Essa sessão é atualizada semanalmente.

ARTIGOS
Quando os canarinhos se pintam de vermelho
(sobre o Grande Prêmio Brasil de Fórmula-1)
por Raphael Mesquita (25/10/2006)

FILMES DA SEMANA
(06 DE NOVEMBRO A 24 DE DEZEMBRO DE 2006)


Dia 06
Quase dois meses sem atualização da coluna de filmes da semana. Lamentável, vergonhoso, e ainda que os motivos pela omissão sejam justos (afinal, cobertura de Festival do Rio e Mostra precisam de todo um dispêndio de tempo e energia), pedimos desculpas a todos aqueles que semanalmente vêm aqui à procura de dicas e comentários sobre as atrações mais interessantes da vida cinematográfica em frente à televisão. Na volta das férias, nada de muito novo no panorama. A TV5 continua chinfrim, muito aquém do que já ofereceu em matéria de filmes ambiciosos e raros. O Eurochannel e o Film & Arts continuam com aquela mesma repetitiva lista de ofertas de longas-metragens, com pouca variação. E o Telecine, os cinco canais inclusos, continua sua escalada rumo ao desinteresse completo. Mas, é claro, semprem existem aqueles espaços que se abrem em meio ao marasmo, e são esses que temos que aproveitar. Como as brechas que nos últimos meses o Canal Brasil vem criando para exibir curtas-metragens antigos, como os de Ivan Cardoso e Rogério Sganzerla. Dessa vez o diretor não é da mesma envergadura, mas os temas são bem bacanas. Trata-se de dois curtas de Luiz Carlos Lacerdas feitos respectivamente em 1971 e 1968, o primeiro tratando de Nelson Pereira dos Santos e o segundo do escritor Lúcio Cardoso (que através de Paulo Cezar Saraceni tem uma íntima relação com o cinema brasileiro). Às 19:30, portanto, passa Nelson Filma: O Trajeto do Cinema Independente no Brasil, e dez minutos depois é a vez de O Enfeitiçado. A conferir, porque são chances raras de vê-los. Mais tarde, uma novidade bem-vinda na Film & Arts: um famoso programa europeu sobre variedades artísticas, The South Bank Show. No cardápio do mês tem Nick Cave e Caetano Veloso, mas nesse primeiro dia do mês passa um especial sobre cinema iraniano focando a carreira de quatro realizadores, dois dos quais nos são muito quistos por essas bandas: Abbas Kiarostami e Jafar Panahi (além do veterano Dariush Mehrjui, autor do belo e pioneiro A Vaca, e de Bahran Beizai, praticamente um anônimo no Ocidente). 23:00, Film & Arts, recado dado.
Dia 07
Sidney Lumet voltou a deslumbrar seus maiores admiradores com Find Me Guilty, seu mais recente filme que renova com seu universo de predileção, os meandros da justiça, sua complexificação, no limite sua indiscernibilidade. Um cinema de uma consistência impressionante, com um despojamento e uma agilidade, um back to basics que arrisca até confundir o espectador que exige um estilo visual mais nítido e presente. Aproveitando o novo gás dado por esse filme tão intransigente e profundamente moral em sua aparente imoralidade (para os hipócritas, claro), é a chance de assistirmos a um de seus filmes mais conhecidos, O Golpe de John Anderson (The Anderson Tapes, 1971), estrelado por Sean Connery, que passa no Film & Arts às 20:00. E é bom guardar o fôlego para o dia segiunte...
Dia 08
...em que passa mais um Sidney Lumet, Os Donos do Poder (Power, 1986), sobre um tema muito presente na sociedade brasileira dos últimos anos: o poder de consultores e marqueteiros na construção da figura pública dos políticos, e a questão da verdade e da democracia dentro disso tudo. O filme passa na Cinemax, numa sessão em homenagem a Gene Hackman. Antes disso, muito antes disso, na verdade, no ingrato horário de 06:00 da matina, o Canal Brasil passa Quem Sabe... Sabe! (1957), chanchada de Luiz de Barros estrelada por Catalano com a participação de Dolores Duran. Como não é um desses filmes que passa toda hora no canal, vale a pena prestar atenção nesse aí.
Dia 09
Joe Boyd é um nome pouco conhecido, mas é crucial para um ramo da música nos anos 60. Ele foi produtor de uma série de artistas decisivos de folk elaborado como Nick Drake, Nico, Vashti Bunyan, Incredible String Band e Fairport Convention, além de posteriormente ter produzido discos de bandas como R.E.M. e 10000 Maniacs. Joe Boyd, no entanto, também foi diretor de cinema. Tudo bem, co-diretor, ou 1/3 de diretor, mas diretor ainda assim. Ele assina a direção de A História de Jimi Hendrix (Jimi Hendrix, 1973) com John Head e Gary Weis, e com suas credenciais garante que o foco é música, não o sensacionalismo das circunstâncias de sua morte nem a vida extravagante levada pelo guitarrista que reinventou seu instrumento. O filme passa no Cinemax, às 22:00. Antes disso, o mesmo canal apresenta às 19:45 Cinzas do Paraíso (Cenizas del paraíso, 1997), terceiro longa-metragem de Marcelo Piñeyro, portanto anterior à fama com Plata quemada em 2000. Não que Piñeyro seja um realizador a se acompanhar a todo custo, longe disso, mas estando de bobeira em casa, o que custa?
