ARTIGOS
Quando os canarinhos
se pintam de vermelho
(sobre o Grande Prêmio Brasil de Fórmula-1)
por Raphael Mesquita (25/10/2006)
FILMES DA SEMANA
(06 DE NOVEMBRO A 24 DE DEZEMBRO DE 2006)
Dia 06
Quase dois meses sem atualização da coluna
de filmes da semana. Lamentável, vergonhoso,
e ainda que os motivos pela omissão sejam justos
(afinal, cobertura de Festival do Rio e Mostra precisam
de todo um dispêndio de tempo e energia), pedimos
desculpas a todos aqueles que semanalmente vêm
aqui à procura de dicas e comentários
sobre as atrações mais interessantes da
vida cinematográfica em frente à televisão.
Na volta das férias, nada de muito novo no panorama.
A TV5 continua chinfrim, muito aquém do que já
ofereceu em matéria de filmes ambiciosos e raros.
O Eurochannel e o Film & Arts continuam com aquela
mesma repetitiva lista de ofertas de longas-metragens,
com pouca variação. E o Telecine, os cinco
canais inclusos, continua sua escalada rumo ao desinteresse
completo. Mas, é claro, semprem existem aqueles
espaços que se abrem em meio ao marasmo, e são
esses que temos que aproveitar. Como as brechas que
nos últimos meses o Canal Brasil vem criando
para exibir curtas-metragens antigos, como os de Ivan
Cardoso e Rogério Sganzerla. Dessa vez o diretor
não é da mesma envergadura, mas os temas
são bem bacanas. Trata-se de dois curtas de Luiz
Carlos Lacerdas feitos respectivamente em 1971 e 1968,
o primeiro tratando de Nelson Pereira dos Santos e o
segundo do escritor Lúcio Cardoso (que através
de Paulo Cezar Saraceni tem uma íntima relação
com o cinema brasileiro). Às 19:30, portanto,
passa Nelson Filma: O Trajeto do Cinema Independente
no Brasil, e dez minutos depois é a vez de
O Enfeitiçado. A conferir, porque são
chances raras de vê-los. Mais tarde, uma novidade
bem-vinda na Film & Arts: um famoso programa europeu
sobre variedades artísticas, The South Bank Show.
No cardápio do mês tem Nick Cave e Caetano
Veloso, mas nesse primeiro dia do mês passa um
especial sobre cinema iraniano focando a carreira de
quatro realizadores, dois dos quais nos são muito
quistos por essas bandas: Abbas Kiarostami e Jafar Panahi
(além do veterano Dariush Mehrjui, autor do belo
e pioneiro A Vaca, e de Bahran Beizai, praticamente
um anônimo no Ocidente). 23:00, Film & Arts,
recado dado.
Dia 07
Sidney Lumet voltou a deslumbrar seus maiores admiradores
com Find Me Guilty, seu mais recente filme que
renova com seu universo de predileção,
os meandros da justiça, sua complexificação,
no limite sua indiscernibilidade. Um cinema de uma consistência
impressionante, com um despojamento e uma agilidade,
um back to basics que arrisca até confundir
o espectador que exige um estilo visual mais nítido
e presente. Aproveitando o novo gás dado por
esse filme tão intransigente e profundamente
moral em sua aparente imoralidade (para os hipócritas,
claro), é a chance de assistirmos a um de seus
filmes mais conhecidos, O Golpe de John Anderson
(The Anderson Tapes, 1971), estrelado por Sean
Connery, que passa no Film & Arts às 20:00.
E é bom guardar o fôlego para o dia segiunte...
Dia 08
...em que passa mais um Sidney Lumet, Os Donos do
Poder (Power, 1986), sobre um tema muito
presente na sociedade brasileira dos últimos
anos: o poder de consultores e marqueteiros na construção
da figura pública dos políticos, e a questão
da verdade e da democracia dentro disso tudo. O filme
passa na Cinemax, numa sessão em homenagem a
Gene Hackman. Antes disso, muito antes disso, na verdade,
no ingrato horário de 06:00 da matina, o Canal
Brasil passa Quem Sabe... Sabe! (1957), chanchada
de Luiz de Barros estrelada por Catalano com a participação
de Dolores Duran. Como não é um desses
filmes que passa toda hora no canal, vale a pena prestar
atenção nesse aí.
Dia 09
Joe Boyd é um nome pouco conhecido, mas é
crucial para um ramo da música nos anos 60. Ele
foi produtor de uma série de artistas decisivos
de folk elaborado como Nick Drake, Nico, Vashti
Bunyan, Incredible String Band e Fairport Convention,
além de posteriormente ter produzido discos de
bandas como R.E.M. e 10000 Maniacs. Joe Boyd, no entanto,
também foi diretor de cinema. Tudo bem, co-diretor,
ou 1/3 de diretor, mas diretor ainda assim. Ele assina
a direção de A História de Jimi
Hendrix (Jimi Hendrix, 1973) com John Head
e Gary Weis, e com suas credenciais garante que o foco
é música, não o sensacionalismo
das circunstâncias de sua morte nem a vida extravagante
levada pelo guitarrista que reinventou seu instrumento.
O filme passa no Cinemax, às 22:00. Antes disso,
o mesmo canal apresenta às 19:45 Cinzas do
Paraíso (Cenizas del paraíso,
1997), terceiro longa-metragem de Marcelo Piñeyro,
portanto anterior à fama com Plata quemada
em 2000. Não que Piñeyro seja um realizador
a se acompanhar a todo custo, longe disso, mas estando
de bobeira em casa, o que custa?
