez melhores filmes do ano e apresentá-los
a nossos leitores. Façam bom proveito.
Por fim, a nota dissonante: Eduardo Valente não faz
mais parte da editoria nem do corpo de redação
de Contracampo. A decisão é dele próprio,
que não vinha se sentindo inteiramente confortável
com as mudanças internas tanto do ponto de vista das
escolhas editoriais quanto da organização interna
de trabalho da revista. A isso junta-se o crescente número
de atividades desenvolvidas, culminando com a filmagem de
um longa-metragem a partir do segundo semestre, que acabaria
resultando numa participação sensivelmente menor
no seio da revista. Se neste mesmo local uma vez demos notícia
semelhante, acreditando talvez numa possível reversão,
dessa vez a decisão é irrevogável. Nossos
votos são para que fora da Contracampo ele continue
exercendo sua lucidez e seu gosto pelo cinema, filmando, refletindo
sobre o mundo ou sobre os filmes e cineastas de predileção.
E, como o mundo não se vive só de idas mas também
de chegadas, nesse começo de 2006 chegam a Contracampo
cinco novos redatores, um grupo de amigos que se conheceram
no curso de cinema da UFF, montaram um coletivo para cobrir
o Festival do Rio passado e ir além (o "Plano
Sergio Leone") e que vocês verão progressivamente
assinando críticas, artigos, reportagens, entrevistas,
etc. Como todo mundo, a revista faz promessas de ano novo.
Uma delas é revitalizar todas as áreas que funcionam
aquém do desejado tanto no terreno da cobertuda quanto
da atualização. Tomara que essa chegada, além
do gás pronunciado que todo recomeço (de ano,
de perspectivas) e toda mudança proporciona, nos faça
conseguir atingir nossas metas. O juiz, como não poderia
deixar de ser, será o leitor. Então, uma boa
leitura e um feliz 2006!
|
|