Dia 10
E não é
que de vez em quando o Eurochannel nos surpreende? Essa semana, anda passando uma remessa nova de filmes da Áustria. Claro, não vimos nenhum nem temos maiores referências, então arrisque-se quem quiser, salve-se quem puder. Mas esse mês o canal oferece um ciclo dedicado a István Szabó, que começa nesse dia 10 com Mephisto (1981), filme que lhe rendeu o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1982 e prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes em 1981, além, naturalmente, de repercussão internacional. Seu estilo é pesadão, de uma solenidade que ocasiona regulares bocejos, de uma imponência meio cafona que aparece muito claramente em seus filmes mais recentes como O Caso Furtwängler e Sunshine, mas Mephisto tem alguns grandes momentos. Então acaba compensando. 22:00 no Eurochannel, portanto. Semana que vem, Coronel Redl (1985), e, na outra, Hanussen (1988).
Dia 11
A estréia no horário nobre de sábado à noite da HBO é Procura-se um Amor Que Goste de Cachorros (às 21:00), então é claro que essa batalha o Telecine Premium já ganhou de W.O., e o filme pouco importaria para determinar o resultado do embate. Mas o oponente é até honesto, trata-se de Os Irmãos Grimm (The Brothers Grimm, 2005), de Terry Gilliam. De Gilliam se pedia genialidade quando ele fazia as animações para o Monty Python Flying Circus. Depois, quando virou diretor de longas-metragens, há claramente uma eficiência de artesão misturada à mão pesada e o espalhafato freqüente na produção britânica (mesmo em filmes de produção internacional), pontuada aqui e acolá com toques de ironia e talento, but that's about it. Não vimos Os Irmãos Grimm e portanto não podemos comentar, mas vamos convir que é um agradável entretenimento de sábado à noite. 22:00, o horário de costume da rede Telecine para lançar estréias. Quem quiser atravessar a madrugada poderá ver A Imagem de um Pesadelo (Shattered Image, 1999), filme de Raul Ruiz que entrou direto para o vídeo no Brasil sem ter chegado ao circuito comercial e tampouco aos festivais. A opinião geral é que é um desses filmes que o diretor faz só para saciar o vício de ver a emulsão reagindo com a luz que bate sobre ela, e que o filme só guarda maiores interesses para os fãs ferrenhos que admiram até o sofrível Dias de Campo. Quem quiser se aventurar, pois afinal mesmo um Raul Ruiz ruim é digno de interesse, pode conferir no Cinemax às 03:00 de sábado para domingo.
Dia 12
Mais um curtinha de Ivan Cardoso na programação do Canal Brasil. Trata-se de Ruínas de Murucutu (1976), documentário abordando a trajetória da localidade no Pará desde a primeira missão jesuíta à zona de meretrício dos dias de então. Raro filme de seu ver na carreira de Ivan Cardoso, e um muito particular pelo caráter certinho da descrição (o filme, que é bom, nós não vimos) que destoa do resto de sua produção, irreverente e mais livre. Passa de manhãzinha, às 06:45. Já à meia-noite de domingo para segunda-feira, o Eurochannel exibe No Espelho de Maya Deren (Im Spiegel der Maya Deren, 2002), documentário feito por Martina Kudlácek sobre a fenomenal cineasta experimental autora de Meshes of the Afternoon e At Land. O filme ainda apresenta depoimentos de bambas do underground americano como Stan Brakhage e Jonas Mekas, além de testemunho de Amos Vogel, autor do famoso ensaio "O cinema como uma arte subversiva". Ótimo ver isso passando na nossa tv a cabo. Pena que seja apenas no terreno de documentários certinhos, e não no seio de uma programação mais ousada que vá beber diretamente nos vanguardistas. Já pensou, Jonas Mekas passando em tv aberta para todo mundo ver? O negócio é cabeça na Lua mas pé no chão

Dia 13
Marasmo total no circuito das tvs a cabo. OK, temos uma bela temporada de A Família Soprano já nos últimos episódios, temos o começo da temporada da NBA, mes esta coluna é de filmes da semana, e o negócio anda meio de amargar. Onde estão os achados do fundo do baú dos dois Cinemax? Onde está a ousadia de programação da TV5? Onde estão os canais como a RetrôTV que traziam atrações raras, bizarras e em alguns casos excelentes? É uma pena, mas nesse ano constatamos um enfraquecimento da diversidade de ofertas cinematográficas, fazendo da grade de programação um simples veículo para reexibir tudo que já foi lançado nos cinemas e/ou em dvd. As exceções são cada vez mais raras, e por isso merecem destaque. Nessa segunda, por exemplo, poderemos ver dois filmes interessantes e em alguma medida intransigentes de dois autores que pouco têm a ver. O primeiro é de Hong Kong e apareceu nos EUA pra dirigir Jean-Claude Van Damme. É certo que Tsui Hark não fez o melhor de sua produção na terra do Tio Sam, mas Golpe Fulminante (Knock Off, 1998) é um filme com ritmo frenético, extremamente bem pensado e com algumas cenas de ação bastante inventivas. Passa no Cinemax às 18:45. Mais tarde, às 21:00, passa na Universal O Tango e o Assassino (Assassination Tango, 2002), filme dirigido por Robert Duvall que segue-se ao grande filme que é O Apóstolo. Trata-se de um filme bem mais imperfeito, menos focado e coeso, mas ainda assim é um filme que denota uma sensibilidade incomum de cineasta, um gosto distintivo por certos detalhes e uma certa temporalidade, uma instalação nas situações que transcende a simples cartilha toda-poderosa da narração. Ainda que não seja um grande filme, dá para perceber que Duvall não é simplesmente um desses atores que de vez em quando gostam de exercer a veleidade da direção...