Dia 10
E não é
que de vez em quando o Eurochannel nos surpreende? Essa
semana, anda passando uma remessa nova de filmes da
Áustria. Claro, não vimos nenhum nem temos
maiores referências, então arrisque-se
quem quiser, salve-se quem puder. Mas esse mês
o canal oferece um ciclo dedicado a István Szabó,
que começa nesse dia 10 com Mephisto (1981),
filme que lhe rendeu o Oscar de melhor filme estrangeiro
em 1982 e prêmio de melhor roteiro no Festival
de Cannes em 1981, além, naturalmente, de repercussão
internacional. Seu estilo é pesadão, de
uma solenidade que ocasiona regulares bocejos, de uma
imponência meio cafona que aparece muito claramente
em seus filmes mais recentes como O Caso Furtwängler
e Sunshine, mas Mephisto tem alguns grandes
momentos. Então acaba compensando. 22:00 no Eurochannel,
portanto. Semana que vem, Coronel Redl (1985),
e, na outra, Hanussen (1988).
Dia 11
A estréia no horário nobre de sábado
à noite da HBO é Procura-se um Amor
Que Goste de Cachorros (às 21:00), então
é claro que essa batalha o Telecine Premium já
ganhou de W.O., e o filme pouco importaria para determinar
o resultado do embate. Mas o oponente é até
honesto, trata-se de Os Irmãos Grimm (The
Brothers Grimm, 2005), de Terry Gilliam. De Gilliam
se pedia genialidade quando ele fazia as animações
para o Monty Python Flying Circus. Depois, quando virou
diretor de longas-metragens, há claramente uma
eficiência de artesão misturada à
mão pesada e o espalhafato freqüente na
produção britânica (mesmo em filmes
de produção internacional), pontuada aqui
e acolá com toques de ironia e talento, but
that's about it. Não vimos Os Irmãos
Grimm e portanto não podemos comentar, mas
vamos convir que é um agradável entretenimento
de sábado à noite. 22:00, o horário
de costume da rede Telecine para lançar estréias.
Quem quiser atravessar a madrugada poderá ver
A Imagem de um Pesadelo (Shattered Image,
1999), filme de Raul Ruiz que entrou direto para o vídeo
no Brasil sem ter chegado ao circuito comercial e tampouco
aos festivais. A opinião geral é que é
um desses filmes que o diretor faz só para saciar
o vício de ver a emulsão reagindo com
a luz que bate sobre ela, e que o filme só guarda
maiores interesses para os fãs ferrenhos que
admiram até o sofrível Dias de Campo.
Quem quiser se aventurar, pois afinal mesmo um Raul
Ruiz ruim é digno de interesse, pode conferir
no Cinemax às 03:00 de sábado para domingo.
Dia 12
Mais um curtinha de Ivan Cardoso na programação
do Canal Brasil. Trata-se de Ruínas de Murucutu
(1976), documentário abordando a trajetória
da localidade no Pará desde a primeira missão
jesuíta à zona de meretrício dos
dias de então. Raro filme de seu ver na carreira
de Ivan Cardoso, e um muito particular pelo caráter
certinho da descrição (o filme, que é
bom, nós não vimos) que destoa do resto
de sua produção, irreverente e mais livre.
Passa de manhãzinha, às 06:45. Já
à meia-noite de domingo para segunda-feira, o
Eurochannel exibe No Espelho de Maya Deren (Im
Spiegel der Maya Deren, 2002), documentário
feito por Martina Kudlácek sobre a fenomenal
cineasta experimental autora de Meshes of the Afternoon
e At Land. O filme ainda apresenta depoimentos
de bambas do underground americano como Stan Brakhage
e Jonas Mekas, além de testemunho de Amos Vogel,
autor do famoso ensaio "O cinema como uma arte
subversiva". Ótimo ver isso passando na
nossa tv a cabo. Pena que seja apenas no terreno de
documentários certinhos, e não no seio
de uma programação mais ousada que vá
beber diretamente nos vanguardistas. Já pensou,
Jonas Mekas passando em tv aberta para todo mundo ver?
O negócio é cabeça na Lua mas pé
no chão
Dia 13
Marasmo total no circuito das tvs a cabo. OK, temos
uma bela temporada de A Família Soprano
já nos últimos episódios, temos
o começo da temporada da NBA, mes esta coluna
é de filmes da semana, e o negócio anda
meio de amargar. Onde estão os achados do fundo
do baú dos dois Cinemax? Onde está a ousadia
de programação da TV5? Onde estão
os canais como a RetrôTV que traziam atrações
raras, bizarras e em alguns casos excelentes? É
uma pena, mas nesse ano constatamos um enfraquecimento
da diversidade de ofertas cinematográficas, fazendo
da grade de programação um simples veículo
para reexibir tudo que já foi lançado
nos cinemas e/ou em dvd. As exceções são
cada vez mais raras, e por isso merecem destaque. Nessa
segunda, por exemplo, poderemos ver dois filmes interessantes
e em alguma medida intransigentes de dois autores que
pouco têm a ver. O primeiro é de Hong Kong
e apareceu nos EUA pra dirigir Jean-Claude Van Damme.
É certo que Tsui Hark não fez o melhor
de sua produção na terra do Tio Sam, mas
Golpe Fulminante (Knock Off, 1998) é
um filme com ritmo frenético, extremamente bem
pensado e com algumas cenas de ação bastante
inventivas. Passa no Cinemax às 18:45. Mais tarde,
às 21:00, passa na Universal O Tango e o Assassino
(Assassination Tango, 2002), filme dirigido por
Robert Duvall que segue-se ao grande filme que é
O Apóstolo. Trata-se de um filme bem mais
imperfeito, menos focado e coeso, mas ainda assim é
um filme que denota uma sensibilidade incomum de cineasta,
um gosto distintivo por certos detalhes e uma certa
temporalidade, uma instalação nas situações
que transcende a simples cartilha toda-poderosa da narração.
