Síndromes de um Século
, de Apichatpong Weerasethakul

Saraband de Ingmar Bergman, Terra de Dovzhenko, Michael Mann, Richard Rush, Richard Linklater, John Sayles e Robert Wise na edição,

leia mais

Clique aqui para receber o informativo mensal com as atualizações de Contracampo.
leia mais

 
 


 
     



Terminado o Festival do Rio, a vida volta ligeiramente ao normal, as tarefas cotidianas retornam, como retorna também a relação mais tradicional com o cinema: filmes em cartaz, vídeos, filmes raros que se pega com amigos, etc. Na vida de uma revista isso também significa fazer as atividades costumeiras: levar ao ar os textos que aparecem, aprontar os textos para as novas edições, fazer a preparação para a Mostra Internacional de São Paulo.

Até aí, todas tarefas bastante prosaicas e nada dignas de interesse. Só que esse ano surgiu uma novidade. Não muito agradável, por sinal. Desde nosso começo até o ano passado, vínhamos tendo uma relação muito saudável com o credenciamento, recebendo freqüentemente as credenciais que correspondiam ao número de redatores que iam cobrir com mais afinco a Mostra para a Contracampo. E qual não é o espanto quando, antecipados por boatos de que os pedidos de credenciamento haviam chegado a níveis astronômicos, soubemos que aos veículos de internet, como regra geral, seria dada apenas uma credencial para cobertura (se tanto!), pouco importa a natureza do meio ou o tipo específico de trabalho desempenhado. Conosco não foi diferente, ao menos em primeira instância.

Ora, cabe à oganização de um evento decidir quem credenciar ou não. Essa parece uma verdade e um direito límpido. Concordamos. Mas há aí, ao menos, uma lógica um tanto bizarra que vale a pena observar. A Mostra de São Paulo desde sempre se esmerou em posicionar-se como um espaço para a diversidade de propostas cinematográficas, para a difusão de outras culturas e formas de pensamento. Se ela o faz, em maior ou menor medida, é questão para se debater. Por outro lado, parece ser ponto pacífico entre toda a comunidade cinematográfica que a internet hoje é o lugar privilegiado da crítica de cinema mais inventiva, especulativa, isenta e independente em suas propostas, já que não tem uma relação tão estrita com o mercado. Onde mais podemos achar publicados ensaios sobre Hou Hsiao-hsien, extensos dossiês sobre Manoel de Oliveira ou entrevistas com Pedro Costa? Também na cobertura de festivais, a internet vem se destacando como o espaço mais abrangente e completo, publicando críticas sobre filmes dos quais a mídia impressa nem vai saber da existência – numa mostra de mais de 300 filmes, a maioria, infelizmente – e criando bancos de dados preciosos de entrevistas e outros tipos de matérias. É curioso, então, que a organização de uma mostra que se preza pelo suposto caráter de resistência cultural venha a prestigiar, em seu credenciamento, os veículos de cobertura mais tradicional, incluindo aí aqueles que apenas se interessam em badalação e fofocas de socialites, e que o faça em detrimento de veículos que propõem uma cobertura crítica mais ambiciosa, que corre atrás para cobrir o maior número de filmes da melhor maneira possível, orientando seus leitores e tentando criar uma ordem dentro de um universo de filmes que inevitavelmente, tanto pelo grande número de títulos quanto pela enorme falta de referência a respeito deles, chama à confusão e à falta de critérios.

Resta dizer que é uma pena observar a Mostra brancaleonicamente considerar todos ou quase todos os veículos de internet segundo uma mesma categoria, e que, pior ainda, uma organização que crê defender a diversidade artística crie complicações de cobertura para os veículos de imprensa que mais propõem essa mesma liberdade crítica em seus textos e suas propostas. Quando a lógica do espetáculo e do espalhafato afeta até as decisões daqueles que se propõem como grupos de resistência aos modelos hegemônicos econômica e culturalmente, o que fazer? Cobrir a Fashion Week?

Quanto a nós, isso é só um dado menor diante da possibilidade de grandes encontros com filmes de cineastas decisivos que a programação da Mostra nos propõe. Alguns cuja beleza foi mais que confirmada no Rio, alguns cuja beleza resta a ser descoberta em São Paulo: Apichatpong Weerasethakul, Jia Zhangke, Manoel de Oliveira, Eric Khoo, Abel Ferrara... Pois a beleza é o combustível que faz com que nos desloquemos de cidade, com que gastemos nossos míseros tostões, sempre à procura de obras que, propondo outras relações de apreensão do mundo, da vida, da convivência entre pessoas, povoam nosso imaginário e nos fazem habitar melhor nosso tempo.

Além dos filmes da Mostra, nessa edição buscamos refletir sobre alguns acontecimentos decisivos nos últimos meses. Um deles foi a bela retrospectiva dedicada à diretora Agnès Varda, outra foi a percepção de que novamente o cinema americano hollywoodiano, em alguns filmes-chave, vem conjugar, de forma inesperada e estimulante, a ousadia formal com o consumo popular, a inovação com os clichês, vanguarda e tradição, fazendo surgir filmes belos e audaciosos que confiam no poder do cinema para redefinir percepções e criar beleza. Esse mês, nosso cardápio é esse. Mês que vem, quem saberá? Os mais prováveis? Ou uma obra-prima escondida no meio de tantos outros filmes anônimos? A saga continua...

 
     
  Ruy Gardnier