Dia 14
Em outubro essa seção semanal não foi atualizada, e deixamos de recomendar com todas as forças o ciclo de quintas-feiras dedicadas aos filmes de Buster Keaton. Vale a pena atentar para a rara oportunidade que é assistir a um filme silencioso na programação das tvs a cabo desde que o Retrô parou de ser exibido pela Directv, então salva de palmas para o Telecine Cult pela iniciativa. Nessa terça-feira, eles reprisam A Antiga e a Moderna (Three Ages, 1923), primeiro longa-metragem de Keaton, em que ele empreende uma espécie de paródia de Intolerância de Griffith ao montar paralelamente a conquista amorosa em três épocas diversas. O filme passa às 16:50, e quem não viu em outubro está intimado a ver dessa vez. E quem viu em outubro não vai precisar de intimação para querer rever essa obra não muito conhecida de um dos gigantes do período mudo, ou seja, do cinema como um todo.
Dia 15
E não é que procurando estréias interessantes a gente acha? Feriado no país, ótima ocasião para ligar à tarde e assistir no Telecine Cult a A Revanche do Monstro (Revenge of the Creature, 1955), continuação do famosíssimo O Monstro da Lagoa Negra (Creature from the Black Lagoon, 1954). Ambos são dirigidos por Jack Arnold, figura mítica do cinema fantástico na década de 50, esnobado pelo bom gosto oficial em seu tempo e recuperado tempos depois por aqueles que quando crianças se fascinavam pela elegância evocativa das imagens e por um charme todo particular que excedia o artesanato eficiente. A Revanche do Monstro não tem a mesma fama do filme que lhe antecede, mas só o fato de termos um Jack Arnold meio raro de se ver já é motivo para festa. O filme passa às 16:00. Mais tarde, no mesmo Telecine Cult, na madrugada de quarta para quinta-feira, passa É Tudo Verdade (It's All True, 1993), filme de Bill Krohn, Richard Wilson e Myron Meisel que resgata a memória da passagem de Orson Welles pelo Brasil em 1942 e o que sobrou das filmagens do longa-metragem que o diretor de Cidadão Kane fez no país. O destaque é uma versão aparentemente integral de Four Man on a Raft, um dos três episódios que estariam no filme, mas toda a reconstrução psicológica, artística e cultural é interessante e riquíssima. O diretor Bill Krohn, aliás, é também crítico e foi um dos responsáveis pela recupoeração crítica de Jack Arnold. Não é adorável quando tudo se comunica? Dose é o horário de 02:05 da matina.
Dia 16
Mais estréia no Telecine Cult. Dessa vez é Entre a Loura e a Morena (The Gang's All Here, 1943), mais uma produção extravagante de Busby Berkeley que aqui é ajudado pelo excesso encarnado que se chamava Carmen Miranda (ainda que a protagonista seja Alice Faye, e não nossa Carmen). Berkeley é mais conhecido por alguns de seus números de grandes coreografias abstratas não muito longe dos desenhos feitos em nado sincronizado, mas magnificados, extremamente belos e visualmente voluptuosos. Mas não foi só isso que BB soube fazer, e aqui ele entra na seara da screwball comedy, ou seja, a comédia de comportamentos sociais mediada por diálogos. O filme passa às 20:05. Logo depois, o jeito é correr e trocar para o Eurochannel, onde vai passar o filme Jantar para Dois (Dinner for Two, 2003) dentro da programação de filmes austríacos que o canal traz esse mês. E por que prestar atenção num desses filmes austríacos dos quais não temos nenhuma referência? Simplesmente porque o diretor é Xaver Schwarzenberger, um nome sem qualquer projeção como diretor mas alguém que como diretor de fotografia assinou algumas das mais belas imagens já produzidas no cinema, sempre para Fassbinder: O Desespero de Veronika Voss, Berlin Alexanderplatz, Querelle... É claro que ser um excelente diretor de fotografia não garante que se saiba fazer bons filmes, mas é no mínimo uma deferência necessária àquele que tanto já nos deslumbrou com suas luzes que refratam como estrelas. Compromisso às 22:00, anotar na agenda.
Dia 17
No começo da década de 90, que papel simbólico ocupavam os irmãos Coen dentro do universo do cinema?
Certamente era o topo, tendo feito em seguida Barton Fink e Ajuste Final. Mas o final da década de 90 viu esses dois irmãos começarem a ressecar seu cinema até a exaustão e a uma ultraestilização cínica que fazia do mundo um grande parque de diversões repetitivo para exercer o virtuosismo em proveito próprio. Com que graus de ansiedade ainda esperamos um filme de Ethan e Joen Coen entrar nos cinemas? Temos de convir que entre 1996 e 2006 muita coisa mudou,e a trajetória dos Coen não foi pra melhor. Em todo caso, Ajuste Final está lá, extremamente rigoroso e ainda assim vivo, pulsante. E entra na programação do Telecine Cult às 20:00. Depois disso, nova passagem ao Eurochannel, onde o canal continuará o miniciclo István Szabó exibindo Coronel Redl (Oberst Redl, 1985) às 22:00. Poderíamos repetir o que falamos dos Coen a respeito de Szabó, atrasando uma década? Tranqüilamente, mas ele nunca esteve tão alto quanto os Coen.