Ainda que não seja um grande filme, dá
para perceber que Duvall não é simplesmente
um desses atores que de vez em quando gostam de exercer
a veleidade da direção...
Dia 14
Em outubro essa seção semanal não
foi atualizada, e deixamos de recomendar com todas as
forças o ciclo de quintas-feiras dedicadas aos
filmes de Buster Keaton. Vale a pena atentar para a
rara oportunidade que é assistir a um filme silencioso
na programação das tvs a cabo desde que
o Retrô parou de ser exibido pela Directv, então
salva de palmas para o Telecine Cult pela iniciativa.
Nessa terça-feira, eles reprisam A Antiga
e a Moderna (Three Ages, 1923), primeiro
longa-metragem de Keaton, em que ele empreende uma espécie
de paródia de Intolerância de Griffith
ao montar paralelamente a conquista amorosa em três
épocas diversas. O filme passa às 16:50,
e quem não viu em outubro está intimado
a ver dessa vez. E quem viu em outubro não vai
precisar de intimação para querer rever
essa obra não muito conhecida de um dos gigantes
do período mudo, ou seja, do cinema como um todo.
Dia 15
E não é que procurando estréias
interessantes a gente acha? Feriado no país,
ótima ocasião para ligar à tarde
e assistir no Telecine Cult a A Revanche do Monstro
(Revenge of the Creature, 1955), continuação
do famosíssimo O Monstro da Lagoa Negra
(Creature from the Black Lagoon, 1954). Ambos
são dirigidos por Jack Arnold, figura mítica
do cinema fantástico na década de 50,
esnobado pelo bom gosto oficial em seu tempo e recuperado
tempos depois por aqueles que quando crianças
se fascinavam pela elegância evocativa das imagens
e por um charme todo particular que excedia o artesanato
eficiente. A Revanche do Monstro não tem a mesma
fama do filme que lhe antecede, mas só o fato
de termos um Jack Arnold meio raro de se ver já
é motivo para festa. O filme passa às
16:00. Mais tarde, no mesmo Telecine Cult, na madrugada
de quarta para quinta-feira, passa É Tudo
Verdade (It's All True, 1993), filme de Bill
Krohn, Richard Wilson e Myron Meisel que resgata a memória
da passagem de Orson Welles pelo Brasil em 1942 e o
que sobrou das filmagens do longa-metragem que o diretor
de Cidadão Kane fez no país. O
destaque é uma versão aparentemente integral
de Four Man on a Raft, um dos três episódios
que estariam no filme, mas toda a reconstrução
psicológica, artística e cultural é
interessante e riquíssima. O diretor Bill Krohn,
aliás, é também crítico
e foi um dos responsáveis pela recupoeração
crítica de Jack Arnold. Não é adorável
quando tudo se comunica? Dose é o horário
de 02:05 da matina.
Dia 16
Mais estréia no Telecine Cult. Dessa vez é
Entre a Loura e a Morena (The Gang's All Here,
1943), mais uma produção extravagante
de Busby Berkeley que aqui é ajudado pelo excesso
encarnado que se chamava Carmen Miranda (ainda que a
protagonista seja Alice Faye, e não nossa Carmen).
Berkeley é mais conhecido por alguns de seus
números de grandes coreografias abstratas não
muito longe dos desenhos feitos em nado sincronizado,
mas magnificados, extremamente belos e visualmente voluptuosos.
Mas não foi só isso que BB soube fazer,
e aqui ele entra na seara da screwball comedy,
ou seja, a comédia de comportamentos sociais
mediada por diálogos. O filme passa às
20:05. Logo depois, o jeito é correr e trocar
para o Eurochannel, onde vai passar o filme Jantar
para Dois (Dinner for Two, 2003) dentro da
programação de filmes austríacos
que o canal traz esse mês. E por que prestar atenção
num desses filmes austríacos dos quais não
temos nenhuma referência? Simplesmente porque
o diretor é Xaver Schwarzenberger, um nome sem
qualquer projeção como diretor mas alguém
que como diretor de fotografia assinou algumas das mais
belas imagens já produzidas no cinema, sempre
para Fassbinder: O Desespero de Veronika Voss,
Berlin Alexanderplatz, Querelle... É
claro que ser um excelente diretor de fotografia não
garante que se saiba fazer bons filmes, mas é
no mínimo uma deferência necessária
àquele que tanto já nos deslumbrou com
suas luzes que refratam como estrelas. Compromisso às
22:00, anotar na agenda.
Dia 17
No começo da década de 90, que papel simbólico
ocupavam os irmãos Coen dentro do universo do
cinema? Certamente
era o topo, tendo feito em seguida Barton Fink
e Ajuste Final. Mas o final da década
de 90 viu esses dois irmãos começarem
a ressecar seu cinema até a exaustão e
a uma ultraestilização cínica que
fazia do mundo um grande parque de diversões
repetitivo para exercer o virtuosismo em proveito próprio.
Com que graus de ansiedade ainda esperamos um filme
de Ethan e Joen Coen entrar nos cinemas? Temos de convir
que entre 1996 e 2006 muita coisa mudou,e a trajetória
dos Coen não foi pra melhor. Em todo caso, Ajuste
Final está lá, extremamente rigoroso
e ainda assim vivo, pulsante. E entra na programação
do Telecine Cult às 20:00. Depois disso, nova
passagem ao Eurochannel, onde o canal continuará
o miniciclo István Szabó exibindo Coronel
Redl (Oberst Redl, 1985) às 22:00.
Poderíamos repetir o que falamos dos Coen a respeito
de Szabó, atrasando uma década? Tranqüilamente,
mas ele nunca esteve tão alto quanto os Coen.
