Desde o prolífico período onde
se estabeleceu como “o mestre do terrir”, Ivan Cardoso
vem buscando meios de se reinventar dentro do cinema.
Vivendo à sombra desta nomenclatura que recebeu e assumiu
para si – no próprio Sarcófago Macabro seu nome
na tela é acompanhado de uma narração que informa sua
condição –, por algum período o cineasta se concentrou
em curtas, formato onde costuma focar um lado mais explicitamente
intelectual de sua obra. No entanto, os últimos anos
foram de uma produção intensa, feita a partir de um
imenso trabalho investigativo sobre si mesmo e sua obra.
Se Um Lobisomem na Amazônia é uma brincadeira
com os mitos que ele mesmo criou, foi nos filmes de
montagem que Cardoso reencontrou o seu melhor cinema.
E não por reaproveitar um material que já era de muita
qualidade – embora isso ajude – mas sim pela forma consciente
como observa seu cinema e sua capacidade enquanto uma
figura icônica.
Em A Marca do Terrir, o trabalho consistia em
revisitar seus filmes em super-8 e a partir deles criar
uma obra completamente nova. Se lá o efeito muitas vezes
deixava uma impressão de mera coletânea – o que definitivamente
não é –, este conceito de filme reciclagem encontrou
sua forma mais forte em O Sarcófago Macabro.
Auto-proclamado como homenagem aos seriados policiais
americanos de outrora, o filme traça uma história em
capítulos onde um detetive americano descobre um dossiê
que revelaria que Hitler ainda está vivo na forma de
uma múmia em Buenos Aires. É um gancho para que através
de longas montagens com imagens nas mais variadas bitolas
tenhamos um novo mergulho no universo de O Segredo
da Múmia, com Ivan literalmente dando uma continuidade
ao personagem de Wilson Grey, o dr. Expedito Vitus,
através de suas imagens. Mas não é apenas de sobras
e reaproveitamento de material do Segredo que
existe o Sarcófago: Ivan faz ainda um uso brilhante
de imagens de arquivo a respeito da ocupação nazista
em geral. Ele faz de Hitler um personagem em cena, interpretado
com imenso talento pelo ditador ariano.
Soma-se ao trabalho de reinvenção da montagem o material
novo, que consiste numa homenagem ainda mais forte às
chanchadas. Protagonizada pelo eterno Carlo Mossy, sobram
figuras míticas em pequenas aparições, como Tony Tornado
e Roberto Maia. Para aproximar o clima do teor televisivo
que Ivan homenageia, os diálogos são todos dublados,
sem o “sinc” exato, e a história é dividida em partes
e epílogo. E como uma boa história farsista, o desenvolvimento
do que viria a ser a trama de verdade fica para um próximo
episódio. Mas por mais divertidas que todas as brincadeiras
sejam, é na consciência do poder das imagens que reside
a força rara de O Sarcófago Macabro.
Guilherme Martins
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