Dia 18
E a disputa pela melhor atração no horário nobre dessa semana, qual é? O Lenhador (The Woodsman, 2004), de Nicole Kassel, com Kevin Bacon como um pedófilo que sai da prisão e tenta se regenerar, ou Papai Bate um Bolão (Kicking & Screaming, 2005), filme estrelado por Will Ferrell que nem chegou a estrear nos cinemas? O primeiro foi visto e é bem interessante, o segundo não foi visto e interessa a princípio pela figura de Ferrell, mas isso está longe de ser garantia de alguma coisa. Em todo caso, são apostas bem pouco mainstream, e, no caso de O Lenhador, algo até mesmo ousado de ser colocado tanto em evidência, porque não é exatamente um filme para todos os públicos. O primeiro passa na HBO às 21:00 e o segundo, no Telecine Premium, às 22:00. Consideremos um empate técnico, mesmo porque a vitória é do belo Mistérios da Carne (Mysterious Skin, 2004), que passa num dos canais Cinemax – aparentemente o que reproduz três horas depois a programação, mas vai entender por quê – às 22:00. É sem dúvida o filme que recoloca Gregg Araki numa esfera de interesse em que ele nunca tinha estado realmente. Sensibilidade e timing perfeito para se instalar no seio de traumas infantis e nas diferentes reações que se pode ter a partir dele, sem julgamentos a priori ou a posteriori, simplesmente adentrando nas situações e capturando os dados de comportamento que surgem a partir delas. Um filme a ser visto, sem dúvida.
Dia 19
Aproveitando que nesse domingo não tem nenhuma atração que realmente valha a pena recomendar, vamos aqui fazer nossa homenagem a Fereydoun Hoveyda, mais famoso como embaixador e representante do Irã nas Nações Unidas, mas também um cinéfilo fervoroso e antigo colaborador de revistas como os Cahiers du Cinéma e Positif. É famosíssima na tradição crítica francesa, em especial na questão da política dos autores, sua crítica de A Bela do Bas-Fond (Party Girl, 1958) de Nicholas Ray nos Cahiers. Ora! E qual não é a coincidência de ver esse exato filme passando no TCM nacional, às 22:00. OK, é um canal que ninguém vê, que só está em algumas redes de cabo de alcance muito restrito, que eles passam filmes com dublagem e muitas vezes colorizando os filmes em p&b. Mas vale aqui a homenagem a Hoveyda, que morreu neste dia 3 de novembro, contando 82 anos. Além de escrever sobre cinema (e ter diversos livros sobre política e mundo árabe), Hoveyda foi também roteirista de Rossellini em Índia e participou como ator do primeiro longa de Eric Rohmer, O Signo do Leão. Aqui vai nossa lembrança.
(Fereydoun Hoveyda em 1942)
Dia 20
A semana começa de doer quando a gente percebe que a única estréia do dia é Querida Wendy (Dear Wendy, 2005), filmeco pra lá de mequetrefe que Lars Von Trier roteirizou e Thomas Vinterberg dirigiu. Passa no Telecine Premium às 22:00, para quem quiser se distrair com esse arremedo de provocação assinado pela duplinha dogmática dinamarquesa. Para quem busca outra coisa, o Eurochannel oferece. E é outra coisa mesmo, um filme do qual jamais ouvimos falar, mas só o tema já é inteiramente cativante. Broadway. Mar Negro (Brodvei. Chernoe more, 2002) é um documentário sobre refugiados da Rússia, da Armênia e do Azerbaijão que vivem nas praias do Mar Morto, numa localidade chamada Broadway que não tem nem pontinho no mapa. O filme passa às 22:00, e apesar de ter tido apenas 9 votos no banco de dados IMDb, sua média é muito alta para um filme com essas especificações. A conferir.
Dia 21
Nessa terça-feira, o Telecine ataca com duas reestréias em sua programação. O primeiro é Teenagers – As Apimentadas (Bring it On, 2000), primeiro longa-metragem dirigido por Peyton Read, que depois viria a dirigir o simpaticíssimo Abaixo o Amor e o nada especial Separados pelo Casamento. O filme já foi figurinha fácil da tv a cabo e volta agora. Destaque para Kirsten Dunst no elenco. Telecine Emotion, 22:00. No mesmo horário, passa no Telecine Cult o filme Exílios (Exils, 2004), filme de Tony Gatlif premiado no Festival de Cannes, também já exibido em cabo no país. O destaque do dia vai mesmo para Tell Them Who You Are (idem, 04), documentário dirigido por Mark Wexler sobre seu pai, Haskell Wexler, um dos mais renomados diretores de fotografia da história do cinema americano, tendo trabalhado em filmes como A Terra do Sonho Distante (Elia Kazan), Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (Mike Nichols) e Um Estranho no Ninho (Milos Forman), tendo recebido dois Oscars, um pelo filme de Nichols e outro por Esta Terra É Minha Terra, de Hal Ashby. Pelas descrições, o filme não é simplesmente um filho pedindo para seu pai falar, mas também uma espécie de processo analítico entre pai e filho através de uma câmera rodando. O filme passa às 14:30 no Cinemax.