Dia 18
E a disputa pela melhor atração no horário
nobre dessa semana, qual é? O Lenhador
(The Woodsman, 2004), de Nicole Kassel, com Kevin
Bacon como um pedófilo que sai da prisão
e tenta se regenerar, ou Papai Bate um Bolão
(Kicking & Screaming, 2005), filme estrelado
por Will Ferrell que nem chegou a estrear nos cinemas?
O primeiro foi visto e é bem interessante, o
segundo não foi visto e interessa a princípio
pela figura de Ferrell, mas isso está longe de
ser garantia de alguma coisa. Em todo caso, são
apostas bem pouco mainstream, e, no caso de O
Lenhador, algo até mesmo ousado de ser colocado
tanto em evidência, porque não é
exatamente um filme para todos os públicos. O
primeiro passa na HBO às 21:00 e o segundo, no
Telecine Premium, às 22:00. Consideremos um empate
técnico, mesmo porque a vitória é
do belo Mistérios da Carne (Mysterious
Skin, 2004), que passa num dos canais Cinemax
aparentemente o que reproduz três horas depois
a programação, mas vai entender por quê
às 22:00. É sem dúvida o
filme que recoloca Gregg Araki numa esfera de interesse
em que ele nunca tinha estado realmente. Sensibilidade
e timing perfeito para se instalar no seio de
traumas infantis e nas diferentes reações
que se pode ter a partir dele, sem julgamentos a priori
ou a posteriori, simplesmente adentrando nas situações
e capturando os dados de comportamento que surgem a
partir delas. Um filme a ser visto, sem dúvida.
Dia 19
Aproveitando que nesse domingo não tem nenhuma
atração que realmente valha a pena recomendar,
vamos aqui fazer nossa homenagem a Fereydoun Hoveyda,
mais famoso como embaixador e representante do Irã
nas Nações Unidas, mas também um
cinéfilo fervoroso e antigo colaborador de revistas
como os Cahiers du Cinéma e Positif. É
famosíssima na tradição crítica
francesa, em especial na questão da política
dos autores, sua crítica de A Bela do Bas-Fond
(Party Girl, 1958) de Nicholas Ray nos Cahiers.
Ora! E qual não é a coincidência
de ver esse exato filme passando no TCM nacional, às
22:00. OK, é um canal que ninguém vê,
que só está em algumas redes de cabo de
alcance muito restrito, que eles passam filmes com dublagem
e muitas vezes colorizando os filmes em p&b. Mas
vale aqui a homenagem a Hoveyda, que morreu neste dia
3 de novembro, contando 82 anos. Além de escrever
sobre cinema (e ter diversos livros sobre política
e mundo árabe), Hoveyda foi também roteirista
de Rossellini em Índia e participou como
ator do primeiro longa de Eric Rohmer, O Signo do
Leão. Aqui vai nossa lembrança.
(Fereydoun Hoveyda em 1942)
Dia 20
A semana começa de doer quando a gente percebe
que a única estréia do dia é Querida
Wendy (Dear Wendy, 2005), filmeco pra lá
de mequetrefe que Lars Von Trier roteirizou e Thomas
Vinterberg dirigiu. Passa no Telecine Premium às
22:00, para quem quiser se distrair com esse arremedo
de provocação assinado pela duplinha dogmática
dinamarquesa. Para quem busca outra coisa, o Eurochannel
oferece. E é outra coisa mesmo, um filme do qual
jamais ouvimos falar, mas só o tema já
é inteiramente cativante. Broadway. Mar Negro
(Brodvei. Chernoe more, 2002) é um documentário
sobre refugiados da Rússia, da Armênia
e do Azerbaijão que vivem nas praias do Mar Morto,
numa localidade chamada Broadway que não tem
nem pontinho no mapa. O filme passa às 22:00,
e apesar de ter tido apenas 9 votos no banco de dados
IMDb, sua média é muito alta para um filme
com essas especificações. A conferir.
Dia 21
Nessa terça-feira, o Telecine ataca com duas
reestréias em sua programação.
O primeiro é Teenagers As Apimentadas
(Bring it On, 2000), primeiro longa-metragem
dirigido por Peyton Read, que depois viria a dirigir
o simpaticíssimo Abaixo o Amor e o nada
especial Separados pelo Casamento. O filme já
foi figurinha fácil da tv a cabo e volta agora.
Destaque para Kirsten Dunst no elenco. Telecine Emotion,
22:00. No mesmo horário, passa no Telecine Cult
o filme Exílios (Exils, 2004),
filme de Tony Gatlif premiado no Festival de Cannes,
também já exibido em cabo no país.
O destaque do dia vai mesmo para Tell Them Who You
Are (idem, 04), documentário dirigido por
Mark Wexler sobre seu pai, Haskell Wexler, um dos mais
renomados diretores de fotografia da história
do cinema americano, tendo trabalhado em filmes como
A Terra do Sonho Distante (Elia Kazan), Quem
Tem Medo de Virginia Woolf? (Mike Nichols) e Um
Estranho no Ninho (Milos Forman), tendo recebido
dois Oscars, um pelo filme de Nichols e outro por Esta
Terra É Minha Terra, de Hal Ashby. Pelas
descrições, o filme não é
simplesmente um filho pedindo para seu pai falar, mas
também uma espécie de processo analítico
entre pai e filho através de uma câmera
rodando. O filme passa às 14:30 no Cinemax.
Dia 22
Semana passada tivemos um Jack Arnold, nessa semana
teremos outro. Trata-se de O Incrível Homem
Que Encolheu (The Incredible Shrinking Man,
1957), talvez o mais conhecido filme de Jack Arnold,
e provavelmente o mais poético e límpido
em seu lirismo fantástico. Mas, sabe-se lá
por quê, o Telecine Cult não dedica a ele
um horário nobre, simplesmente a tarde de quarta
às 16:25. No horário nobre, o Telecine
Premium estréia às 22:00 uma espécie
de spinoff da série American Pie lançado
direto para o vídeo, American Pie Tocando
a Maior Zona (American Pie Presents Band Camp,
2005), dirigido por Steve Rash (que também dirigiu
a terceira parte de As Apimentadas, ver lá
em cima, também direto para o vídeo).
