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Terminado o Festival do Rio, a vida volta ligeiramente ao
normal, as tarefas cotidianas retornam, como retorna também
a relação mais tradicional com o cinema: filmes
em cartaz, vídeos, filmes raros que se pega com amigos,
etc. Na vida de uma revista isso também significa fazer
as atividades costumeiras: levar ao ar os textos que aparecem,
aprontar os textos para as novas edições, fazer
a preparação para a Mostra Internacional de
São Paulo.
Até aí, todas tarefas bastante prosaicas e nada
dignas de interesse. Só que esse ano surgiu uma novidade.
Não muito agradável, por sinal. Desde nosso
começo até o ano passado, vínhamos tendo
uma relação muito saudável com o credenciamento,
recebendo freqüentemente as credenciais que correspondiam
ao número de redatores que iam cobrir com mais afinco
a Mostra para a Contracampo. E qual não é o
espanto quando, antecipados por boatos de que os pedidos de
credenciamento haviam chegado a níveis astronômicos,
soubemos que aos veículos de internet, como regra geral,
seria dada apenas uma credencial para cobertura (se tanto!),
pouco importa a natureza do meio ou o tipo específico
de trabalho desempenhado. Conosco não foi diferente,
ao menos em primeira instância.
Ora, cabe à oganização de um evento decidir
quem credenciar ou não. Essa parece uma verdade e um
direito límpido. Concordamos. Mas há aí,
ao menos, uma lógica um tanto bizarra que vale a pena
observar. A Mostra de São Paulo desde sempre se esmerou
em posicionar-se como um espaço para a diversidade
de propostas cinematográficas, para a difusão
de outras culturas e formas de pensamento. Se ela o faz, em
maior ou menor medida, é questão para se debater.
Por outro lado, parece ser ponto pacífico entre toda
a comunidade cinematográfica que a internet hoje é
o lugar privilegiado da crítica de cinema mais inventiva,
especulativa, isenta e independente em suas propostas, já
que não tem uma relação tão estrita
com o mercado. Onde mais podemos achar publicados ensaios
sobre Hou Hsiao-hsien, extensos dossiês sobre Manoel
de Oliveira ou entrevistas com Pedro Costa? Também
na cobertura de festivais, a internet vem se destacando como
o espaço mais abrangente e completo, publicando críticas
sobre filmes dos quais a mídia impressa nem vai saber
da existência numa mostra de mais de 300 filmes,
a maioria, infelizmente e criando bancos de dados preciosos
de entrevistas e outros tipos de matérias. É
curioso, então, que a organização de
uma mostra que se preza pelo suposto caráter de resistência
cultural venha a prestigiar, em seu credenciamento, os veículos
de cobertura mais tradicional, incluindo aí aqueles
que apenas se interessam em badalação e fofocas
de socialites, e que o faça em detrimento de
veículos que propõem uma cobertura crítica
mais ambiciosa, que corre atrás para cobrir o maior
número de filmes da melhor maneira possível,
orientando seus leitores e tentando criar uma ordem dentro
de um universo de filmes que inevitavelmente, tanto pelo grande
número de títulos quanto pela enorme falta de
referência a respeito deles, chama à confusão
e à falta de critérios.
Resta dizer que é uma pena observar a Mostra brancaleonicamente
considerar todos ou quase todos os veículos de internet
segundo uma mesma categoria, e que, pior ainda, uma organização
que crê defender a diversidade artística crie
complicações de cobertura para os veículos
de imprensa que mais propõem essa mesma liberdade crítica
em seus textos e suas propostas. Quando a lógica do
espetáculo e do espalhafato afeta até as decisões
daqueles que se propõem como grupos de resistência
aos modelos hegemônicos econômica e culturalmente,
o que fazer? Cobrir a Fashion Week?
Quanto a nós, isso é só um dado menor
diante da possibilidade de grandes encontros com filmes de
cineastas decisivos que a programação da Mostra
nos propõe. Alguns cuja beleza foi mais que confirmada
no Rio, alguns cuja beleza resta a ser descoberta em São
Paulo: Apichatpong Weerasethakul, Jia Zhangke, Manoel de Oliveira,
Eric Khoo, Abel Ferrara... Pois a beleza é o combustível
que faz com que nos desloquemos de cidade, com que gastemos
nossos míseros tostões, sempre à procura
de obras que, propondo outras relações de apreensão
do mundo, da vida, da convivência entre pessoas, povoam
nosso imaginário e nos fazem habitar melhor nosso tempo.
Além dos filmes da Mostra, nessa edição
buscamos refletir sobre alguns acontecimentos decisivos nos
últimos meses. Um deles foi a bela retrospectiva dedicada
à diretora Agnès Varda, outra foi a percepção
de que novamente o cinema americano hollywoodiano, em alguns
filmes-chave, vem conjugar, de forma inesperada e estimulante,
a ousadia formal com o consumo popular, a inovação
com os clichês, vanguarda e tradição,
fazendo surgir filmes belos e audaciosos que confiam no poder
do cinema para redefinir percepções e criar
beleza. Esse mês, nosso cardápio é esse.
Mês que vem, quem saberá? Os mais prováveis?
Ou uma obra-prima escondida no meio de tantos outros filmes
anônimos? A saga continua...
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