UM BOM ANO
Ridley Scott, A Good Year, EUA, 2006

Um Bom Ano aplaca a curiosidade daqueles que, assistindo a filmes como Hannibal ou Gladiador e rindo involuntariamente com o ridículo e a empáfia exibidos, se perguntava: e se Ridley Scott vier a dirigir uma comédia leve, sem maiores ambições? Passado entre o ambiente mau caráter e esquizofrênico das especulações financeiras londrinas e o adorável ritmo da idílica vida na Provença francesa, o filme tenta tirar proveito das sedutoras locações para estabelecer um misto de obra doce e sensual e, contrastando um ambiente com o outro, fazer o espectador experimentar as alegrias de um tempo que não é moldado pelas impositivas obrigações sociais, mas pela agradável fruição da vida abonada no campo.

Mas, convenhamos, não é um projeto a ser levado a cabo por Ridley Scott. Sua sutileza é a das espadas explodindo umas contra as outras em Gladiador, ou, em chave mais honrosa, no clima carregado de Blade Runner. Aqui, vemos apenas a mão pesada e a pseudo joie de vivre que presenciamos em detestáveis filmes turísticos como Procura-se um Amor em Barcelona: paisagens lindas mas nenhuma instalação da câmera no ambiente, mudança de ambiente mas nada no filme que dê de fato uma fruição própria do tempo. Ou seja, o olhar da câmera participa mais de um turismo parasitário do que de uma contaminação de fato com uma outra forma de viver. Se o personagem principal passa por uma mudança existencial, a narrativa permanece inteiramente
baseada em ações e na toda poderosa eficiência do contar. Ridley Scott na verdade não acredita em nada daquilo que mostra.

Um Bom Ano: filme de regeneração, de redescoberta e volta ao passado, mas sempre em tons de comédia. E, resta dizer, se Ridley Scott é a última pessoa do mundo capaz de fazer uma comédia leve, Russell Crowe é o último ator do mundo capaz de incorporar o protagonista num filme que trabalhe com esse tipo de humor. Se seu personagem fala da importância do timing da comédia (e dos jogos de especulação com ações), essa sabedoria permanece apenas em sua boca, mas não no trabalho do ator, que, como o diretor, mostra-se inteiramente deslocado de um projeto ligeiro que deveria encantar por sua frugalidade. Para isso, seria necessário o mínimo de entrega, a fuga do discurso oficial, dos modos convencionais de organizar uma narrativa e construir um mundo. E isso, percebe-se claramente, Ridley Scott é incapaz de fazer, como bom financista cinematográfico que é.

Ruy Gardnier