No mesmo horário teremos um documentário
muito interessante estreando no Cinemax, Control
Room (idem, 2004). Exibido no Festival do Rio 2004,
o filme é um acompanhamento das coberturas das
diferentes redes de televisão da invasão
americana ao Iraque, e em especial da cobertura da Al
Jazeera. O filme de Jehane Noujaim tem um dispositivo
básico: ele apenas observa o processo de trabalho
cotidiano: como aparece uma notícia, como ela
é trabalhada, como ela é interpretada,
quais são as dificuldades de informação.
Apenas com isso o filme já desmonta a visão
preconcebida de que a Al Jazeera seria uma rede de propaganda
terrorista. Recomendadíssimo. Por fim, às
22:40 o Canal Brasil exibe A Cor do Seu Destino (1986),
primeiro longa-metragem dirigido por Jorge Durán,
que acaba de ter seu segundo filme, o belo Proibido
Proibir, estreado no circuito de festivais
brasileiros. Uau, até que enfim um dia cheio
de atrações!
Dia 23
Sessão dupla com Jackie Chan no Telecine Action,
quem diria? O primeiro é o já bem badalado
Espião por Acidente (Dak miu mai shing,
2001), de Teddy Chan, já recomendado por aqui
há algumas colunas atrás. Mas o destaque
mesmo é O Mito (San wa, 2005),
de Stanley Tong, que reedita a dupla ator-diretor da
série Police Story e de Arrebentando
em Nova York, período saudoso para os maiores
fãs de JC. O primeiro passa às 20:20,
e o segundo, para variar, às 22:00. Considerando
que o filme foi lançado no mercado de vídeo
há coisa de dois meses, O Mito ganha nessa
exibição um status quase de estréia
nacional.
Dia 24
Hanussen (idem, 1988) é o filme com o
qual a Eurochannel fecha seu miniciclo dedicado aos
filmes de István Szabó,
sempre com Klaus Maria Brandauer protagonizando e o
flerte com o poder opressor como tema. Dos três
filmes exibidos pelo canal, é de longe o menos
conhecido, não tendo sido lançado em vídeo
nem sendo disponível em DVD. Portanto, ainda
que Szabó não seja um cineasta de primeira
grandeza, vale ficar na frente da tv às 22:00
para conferir o filme.
Dia 25
Nesse sábado a briga é boa, muito boa.
Se a HBO aposta no pouco chamativo porém inédito
A Sogra (Monster-in-Law, 2005), de Robert
Luketic diretor do talentoso Legalmente Loira
às 21:00, o pega-pra-capar é entre
2 Filhos de Francisco (2005), de Breno Silveira,
no Telecine Premium às 22:00, Olga (2004),
de Jayme Monjardim, no Canal Brasil às 23:00,
e Dark Water (Honogurai mizu no soko kara,
2002) de Hideo Nakata, o filme que deu origem à
versão americana boboca de Walter Salles, que
passa na AXN às 22:30. Olga é inassistível,
Nakata é pelo menos curioso, e o filme de Breno
Silveira é um filme a se ver, definitivamente.
Mas o grande destaque do dia, disparado à frente
de todos os outros, é Helena Zero, o Musicaos
(2006), filme de Joel Pizzini sobre Helena Ignez composto
apenas de imagens de arquivo e trechos de filmes em
que ela aparece, um pouco à maneira como foi
feito o fabuloso Glauces Estudo de um Rosto,
do mesmo Pizzini. Quem já viu fala que é
deslumbrante. Passa no Canal Brasil às 17:30.
Dia 26
Enquanto o Telecine Action estréia mais um dos
filmes de heróis do universo Marvel, Elektra
(idem, dir. Rob Bowman, 2005), no Telecine Action, às
22:00, o Telecine Pipoca, que não custa lembrar
que é o canal para filmes dublados, isso aí,
DUBLADOS, da rede Globosat, passa adivinha o quê?
2 Filhos de Francisco!!! Absolutamente genial.
Tendo isso em vista, o jeito é chamar a atenção
para De Salto Alto (Tacones lejanos, 1991),
belíssimo e algo desconsiderado filme de Pedro
Almodóvar que o A&E exibe às 22:00.
É um filme que fica cada vez mais interessante
à medida que a obra de Almodóvar progride,
pois o melodrama, a verdade através do artifício,
a questão da maternidade, tudo isso está
lá muito claramente. É só aproveitar.
Ver e rever Volver, claro, e depois voltar a
De Salto Alto.
Dia 27
Clean, de Olivier Assayas, foi a apresentação
do diretor francês ao circuito exibidor de cinema.
Mas Assayas é um conhecido longevo do espectador
de tv a cabo, já tendo sido exibido com seu maravilhoso
Água Fria e com os belos Os Destinos
Sentimentais e Espionagem na Rede (lamentável
título dado a demonlover). Fora Une
nouvelle vie, exibido sem legendas pela TV5 há
anos e anos. De todos os seus filmes, Clean é
aquele que tem uma temporalidade mais convencional,
mas ainda assim percebe-se uma câmera pronta para
captar as intensidades e os ritmos dos corpos, em especial
aquele de Maggie Cheung, exuberante, senhora da tela.
