3 IRMÃOS DE SANGUE,
de Ângela Patrícia Reiniger
Brasil, 2006
Pode se dizer que 3 Irmãos de Sangue é
mais um do infinito lote de documentários que
parecem feitos para passar num canal de tv a cabo. Isso,
nõ entanto, não faz dele necessariamente
um filme desinteressante. Se seu trabalho visual é
pobre, salvo em alguns usos de fotografias, há
um trabalho muito bom de pesquisa das imagens de arquivo.
Porque o filme se impõe um desafio natural, que
é o de colocar estas três figuras, os irmãos
Henfil, Chico Mário e Betinho, falando em cena
com a mesma naturalidade que todos os eventuais convidados
a dar depoimentos, trazendo sempre as opiniões
mais relevantes e menos auto-reverenciais, ainda que
os irmãos nutrissem muito respeito uns pelos
outros. É notável a seqüência
em que Henfil fala que expulsou Chico Mário de
casa para que ele se tornasse um pouco mais sociável.
À parte a curiosidade de ver estas imagens tão
particulares – a grande maioria delas é material
previamente mostrado em algum outro veículo de
imprensa –, o filme carece de qualquer outra força
ou ponto, não sendo tão interessante como
narração da vida dos três irmãos,
que é seu único mote. Não traça
uma idéia política que não seja
repetir o discurso das figuras documentadas, e nem propriamente
repercute ele. É um filme perdido: se feito num
corte menor pra ser exibido na TV deve perder alguns
de seus poucos bons momentos, e exibi-lo no cinema simplesmente
não faz sentido. (Guilherme Martins)
AZULOSCUROCASINEGRO, de Daniel Sánchez Arévalo
AzulOscuro Casi Negro, Espanha, 2005.
Jorge trabalha de porteiro, cuida do pai doente, tem
amigo em dúvida sobre a própria sexualidade,
vive às turras com a namorada de infância.
Pobre e ambicioso, deseja mudar de ares, tornar-se administrador
de empresas: o terno preto que não pode comprar
simboliza a raiva que o consome e o sonho de ascensão
social. Ao se envolver com a presidiária Paula
– a pedido do irmão que, por ser estéril,
quer que ele engravide a namorada –, Jorge sente finalmente
útil e, apaixonado, adquire novas forças
para continuar lutando. Tragicomédia que, pelo
absurdo e inverossimilhança das situações
presentes no enredo, paga tributo a Pedro Almodóvar,
mas que se perde na importância desnecessária
que Arévalo confere ao aprofundamento psicológico
dos personagens e na falta de criatividade das imagens
(travellings exibicionistas que combinam aos
diálogos filmados em campo / contracampo). AzulOscuroCasiNegro,
no entanto, acerta na divertida história que
envolve o amigo quase gay, seu pai e o massagista que
atende a ambos, bem como nas visitas íntimas
de Jorge a Paula na prisão, quando o que era
apenas sexo se transforma em amor e companheirismo.
(Paulo Ricardo de Almeida)
CORAÇÕES DESERTOS, de Cristiano Burlam
Brasil, 2006
Filme feito a partir de quase nenhum recurso financeiro,
sem apoio de dinheiro público, em digital, projeto
corajoso e infelizmente ainda raro no cinema brasileiro
recente, e pela iniciativa merece aplauso. Não
é o mesmo que se pode dizer da obra em si, um
filme que emula o cinema de Tsai Ming-liang em grande
escala, mas sem o mesmo talento para os cortes e planos
estáticos. Adota o tema recorrente do casal em
crise, encenando diversas das clássicas situações-padrão
do tema: casal fazendo refeição sem trocar
palavras, o silêncio em cômodos separados,
a incomunicabilidade como a chave. O problema é
que nada parece crível, a total ausência
de diálogos soa forçada de uma forma nada
funcional (em Tsai ela muitas vezes também o
é, mas encontra um caminho dentro do filme).
Além da ausência de talento para encenar
estes pequenos dramas, temos ainda duas seqüências
em que os personagens se masturbam isoladamente, com
a inacreditável seqüência em que o
homem se masturba voltado para a parede, tudo filmado
com uma cortina na frente. Burlam exibe algum talento
nas cenas externas – que logo somem do filme – em que
captura algumas fortes imagens de arquitetura da cidade,
além de um resultado legal nas cores noturnas
no digital. Mas isso tem um espaço mínimo,
e quando finalmente parece se unir a um personagem do
filme, na seqüência em que a mulher sai para
chorar na rua à maneira de Vive l’amour,
o resultado é um plano patético que tenta
fazer uma analogia entre a água que sai da fonte
atrás da personagem e o seu choro. (Guilherme
Martins)
DEZ CANOAS, de Rolf de Heer & Peter Djigirr
Ten Canoes, Austrália, 2006
Ao se iniciar com uma narração em off
que o situa no ermo universo dos aborígenes
australianos, Dez Canoas já entrega a
pista para aquele que será seu principal tema:
a tradição das narrações
orais, comum a qualquer sociedade, primitiva ou não.
