QUANDO OS CANARINHOS SE PINTAM
DE VERMELHO

(sobre o Grande Prêmio Brasil de Fórmula-1)

Depois de receber um troféu de homenagem das mãos do Rei Pelé, Michael Schumacher já estava pronto para pendurar as chuteiras. Ou melhor, as sapatilhas. O Grande Prêmio Brasil de Fórmula-1 marcava a despedida do piloto das pistas. Sendo aquela a última corrida da temporada 2006, a confirmação do bicampeonato de Fernando Alonso, salvo algum contratempo muito grande, era quase certa. Para os brasileiros, uma emoção a mais: Felipe Massa largava na pole. Depois de muitos anos, o Brasil voltava a se orgulhar em seu próprio território.

Mas algumas curiosidades marcaram a corrida. Fazendo ao mesmo tempo o papel de herói e vilão, uma vez mais a atenção era toda pra Schumacher. Não pra menos: largando em décimo, já na primeira volta, o piloto mostrou a que veio. Com fome de vencer, dava show nas pistas, com a característica que mais marcou sua carreira: o arrojo. Partia pra cima dos inimigos sem pedir passagem e como nos melhores filmes de aventura, travava combates, caía (Fisichella furou seu pneu), se recompunha (parando no box antecipadamente) e voltava pro confronto (finalmente ultrapassando Fisichella, nas últimas voltas). Era a odisséia de um herói que chegava ao fim. Conseguirá Schumacher voltar pra casa?

Uma imagem marcante perdurou nas pistas e nas telas durante algumas voltas. As duas Ferrari andavam juntas, uma em frente à outra. Felipe Massa liderava a corrida. Schumacher era o último. Mas por ironia, Schumacher, ainda assim, continuava a andar na frente! Aquilo simbolizava uma carreira, marcada por derrotas, conflitos, disputas, mas, sobretudo, vitórias. Schumacher, o alemão voador, na frente. Sempre.

A transmissão televisiva brasileira era dividida em três focos: a torcida, toda vermelha; a Ferrari de Massa, que liderava a prova com tranqüilidade; e a Ferrari de Schumacher, que rapidamente ia superando um adversário atrás do outro. Às vésperas da eleição, o Brasil era vermelho. Mas não era o vermelho de Lula, nem do PT, era o vermelho da Ferrari, paixão que transcende nacionalidades e ideologias políticas.

E Fernando Alonso? Bom, o campeão estava lá, cumprindo burocraticamente o seu papel. Mas a Fórmula 1, em território não menos apropriado, mostrou ser um esporte que acredita na garra, no duelo, no desafio, na coragem. Perde um personagem significativo. Lembram-se de Damon Hill? Lembram-se de Jacques Villeuenuve? Pois, os dois pilotos que por momentos interromperam os sete títulos de Michael Schumacher estão num quase esquecimento. Menos por suas qualidades e mais por suas personalidades. A Fórmula-1 mostra que não é somente composta de motores, dinheiro e belas modelos nos boxes. É também uma história, com começo, meio e fim; com personagens, vilões, bandidos, heróis; com narrador (ainda que, para nós, este seja tão polêmico e divida tantas opiniões quanto os próprios pilotos). E, claro, com muitas câmeras, buscando cada momento de emoção.

Há os enormes travellings laterais que, em altíssima velocidade, tentam acompanhar os carros. Há os closes, que tentam capturar de perto a euforia dos pilotos (ainda que de capacete). Há também o plano ponto de vista, que nos coloca no lugar do piloto/personagem, compartilhando um pouco da adrenalina e tensão, vendo carros se aproximar, se distanciar, quase se tocar. Há a montagem. Schumacher ultrapassa com estilo e, corte, os mecânicos comemoram. Schumacher erra e, corte, os mecânicos lamentam. Um circo, um espetáculo com tudo a que se tem direito.

E em uma das muitas imagens oferecidas, podíamos ver Fernando Alonso num close lateral. A regulagem de cor da câmera que o acompanhava parecia apresentar algum problema, transformando todo o fundo em azul e amarelo, as cores de sua equipe (Renault). Alonso era o campeão solitário, preenchia seu espaço (e a tela) com suas cores. Mas não passava de um figurante.

Schumacher continuava. Terminou apenas em 4º lugar, mas deixou a garantia de que a Fórmula-1 está marcada com seu nome. Sai o melhor piloto de todos os tempos. Entra um jovem brasileiro. Resta a esperança. Para o Brasil e para o espetáculo, a Fórmula-1 agradece. Obrigado Schummy.


Raphael Mesquita