Miss Maggie, aliás, já havia protagonizado
de Irma Vep do mesmo Assayas, e o filme chegou até
a ser exibido na tv aberta, a Cultura, na sessãozinha
marota da Mostra de São Paulo. Mas Clean,
como já fôra Os Destinos Sentimentais
anteriormente, é um filme sobre maturidade, sobre
sair de um estágio de descontrole e se achar
num ambiente mais estável, estriado, sobre com
se comportar num ambiente já dado, com regras
já prontas. Dada a inesperada morosidade de Clean
em alguns momentos, poderíamos até
conceber um clima de atenuação, de assimilação.
Tomara que isso não corresponda a um flerte com
o mainstream e o freqüente sell-out que
isso costuma representar. Ao menos, Assayas ainda se
dá a liberdade de fazer filmes como Noise,
um documentário sobre um festival de música
noise em que estavam seus freqüentes parceiros
Sonic Youth (que fizeram trilha para demonlover
e tiveram sua "Contre le sexisme" tocada em
Fim de Agosto, Começo de Setembro), como
Mirror/Dash. Alô, pessoal dos festivais: alguma
chance da gente ver isso grande e alto no ano que vem?
Clean passa no Telecine Premium às 23:45.
Dia 28
Antes a sessão É Tudo Verdade dava mais
água na boca? Dava, claro. É certo que
o documentário brasileiro não é
exatamente uma fonte inesgotável de maravilhas,
mas vemos agora uma oficialidade nos programas, uma
facilidade na curadoria que destoa de algumas escolhas
efusivas e da exibição de algumas raridades
às quais tiramos todo o chapéu possível.
Agora, para falar de João Cabral de Melo Neto,
a sessão irá reexibir o filme que David
E. Neves dedicou a JCMN em sua série com Fernando
Sabino Joćo Cabral de Melo Neto - O Curso
do Poeta (1974) e exibirá Recife/Sevilha:
João Cabral de Melo Neto, de Bebeto Abranches,
que é interessante no que mostra mas funciona
mais como uma boa reportagem/retrato do que propriamente
como algo de mais fôlego, especialmente no que
diz respeito a como o cinema poderia evocar a relação
da poesia com as duas cidades anunciadas no título.
Restrito ao papel de registro, o cinema faz seu tênue
papel, e o filme é bem sucedido em seu tênue
objetivo. Ainda assim, é um filme digno de nota,
em especial para os admiradores desse gênio que
era João Cabral. A sessão pasa no horário
de sempre, 22:35. Mais tarde, algo mais difícil
de se ver: Martinho da Vila (1977), curta-metragem
de Ari Cândido Fernandes que documenta a passagem
do cantor e compositor pela França. A não
deixar passar.
Dia 29
De novo sessão matinê com Jack Arnold num
de seus clássicos, que também é
um clássico da sci-fi dos anos 50: A Ameaça
Que Veio do Espaço, mais conhecido
até no Brasil por seu nome original, It
Came from Outer Space (1953). O filme foi concebido
originalmente como 3D, então vendo pela televisão
a gente vai ficar se perguntando por que tantos objetos
parecem ser jogados para perto da tela, quantas mãos
chegam perto, etc. Isso se perde na tradução,
infelizmente. Outro atrativo é o fato de partir
de uma história de Ray Bradbury. Passa no estranho
horário de 16:25, incompreensível. Jack
Arnold fica tão melhor às 23:00 ou à
meia-noite... Já na madrugada, teremos como atração
uma reprise do miniciclo anos 70 de Glauber Rocha feita
há mais de um ano. Na terça-feira foi
Câncer, nesta quarta é o mais raro
Cabezas cortadas (1970), que, bem, é possivelmente
o filme menos interessante de seu realizador. Em todo
caso, passa às 02:15 e todo mundo que nunca viu
tem que ver. Porque Glauber não é Cacá
não.
Dia 30
E as quintas-feiras estão virando os dias de
destaque no Telecine Action? Semana passada foi a estréia
de O Mito, de Stanley Tong e Jackie Chan. Dessa vez,
uma dose dupla que, se não tem credenciais tão
fortes, ao menos tem o caráter do exótico
e do ineditismo: dois filmes de ação vindos
da Tailândia. É uma das graças da
tv a cabo: propor atrações que, boas ou
ruins, ao menos nos dão opções
fora do mercado mais costumeiro de filmes oferecidos.
Aumentar o repertório, enfim. Às 20:05,
o TCA passa Ong-Bak: Guerreiro Sagrado (Ong-Bak,
2003), de Prachya Pinkaew, e em seguida, às 22:00,
passa Nascido para Lutar (Kerd ma lui, 2004),
de Panna Rittikrai. Dois grandes sucessos no circuito
comercial tailandês, dois filmes que fizeram de
seus protagonistas verdadeiros astros do cinema local.
OK, isso não são credenciais que atiçam
o interesse específico do leitor da Contracampo,
mas, ora bolas, um pouquinho de interesse etnocinematográfico,
vamos lá! Já o Eurochannel dedica sua
enésima Noite Nostalgia a Bernardo Bertolucci,
exibindo às 22:00 um documentário sobre
ele (que o site nem se dá o trabalho de dizer
qual é) e, meia-hora depois, La commare secca
(1962), primeiro longa de BB, recentemente lançado
no Brasil com o título A Morte.
Dia 01º/12
Sobre Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset,
2004), de Richard Linklater,
falou-se muito numa virtude rohmeriana de evocação
da luz natural, do uso das locações reais,
da vida tomada como fluxo, etc. A comparação
me parece um pouco capenga. Capenga sobretudo porque
o filme não consegue se entregar inteiramente
aos dois personagens, mas fica tentando fazer o dever
de casa conscientizador, militante en douce
de inscrever esses jovens em suas gerações,
aspirações, seu lugar no mundo, ou seja,
na costumeira confusão que faz Linklater entre
a arte do diálogo em Godard e a professoralidade
meio titio-gente-boa de um, sei lá, Serginho
Groisman. Isso faz da primeira meia hora de filme um
brochante natural. Graças ao bom pai, todo o
papo cabeça geração X começa
a desaparecer e os dois personagens ficam entregues
a si mesmos e aos seus sentimentos, e temos finalmente
a possibilidade de reacender nossa saudade pelo original
de 1995. Que dizer dos minutos finais? Digamos o mínimo:
todos os suspiros que eles arrancam das mocinhas românticas
é merecido. Momento preciso de acabar, e Julie
Delpy dançando ao som de Nina Simone é
tão fácil de encantar que fica covardia.