Dia 22
Semana passada tivemos um Jack Arnold, nessa semana teremos outro. Trata-se de O Incrível Homem Que Encolheu (The Incredible Shrinking Man, 1957), talvez o mais conhecido filme de Jack Arnold, e provavelmente o mais poético e límpido em seu lirismo fantástico. Mas, sabe-se lá por quê, o Telecine Cult não dedica a ele um horário nobre, simplesmente a tarde de quarta às 16:25. No horário nobre, o Telecine Premium estréia às 22:00 uma espécie de spinoff da série American Pie lançado direto para o vídeo, American Pie – Tocando a Maior Zona (American Pie Presents Band Camp, 2005), dirigido por Steve Rash (que também dirigiu a terceira parte de As Apimentadas, ver lá em cima, também direto para o vídeo). No mesmo horário teremos um documentário muito interessante estreando no Cinemax, Control Room (idem, 2004). Exibido no Festival do Rio 2004, o filme é um acompanhamento das coberturas das diferentes redes de televisão da invasão americana ao Iraque, e em especial da cobertura da Al Jazeera. O filme de Jehane Noujaim tem um dispositivo básico: ele apenas observa o processo de trabalho cotidiano: como aparece uma notícia, como ela é trabalhada, como ela é interpretada, quais são as dificuldades de informação. Apenas com isso o filme já desmonta a visão preconcebida de que a Al Jazeera seria uma rede de propaganda terrorista. Recomendadíssimo. Por fim, às 22:40 o Canal Brasil exibe A Cor do Seu Destino (1986), primeiro longa-metragem dirigido por Jorge Durán, que acaba de ter seu segundo filme, o belo Proibido Proibir, estreado no circuito de festivais brasileiros. Uau, até que enfim um dia cheio de atrações!
Dia 23
Sessão dupla com Jackie Chan no Telecine Action, quem diria? O primeiro é o já bem badalado Espião por Acidente (Dak miu mai shing, 2001), de Teddy Chan, já recomendado por aqui há algumas colunas atrás. Mas o destaque mesmo é O Mito (San wa, 2005), de Stanley Tong, que reedita a dupla ator-diretor da série Police Story e de Arrebentando em Nova York, período saudoso para os maiores fãs de JC. O primeiro passa às 20:20, e o segundo, para variar, às 22:00. Considerando que o filme foi lançado no mercado de vídeo há coisa de dois meses, O Mito ganha nessa exibição um status quase de estréia nacional.
Dia 24
Hanussen (idem, 1988) é o filme com o qual a Eurochannel fecha seu miniciclo dedicado aos filmes de István Szabó
, sempre com Klaus Maria Brandauer protagonizando e o flerte com o poder opressor como tema. Dos três filmes exibidos pelo canal, é de longe o menos conhecido, não tendo sido lançado em vídeo nem sendo disponível em DVD. Portanto, ainda que Szabó não seja um cineasta de primeira grandeza, vale ficar na frente da tv às 22:00 para conferir o filme.
Dia 25
Nesse sábado a briga é boa, muito boa. Se a HBO aposta no pouco chamativo porém inédito A Sogra (Monster-in-Law, 2005), de Robert Luketic – diretor do talentoso Legalmente Loira – às 21:00, o pega-pra-capar é entre 2 Filhos de Francisco (2005), de Breno Silveira, no Telecine Premium às 22:00, Olga (2004), de Jayme Monjardim, no Canal Brasil às 23:00, e Dark Water (Honogurai mizu no soko kara, 2002) de Hideo Nakata, o filme que deu origem à versão americana boboca de Walter Salles, que passa na AXN às 22:30. Olga é inassistível, Nakata é pelo menos curioso, e o filme de Breno Silveira é um filme a se ver, definitivamente. Mas o grande destaque do dia, disparado à frente de todos os outros, é Helena Zero, o Musicaos (2006), filme de Joel Pizzini sobre Helena Ignez composto apenas de imagens de arquivo e trechos de filmes em que ela aparece, um pouco à maneira como foi feito o fabuloso Glauces – Estudo de um Rosto, do mesmo Pizzini. Quem já viu fala que é deslumbrante. Passa no Canal Brasil às 17:30.
Dia 26
Enquanto o Telecine Action estréia mais um dos filmes de heróis do universo Marvel, Elektra (idem, dir. Rob Bowman, 2005), no Telecine Action, às 22:00, o Telecine Pipoca, que não custa lembrar que é o canal para filmes dublados, isso aí, DUBLADOS, da rede Globosat, passa adivinha o quê? 2 Filhos de Francisco!!! Absolutamente genial. Tendo isso em vista, o jeito é chamar a atenção para De Salto Alto (Tacones lejanos, 1991), belíssimo e algo desconsiderado filme de Pedro Almodóvar que o A&E exibe às 22:00. É um filme que fica cada vez mais interessante à medida que a obra de Almodóvar progride, pois o melodrama, a verdade através do artifício, a questão da maternidade, tudo isso está lá muito claramente. É só aproveitar. Ver e rever Volver, claro, e depois voltar a De Salto Alto.
Dia 27
Clean, de Olivier Assayas, foi a apresentação do diretor francês ao circuito exibidor de cinema. Mas Assayas é um conhecido longevo do espectador de tv a cabo, já tendo sido exibido com seu maravilhoso Água Fria e com os belos Os Destinos Sentimentais e Espionagem na Rede (lamentável título dado a demonlover). Fora Une nouvelle vie, exibido sem legendas pela TV5 há anos e anos. De todos os seus filmes, Clean é aquele que tem uma temporalidade mais convencional, mas ainda assim percebe-se uma câmera pronta para captar as intensidades e os ritmos dos corpos, em especial aquele de Maggie Cheung, exuberante, senhora da tela. Miss Maggie, aliás, já havia protagonizado de Irma Vep do mesmo Assayas, e o filme chegou até a ser exibido na tv aberta, a Cultura, na sessãozinha marota da Mostra de São Paulo. Mas Clean, como já fôra Os Destinos Sentimentais anteriormente, é um filme sobre maturidade, sobre sair de um estágio de descontrole e se achar num ambiente mais estável, estriado, sobre com se comportar num ambiente já dado, com regras já prontas. Dada a inesperada morosidade de Clean em alguns momentos, poderíamos até conceber um clima de atenuação, de assimilação. Tomara que isso não corresponda a um flerte com o mainstream e o freqüente sell-out que isso costuma representar. Ao menos, Assayas ainda se dá a liberdade de fazer filmes como Noise, um documentário sobre um festival de música noise em que estavam seus freqüentes parceiros Sonic Youth (que fizeram trilha para demonlover e tiveram sua "Contre le sexisme" tocada em Fim de Agosto, Começo de Setembro), como Mirror/Dash. Alô, pessoal dos festivais: alguma chance da gente ver isso grande e alto no ano que vem? Clean passa no Telecine Premium às 23:45.
