O SARCÓFAGO MACABRO
Ivan Cardoso, Brasil, 2006

Desde o prolífico período onde se estabeleceu como “o mestre do terrir”, Ivan Cardoso vem buscando meios de se reinventar dentro do cinema. Vivendo à sombra desta nomenclatura que recebeu e assumiu para si – no próprio Sarcófago Macabro seu nome na tela é acompanhado de uma narração que informa sua condição –, por algum período o cineasta se concentrou em curtas, formato onde costuma focar um lado mais explicitamente intelectual de sua obra. No entanto, os últimos anos foram de uma produção intensa, feita a partir de um imenso trabalho investigativo sobre si mesmo e sua obra. Se Um Lobisomem na Amazônia é uma brincadeira com os mitos que ele mesmo criou, foi nos filmes de montagem que Cardoso reencontrou o seu melhor cinema. E não por reaproveitar um material que já era de muita qualidade – embora isso ajude – mas sim pela forma consciente como observa seu cinema e sua capacidade enquanto uma figura icônica.

Em A Marca do Terrir, o trabalho consistia em revisitar seus filmes em super-8 e a partir deles criar uma obra completamente nova. Se lá o efeito muitas vezes deixava uma impressão de mera coletânea – o que definitivamente não é –, este conceito de filme reciclagem encontrou sua forma mais forte em O Sarcófago Macabro. Auto-proclamado como homenagem aos seriados policiais americanos de outrora, o filme traça uma história em capítulos onde um detetive americano descobre um dossiê que revelaria que Hitler ainda está vivo na forma de uma múmia em Buenos Aires. É um gancho para que através de longas montagens com imagens nas mais variadas bitolas tenhamos um novo mergulho no universo de O Segredo da Múmia, com Ivan literalmente dando uma continuidade ao personagem de Wilson Grey, o dr. Expedito Vitus, através de suas imagens. Mas não é apenas de sobras e reaproveitamento de material do Segredo que existe o Sarcófago: Ivan faz ainda um uso brilhante de imagens de arquivo a respeito da ocupação nazista em geral. Ele faz de Hitler um personagem em cena, interpretado com imenso talento pelo ditador ariano.

Soma-se ao trabalho de reinvenção da montagem o material novo, que consiste numa homenagem ainda mais forte às chanchadas. Protagonizada pelo eterno Carlo Mossy, sobram figuras míticas em pequenas aparições, como Tony Tornado e Roberto Maia. Para aproximar o clima do teor televisivo que Ivan homenageia, os diálogos são todos dublados, sem o “sinc” exato, e a história é dividida em partes e epílogo. E como uma boa história farsista, o desenvolvimento do que viria a ser a trama de verdade fica para um próximo episódio. Mas por mais divertidas que todas as brincadeiras sejam, é na consciência do poder das imagens que reside a força rara de O Sarcófago Macabro.

Guilherme Martins