Apaixona mesmo assim. Talvez aí, sim, possamos
ver funcionando algo de Lubitsch, mais Rohmer, mais
Eustache, mais alguma outra coisa inassinalável.
Como os filmes podem causar reações diferentes,
contrastantes mesmo... Aos que quiserem ver, ou rever,
Antes do Pôr-do-Sol, o filme passa na HBO
às 22:45.
Dia 02
Nunca houve sábado tão fácil para
o Telecine Premium. Não só eles exibirão
um filmaço como o filme que a HBO passa é
tão desprezível do ponto de vista de atração
que vamos passar ao largo. Mas não passaremos
ao largo da "Seleção brasileira"
do Canal Brasil. Quem veste a amarelinha é Diário
de um Novo Mundo (2005), de Paulo Nascimento, longa-metragem
considerado por quem viu como o triunfo da inoperância
e do qualquer coisa, um daqueles filmes que desperta
a sensação de vergonha alheia no espectador
generoso. Como curiosidade, resta o fato de que é
um filme de produção catarinense, raro
caso na produção nacional. Sorte que a
amarelinha da verdadeira seleção brasileira
não é vestida por esses luminares, e sorte
que os programadores do Canal Brasil não são
técnicos de futebol. No Telecine Premium, atenção
para a estréia às 22:00 de Terra dos
Mortos (Land of the Dead, 2004), de George
A. Romero, verdadeiro filme político que faz
na partilha de poderes e obrigações, como
consegue curto-circuitar a questão da hecatombe
zumbi com os acontecimentos da política americana
em suas relações exteriores, e sobretudo
na maneira como atribuem caráter e dignidade
aos mortos-vivos, agora tornados povo, conscientes,
excluídos, injustiçados. Um sopro anarquizante
que faz uma falta enorme a esse novo cinema de terror
americano baseado simplesmente nos efeitos de roteiro
e numa fascinação sádica pela tortura.
Por fim, fechando a noite, poderemos ligar no Cinemax
à 1 da manhã de sábado para domingo
e assistir, ver e rever sempre que possível a
obra-prima que é Elefante (Elephant,
2003) de Gus Van Sant. Já falamos muito sobre
o filme, quando exibido nos festivais e quando entrou
em cartaz. Só veja. Reveja.
Dia 03
Jorge Furtado será o convidado especial da já
costumeira parceria entre Sessão Cineclube e
Curta Cinema, e Jorge Furtado passa no canal Cinemax
às 18:30, com seu primeiro longa-metragem, Houve
uma Vez Dois Verões (2003). É sempre
bom ver um longa-metragem brasileiro sendo exibido fora
do gueto que é o Canal Brasil, e nesse caso um
bom filme. As limitações são meio
naturais: a luz parece de telefilme, o filme parece
dar muito mais atenção à história
do que aos aspectos de construção cênica/visual,
e nem pensar da questão da inscrição
dos personagens e da câmera em espaços.
É um pouco como se tudo fosse pano de fundo para
o desenrolar imprevisível, rocambolesco das intrigas,
e para as emoções adolescentes de seus
personagens. No que se propõe, o filme se resolve
até que bem, com um bocado de fluência
e charme lo-fi. Mas o verdadeiro destaque do
dia é Sympathy for the Devil, ou One
Plus One (1968), mais famoso dentre os filmes militantes
de Godard, misturando Rolling Stones, Panteras Negras,
maoísmo, feminismo e tutti quanti num
mesmo amálgama de provocação e
num projeto que muito lhe apetecia no momento (a eles
e a mais alguns cineastas, na verdade), que era a crítica
do próprio espetáculo. Nesse sentido,
o fim do filme é um verdadeiro emblema: um cadáver
sendo carregado numa grua, a grua, claro, como signo
maior do cinema de grandes orçamentos e grande
poder sensacionalista. Quer dizer, esse é o filme
da versão original. Existe uma outra montagem
que não apresenta essa seqüência.
Esperamos que o Telecine Cult passe às 22:00
o filme na versão tal qual imaginada pelo seu
realizador. Godard é um mundo.
Dias 4 a 17/12 (coluna não publicada)
Dia 18
Se existe um Papai Noel dos cinéfilos
que acompanham a programação da tv a cabo,
nós não fomos boas crianças. Não
só o ano foi afetado por uma sensível
queda de interesse e diversidade das ofertas de filmes.
A penúltima semana do ano não segue lá
um curso muito diferente, apresenta mesmo uma seleção
francamente menos interessante do que de costume. Mas
vamos lá que período de festas é
sempre um momento propício para exercitar a tolerância
e se contentar com as bobagens que nossas programadoras
insistem em passar. Nessa segunda, até sobrou
um espacinho bem lá de madrugada para opções
não muito batidas e verdadeiramente dignas de
interesse. Às quatro da manhã o Canal
Brasil passa um raro curta-metragem de Sergio Santeiro
(dos belos Humor Amargo e Ismail Nery),
Indústria do Solúvel (1971), sobre
café, e em seguida, às 4:30, passa O Pornógrafo
(1970), único longa-metragem de João Callegaro,
belo e pouquíssimo conhecido filme da facção
paulista do cinema marginal, companheirismo com Antonio
Lima, Jairo Ferreira e Carlos Reichenbach circulando
pela Boca do Lixo propondo cinema ágil, entrando
no coração do mau gosto e do cinema de
gênero para dali extrair suas peças finas,
raras e rudes. É tarde mas vale ver. Ou gravar.