Dia 28
Antes a sessão É Tudo Verdade dava mais água na boca? Dava, claro. É certo que o documentário brasileiro não é exatamente uma fonte inesgotável de maravilhas, mas vemos agora uma oficialidade nos programas, uma facilidade na curadoria que destoa de algumas escolhas efusivas e da exibição de algumas raridades às quais tiramos todo o chapéu possível. Agora, para falar de João Cabral de Melo Neto, a sessão irá reexibir o filme que David E. Neves dedicou a JCMN em sua série com Fernando Sabino – Joćo Cabral de Melo Neto - O Curso do Poeta (1974) – e exibirá Recife/Sevilha: João Cabral de Melo Neto, de Bebeto Abranches, que é interessante no que mostra mas funciona mais como uma boa reportagem/retrato do que propriamente como algo de mais fôlego, especialmente no que diz respeito a como o cinema poderia evocar a relação da poesia com as duas cidades anunciadas no título. Restrito ao papel de registro, o cinema faz seu tênue papel, e o filme é bem sucedido em seu tênue objetivo. Ainda assim, é um filme digno de nota, em especial para os admiradores desse gênio que era João Cabral. A sessão pasa no horário de sempre, 22:35. Mais tarde, algo mais difícil de se ver: Martinho da Vila (1977), curta-metragem de Ari Cândido Fernandes que documenta a passagem do cantor e compositor pela França. A não deixar passar.
Dia 29
De novo sessão matinê com Jack Arnold num de seus clássicos, que também é um clássico da sci-fi dos anos 50: A Ameaça Que Veio do Espaço, mais conhecido – até no Brasil – por seu nome original, It Came from Outer Space (1953). O filme foi concebido originalmente como 3D, então vendo pela televisão a gente vai ficar se perguntando por que tantos objetos parecem ser jogados para perto da tela, quantas mãos chegam perto, etc. Isso se perde na tradução, infelizmente. Outro atrativo é o fato de partir de uma história de Ray Bradbury. Passa no estranho horário de 16:25, incompreensível. Jack Arnold fica tão melhor às 23:00 ou à meia-noite... Já na madrugada, teremos como atração uma reprise do miniciclo anos 70 de Glauber Rocha feita há mais de um ano. Na terça-feira foi Câncer, nesta quarta é o mais raro Cabezas cortadas (1970), que, bem, é possivelmente o filme menos interessante de seu realizador. Em todo caso, passa às 02:15 e todo mundo que nunca viu tem que ver. Porque Glauber não é Cacá não.
Dia 30
E as quintas-feiras estão virando os dias de destaque no Telecine Action? Semana passada foi a estréia de O Mito, de Stanley Tong e Jackie Chan. Dessa vez, uma dose dupla que, se não tem credenciais tão fortes, ao menos tem o caráter do exótico e do ineditismo: dois filmes de ação vindos da Tailândia. É uma das graças da tv a cabo: propor atrações que, boas ou ruins, ao menos nos dão opções fora do mercado mais costumeiro de filmes oferecidos. Aumentar o repertório, enfim. Às 20:05, o TCA passa Ong-Bak: Guerreiro Sagrado (Ong-Bak, 2003), de Prachya Pinkaew, e em seguida, às 22:00, passa Nascido para Lutar (Kerd ma lui, 2004), de Panna Rittikrai. Dois grandes sucessos no circuito comercial tailandês, dois filmes que fizeram de seus protagonistas verdadeiros astros do cinema local. OK, isso não são credenciais que atiçam o interesse específico do leitor da Contracampo, mas, ora bolas, um pouquinho de interesse etnocinematográfico, vamos lá! Já o Eurochannel dedica sua enésima Noite Nostalgia a Bernardo Bertolucci, exibindo às 22:00 um documentário sobre ele (que o site nem se dá o trabalho de dizer qual é) e, meia-hora depois, La commare secca (1962), primeiro longa de BB, recentemente lançado no Brasil com o título A Morte.
Dia 01º/12
Sobre Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset, 2004), de Richard Linklater
, falou-se muito numa virtude rohmeriana de evocação da luz natural, do uso das locações reais, da vida tomada como fluxo, etc. A comparação me parece um pouco capenga. Capenga sobretudo porque o filme não consegue se entregar inteiramente aos dois personagens, mas fica tentando fazer o dever de casa – conscientizador, militante en douce – de inscrever esses jovens em suas gerações, aspirações, seu lugar no mundo, ou seja, na costumeira confusão que faz Linklater entre a arte do diálogo em Godard e a professoralidade meio titio-gente-boa de um, sei lá, Serginho Groisman. Isso faz da primeira meia hora de filme um brochante natural. Graças ao bom pai, todo o papo cabeça geração X começa a desaparecer e os dois personagens ficam entregues a si mesmos e aos seus sentimentos, e temos finalmente a possibilidade de reacender nossa saudade pelo original de 1995. Que dizer dos minutos finais? Digamos o mínimo: todos os suspiros que eles arrancam das mocinhas românticas é merecido. Momento preciso de acabar, e Julie Delpy dançando ao som de Nina Simone é tão fácil de encantar que fica covardia. Apaixona mesmo assim. Talvez aí, sim, possamos ver funcionando algo de Lubitsch, mais Rohmer, mais Eustache, mais alguma outra coisa inassinalável. Como os filmes podem causar reações diferentes, contrastantes mesmo... Aos que quiserem ver, ou rever, Antes do Pôr-do-Sol, o filme passa na HBO às 22:45.