Então o filme é construído em cima
de histórias transmitidas por membros mais velhos
a um mais jovem, durante um ritual de caça, em
dois tempos narrativos distintos. Só que, independentemente
da curiosidade suscitada pelo universo peculiar que
o filme explora, o tratamento cinematográfico
propiciado pelos cineastas deixa muito a desejar. Se
como já foi dito, tudo é pontuado pela
narração, a direção pouco
faz além de reiterar exatamente aquilo que está
sendo contado. O efeito fica bastante parecido ao de
uma aula ou conferência acompanhada por uma projeção
de slides. Com isso, não parece haver muito prejuízo
em, após situar-se no universo retratado durante
os primeiros minutos, acompanharmos o restante de Dez
Canoas com os olhos fechados. A imaginação
do espectador possivelmente irá proporcionar
imagens mais interessantes que aquelas vindas da abordagem
óbvia trazida por de Heer e Djigirr. Essa, alem
de usar o batidíssimo recurso de diferenciar
passado e presente através da oposição
da fotografia em preto e branco e a cores, se sustenta
basicamente no apelo de exploração de
um mundo e cultura exóticos, que diversas vezes
traz à tona a lembrança dos cansativos
documentários etnográficos na linha do
National Geographic. (Gilberto Silva Jr.)
EDMOND, de Stuart Gordon
Edmond, EUA, 2005
Veterano do cinema fantástico americano, Stuart
Gordon estabeleceu-se no meio da década de 80
dentro desse universo através de seu talento
em ilustrar com rigor textos do gênero (de H.
P. Lovecraft principalmente, mas também posteriormente
de Edgar Allan Poe), constantemente acertando a mão
nestas investidas (como Re-Animator, um cult
máximo nquela década, e Do Além,
de longe seu filme mais forte). Em Edmond,
Gordon se arrisca a ilustrar um texto bastante diferente
(e controverso), a peça de mesmo nome de David
Mamet (a adaptação para o roteiro é
do próprio Mamet), que tem não só
assuntos e situações complicadas e mesmo
perigosas, e onde um personagem entediado com sua vida
pacata conservadora se perde em uma noite aonde seu
desejo de fugir da rotina só é menor que
seus conceitos reacionários do mundo. O resultado
é irregular, filmado corretamente, mas para um
projeto que aponta com ambições tão
sensíveis, Edmond não possui
qualquer tipo de alma, e é ilustrado de forma
fria. Ainda que tenha lá seus bons momentos,
contando com o esforço de William H. Macy no
papel-título, a coisa toda não funciona
e termina tendo um tom ambicioso, que em nada casa com
o envolvimento que as imagens parecem ter com o que
mostram. (Guilherme Martins)
O MESTRE , de Piotr Trzaskalski
Mistzr, Polônia, 2005
Sapatin, a princípio, surpreende. Suas panorâmicas
e seus travellings longos, às vezes virtuosos,
somados a uma decupagem totalmente pensada de forma
a dar a cada plano o máximo de beleza plástica possível
e construção da figura de seu protagonista, um mágico
talentoso, alcoólatra e egocêntrico, que não parece
disposto a mudar de vida, dão esperanças ao espectador
que por ventura tenha entrado nesta sessão desacreditado
a encontrar algo além do esperado. Ao longo da projeção,
porém, tudo que poderia dar frescor ao filme de Piotr
Trzaskalski revela-se uma falácia. A beleza estética
dos quadros não tem qualquer relação com o objeto filmado,
e a necessidade de se gritar, plano a plano, o talento
do diretor em montar enquadramentos e movimentar a câmera
(quando nada disso tem significação alguma) acaba por
tornar-se uma chatice com menos de meia-hora de projeção,
considerando que estes mesmos enquadramentos não revelam,
realmente, proposta estética alguma por trás. Com a
narrativa e o desenvolvimento dos personagens, não é
diferente. O filme diminui em muito seu potencial ao
transformar-se em uma lição de moral sobre a necessidade
de agradarmos os outros para podermos ser agradados
também. Uma fábula politicamente correta, quase. Sapatin,
a princípio, surpreende, mas não demora muito para descobrirmos
que é apenas mais do mesmo. (Leonardo
Levis)
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