Dia 19
Dois filmes independentes americanos que tiveram uma
certa repercussão boa na crítica internacional
e chegaram a entrar por aqui em circuitinho e festivais,
Pacto Maldito (Mean Creek, de Aaron Jacob
Estes) e Prova de Amor (All the Real Girls,
de David Gordon Green) passam respectivamente no Telecine
Premium e no Cinemax, às 23:40 e 20:00. Boa oportunidade
para se familiarizar com o cinema de dois realizadores
algo talentosos, elogiados, que não estão
no primeiro escalão dos fazedores de imagens
contenporâneos mas ainda assim são bem
dignos de atenção. Mas o destaque verdadeiro
do dia vem novamente do Canal Brasil, às 23:40,
com a reprise bem vinda de Talento Demais (1995),
de Edgard Navarro, pegando carona na ótima recepção
que o lindo Eu Me Lembro teve entre o público
dito especializado. Antes disso, às 20:00, passa
Manual de Barros (2006), filme de uma hora do
incansável Joel Pizzini, que quando a gente vê
já tem quinze novos filmes e a gente sempre tenta
se atualizar da melhor maneira. Como o título
sugere, o filme é uma entrada lúdica no
universo de Manoel de Barros.
Dia 20
Aproveitando que o belo Mundo Novo de Emanuele
Crialese acaba de passar numa mostra de filmes italianos
exibidos esse ano em Veneza, que tal aproveitar uma
ocasião para ver seu filme imediatamente anterior,
o exuberante Respiro (2004)? Entrevistamos Crialese
aqui
sobre esse filme, e se de certa forma Mundo Novo
persegue um outro caminho, outros climas, outras
atmosferas, as rusgas entre um universo originário,
"primitivo", fulgurante, e a desafecção
do mundo racionalizado, normal, que inscreve cada um
em seus lugares já assinalados aí permanecem.
Filme de uma sensualidade forte, de uma presença
física da paisagem e da protagonista, interpretada
por Valeria Golino, Respiro faz muito pensar
em Cassavetes e Gena Rowlands. O filme passa no Telecine
Cult, cultíssimo, ahan, sei, às 22:00.
Dia 21
Tentamos, tentamos, mas foi realmente impossível
recomendar algo que fugisse um pouquinho às coisas
mais óbvias ou àquilo que já recomendamos
aqui mesmo nesta seção. Tem Cassi Jones
no Canal Brasil. Já recomendamos ele aqui, provavelmente
mais de uma vez até. Não é top
de linha, mas é dirigido por Luís Sérgio
person e protagonizado por Paulo José. As credenciais
contam.
Dia 22
E não é que o Telecine Cult de vez em
quando nos surpreende e realmente passa filmes que são
ao mesmo tempo de difícil acesso, interessantes
e que fazem jus ao nome do canal? Às 22:00, o
TCC passa Procura Insaciável (Taking
Off, 1971), primeiro longe-metragem americano de
Milos Forman, depois de três longas extremamente
elogiados na Tchecoslováquia, inscrevendo o país
no surto de renovação de linguagem dos
novos cinemas dos anos 60, como bem se sabe. Não
é estréia, já recomendamos antes,
mas tá aí e vale a pena. Antes dele, no
mesmo canal, passa um filme que estava meio sumido desde
a época em que o Cult era Classic, O Homem
Que Quis Matar Hitler (Man Hunt, 1941), sexto
filme de Fritz Lang nos Estados Unidos, estrelado por
Walter Pidgeon. Quando se passa uma coisa dessas, tem
que prestigiar.
Dia 23
As estréias da véspera de véspera
de Natal são tão desanimadoras que não
vale a pena nem ficar listando o que entra na HBO ou
no Telecine Premium. O jeito é se contentar com
a exibição (não estréia)
do filme de Bruno Podalydès Le Mystère
de la chambre jaune (2003). Podalydès merece
atenção nem que seja pelo belo Só
Deus Sabe (Diel seul me voit, 1998), que
nunca entrou em cartaz mas passa de vez em quando nas
mostras organizadas com acervo da Maison de France.
Infelizmente, seus filmes mais recentes não têm
a mesma receptividade deste último, apesar de
serem admirados com algum entusiasmo. Vale a pena considerar.
Antes disso, cabe à Disney passar o filme mais
interessante com temática natalina da semana.
Trata-se de O Estranho Mundo de Jack (Tim
Burton's Nightmare Before Christmas, 1993), que
prefere o minoritário ao unanimista, a visão
parcial ao fascismo de grupo tão comuns nesses
momentos de criação forçada e meio
hipócrita de feelgood e generosidade.
O filme passa às 20:00, e quem não viu
tem que ver. Quem viu sabe que vale a pena rever.
Dia 24
Dia 24 é sempre aquele tédio televisivo.
Ai daqueles que precisam encontrar na tv um refúgio
aos papos familiares meio enfadonhos, porque tudo que
se vê é especial da Xuxa, missa do galo
e outros espetáculos de baixo calão. Como
no terreno dos filmes também não existe
nenhum porto seguro que seja garantia de excelente companhia,
recomendemos este O Expresso Polar (The Polar
Express, 2004), de Robert Zemeckis, que, apesar
da maior parte das reações ter sido negativa,
conseguiu adesão frente a alguns críticos
importantes lá fora, em especial Dave Kehr. Por
aqui não vimos, esnobando o realizador de Forrest
Gump... Será que deveríamos, ao contrário,
ter prestigiado o autor dos belos Back to the Future?
O filme passa na HBO Family às 21:00. Boas festas.
Ruy Gardnier
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