Dia 02
Nunca houve sábado tão fácil para o Telecine Premium. Não só eles exibirão um filmaço como o filme que a HBO passa é tão desprezível do ponto de vista de atração que vamos passar ao largo. Mas não passaremos ao largo da "Seleção brasileira" do Canal Brasil. Quem veste a amarelinha é Diário de um Novo Mundo (2005), de Paulo Nascimento, longa-metragem considerado por quem viu como o triunfo da inoperância e do qualquer coisa, um daqueles filmes que desperta a sensação de vergonha alheia no espectador generoso. Como curiosidade, resta o fato de que é um filme de produção catarinense, raro caso na produção nacional. Sorte que a amarelinha da verdadeira seleção brasileira não é vestida por esses luminares, e sorte que os programadores do Canal Brasil não são técnicos de futebol. No Telecine Premium, atenção para a estréia às 22:00 de Terra dos Mortos (Land of the Dead, 2004), de George A. Romero, verdadeiro filme político que faz na partilha de poderes e obrigações, como consegue curto-circuitar a questão da hecatombe zumbi com os acontecimentos da política americana em suas relações exteriores, e sobretudo na maneira como atribuem caráter e dignidade aos mortos-vivos, agora tornados povo, conscientes, excluídos, injustiçados. Um sopro anarquizante que faz uma falta enorme a esse novo cinema de terror americano baseado simplesmente nos efeitos de roteiro e numa fascinação sádica pela tortura. Por fim, fechando a noite, poderemos ligar no Cinemax à 1 da manhã de sábado para domingo e assistir, ver e rever sempre que possível a obra-prima que é Elefante (Elephant, 2003) de Gus Van Sant. Já falamos muito sobre o filme, quando exibido nos festivais e quando entrou em cartaz. Só veja. Reveja.
Dia 03
Jorge Furtado será o convidado especial da já costumeira parceria entre Sessão Cineclube e Curta Cinema, e Jorge Furtado passa no canal Cinemax às 18:30, com seu primeiro longa-metragem, Houve uma Vez Dois Verões (2003). É sempre bom ver um longa-metragem brasileiro sendo exibido fora do gueto que é o Canal Brasil, e nesse caso um bom filme. As limitações são meio naturais: a luz parece de telefilme, o filme parece dar muito mais atenção à história do que aos aspectos de construção cênica/visual, e nem pensar da questão da inscrição dos personagens e da câmera em espaços. É um pouco como se tudo fosse pano de fundo para o desenrolar imprevisível, rocambolesco das intrigas, e para as emoções adolescentes de seus personagens. No que se propõe, o filme se resolve até que bem, com um bocado de fluência e charme lo-fi. Mas o verdadeiro destaque do dia é Sympathy for the Devil, ou One Plus One (1968), mais famoso dentre os filmes militantes de Godard, misturando Rolling Stones, Panteras Negras, maoísmo, feminismo e tutti quanti num mesmo amálgama de provocação e num projeto que muito lhe apetecia no momento (a eles e a mais alguns cineastas, na verdade), que era a crítica do próprio espetáculo. Nesse sentido, o fim do filme é um verdadeiro emblema: um cadáver sendo carregado numa grua, a grua, claro, como signo maior do cinema de grandes orçamentos e grande poder sensacionalista. Quer dizer, esse é o filme da versão original. Existe uma outra montagem que não apresenta essa seqüência. Esperamos que o Telecine Cult passe às 22:00 o filme na versão tal qual imaginada pelo seu realizador. Godard é um mundo.

Dias 4 a 17/12 (coluna não publicada)
Dia 18
Se existe um Papai Noel dos cinéfilos que acompanham a programação da tv a cabo, nós não fomos boas crianças. Não só o ano foi afetado por uma sensível queda de interesse e diversidade das ofertas de filmes. A penúltima semana do ano não segue lá um curso muito diferente, apresenta mesmo uma seleção francamente menos interessante do que de costume. Mas vamos lá que período de festas é sempre um momento propício para exercitar a tolerância e se contentar com as bobagens que nossas programadoras insistem em passar. Nessa segunda, até sobrou um espacinho bem lá de madrugada para opções não muito batidas e verdadeiramente dignas de interesse. Às quatro da manhã o Canal Brasil passa um raro curta-metragem de Sergio Santeiro (dos belos Humor Amargo e Ismail Nery), Indústria do Solúvel (1971), sobre café, e em seguida, às 4:30, passa O Pornógrafo (1970), único longa-metragem de João Callegaro, belo e pouquíssimo conhecido filme da facção paulista do cinema marginal, companheirismo com Antonio Lima, Jairo Ferreira e Carlos Reichenbach circulando pela Boca do Lixo propondo cinema ágil, entrando no coração do mau gosto e do cinema de gênero para dali extrair suas peças finas, raras e rudes. É tarde mas vale ver. Ou gravar.
Dia 19
Dois filmes independentes americanos que tiveram uma certa repercussão boa na crítica internacional e chegaram a entrar por aqui em circuitinho e festivais, Pacto Maldito (Mean Creek, de Aaron Jacob Estes) e Prova de Amor (All the Real Girls, de David Gordon Green) passam respectivamente no Telecine Premium e no Cinemax, às 23:40 e 20:00. Boa oportunidade para se familiarizar com o cinema de dois realizadores algo talentosos, elogiados, que não estão no primeiro escalão dos fazedores de imagens contenporâneos mas ainda assim são bem dignos de atenção. Mas o destaque verdadeiro do dia vem novamente do Canal Brasil, às 23:40, com a reprise bem vinda de Talento Demais (1995), de Edgard Navarro, pegando carona na ótima recepção que o lindo Eu Me Lembro teve entre o público dito especializado. Antes disso, às 20:00, passa Manual de Barros (2006), filme de uma hora do incansável Joel Pizzini, que quando a gente vê já tem quinze novos filmes e a gente sempre tenta se atualizar da melhor maneira. Como o título sugere, o filme é uma entrada lúdica no universo de Manoel de Barros.
Dia 20
Aproveitando que o belo Mundo Novo de Emanuele Crialese acaba de passar numa mostra de filmes italianos exibidos esse ano em Veneza, que tal aproveitar uma ocasião para ver seu filme imediatamente anterior, o exuberante Respiro (2004)? Entrevistamos Crialese aqui sobre esse filme, e se de certa forma Mundo Novo persegue um outro caminho, outros climas, outras atmosferas, as rusgas entre um universo originário, "primitivo", fulgurante, e a desafecção do mundo racionalizado, normal, que inscreve cada um em seus lugares já assinalados aí permanecem. Filme de uma sensualidade forte, de uma presença física da paisagem e da protagonista, interpretada por Valeria Golino, Respiro faz muito pensar em Cassavetes e Gena Rowlands. O filme passa no Telecine Cult, cultíssimo, ahan, sei, às 22:00.
Dia 21
Tentamos, tentamos, mas foi realmente impossível recomendar algo que fugisse um pouquinho às coisas mais óbvias ou àquilo que já recomendamos aqui mesmo nesta seção. Tem Cassi Jones no Canal Brasil. Já recomendamos ele aqui, provavelmente mais de uma vez até. Não é top de linha, mas é dirigido por Luís Sérgio person e protagonizado por Paulo José. As credenciais contam.
Dia 22
E não é que o Telecine Cult de vez em quando nos surpreende e realmente passa filmes que são ao mesmo tempo de difícil acesso, interessantes
e que fazem jus ao nome do canal? Às 22:00, o TCC passa Procura Insaciável (Taking Off, 1971), primeiro longe-metragem americano de Milos Forman, depois de três longas extremamente elogiados na Tchecoslováquia, inscrevendo o país no surto de renovação de linguagem dos novos cinemas dos anos 60, como bem se sabe. Não é estréia, já recomendamos antes, mas tá aí e vale a pena. Antes dele, no mesmo canal, passa um filme que estava meio sumido desde a época em que o Cult era Classic, O Homem Que Quis Matar Hitler (Man Hunt, 1941), sexto filme de Fritz Lang nos Estados Unidos, estrelado por Walter Pidgeon. Quando se passa uma coisa dessas, tem que prestigiar.
Dia 23
As estréias da véspera de véspera de Natal são tão desanimadoras que não vale a pena nem ficar listando o que entra na HBO ou no Telecine Premium. O jeito é se contentar com a exibição (não estréia) do filme de Bruno Podalydès Le Mystère de la chambre jaune (2003). Podalydès merece atenção nem que seja pelo belo Só Deus Sabe (Diel seul me voit, 1998), que nunca entrou em cartaz mas passa de vez em quando nas mostras organizadas com acervo da Maison de France. Infelizmente, seus filmes mais recentes não têm a mesma receptividade deste último, apesar de serem admirados com algum entusiasmo. Vale a pena considerar. Antes disso, cabe à Disney passar o filme mais interessante com temática natalina da semana. Trata-se de O Estranho Mundo de Jack (Tim Burton's Nightmare Before Christmas, 1993), que prefere o minoritário ao unanimista, a visão parcial ao fascismo de grupo tão comuns nesses momentos de criação forçada e meio hipócrita de feelgood e generosidade. O filme passa às 20:00, e quem não viu tem que ver. Quem viu sabe que vale a pena rever.
Dia 24
Dia 24 é sempre aquele tédio televisivo. Ai daqueles que precisam encontrar na tv um refúgio aos papos familiares meio enfadonhos, porque tudo que se vê é especial da Xuxa, missa do galo e outros espetáculos de baixo calão. Como no terreno dos filmes também não existe nenhum porto seguro que seja garantia de excelente companhia, recomendemos este O Expresso Polar (The Polar Express, 2004), de Robert Zemeckis, que, apesar da maior parte das reações ter sido negativa, conseguiu adesão frente a alguns críticos importantes lá fora, em especial Dave Kehr. Por aqui não vimos, esnobando o realizador de Forrest Gump... Será que deveríamos, ao contrário, ter prestigiado o autor dos belos Back to the Future? O filme passa na HBO Family às 21:00. Boas festas.
Ruy Gardnier

 

 
O Homem Que Quis Matar Hitler (Man Hunt, 1941), de Fritz Lang, passa no Telecine Cult
na sexta-feira às 20:05.

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