Transpor a literatura de Rubem Fonseca para o cinema é um desafio que, a não ser se formos David Neves, não oferece muitas esperanças de felicidade. Foi assim com Walter Salles e o péssimo A Grande Arte, foi assim com José Henrique Fonseca e o igualmente ruim O Homem do Ano, foi assim com o anódino Bufo & Spallanzani, de Flávio Tambellini. Com o mexicano Paul Leduc não foi diferente. Leduc seguiu uma estratégia recorrente mas que geralmente não é muito feliz: adaptar contos sem qualquer ligação entre si e tentar integrá-los numa narrativa geral, seguindo o imperativo das ficções mais convencionais. Assim, vemos personagens de histórias distintas e livros distintos serem incorporados de forma mal-ajambrada apenas pelo propósito de continuidade dramática, quando na verdade eles se prestam muito mal a isso. Não é o maior dos flagrantes defeitos de El cobrador, mas é o que imprime ao filme a forte sensação de que estamos vendo algo totalmente vagabundo e preguiçoso.
Vagabunda e preguiçosa é também a forma de encenação. Ao contrário de tentar encontrar traduções visuais que ampliem o sentido dos contos ou que ao menos os instalem a partir de um outro ponto de vista – afinal, fidelidade na adaptação é algo inteiramente desnecessário –, o que temos são meras ilustrações das intrigas de algumas das mais notáveis narrativas fonsequianas – como "Passeio Noturno" e "Placebo" – sem qualquer elaboração cinematográfica maior. Ao contrário, em El cobrador vemos um cineasta que não se preocupa com a utilização dos espaços, com a caracterização dos personagens e tampouco com a construção de climas – logo os climas, o forte de qualquer parágrafo de Rubem Fonseca. Temos aqui apenas alguém que acredita que o trabalho de direção em cinema reside simplesmente em garantir que os atores estejam em quadro e que sejam minimamente verossímeis naquilo que estão interpretando.
Inicialmente, vemos os personagens nos Estados Unidos, em Nova York ou Miami, vivendo as intrigas dos contos originais. Aos poucos, à medida que somos teleportados para outros países, México, Argentina e Brasil, El cobrador assume ares de denúncia imperialista e manifesto antiglobalização, indo do assassinato de um figurão dos encontros à la G-8 até a patética seqüência final que evoca a luta de classes entre os possuídos e os despossuídos do mundo inteiro, na figura de Lázaro Ramos como ex-garimpeiro transformado em terrorista do bem, em anjo da vingança pós-moderno. As intrigas vão ganhando conotações claramente políticas: as violências de Mr. X (Peter Fonda) dizem respeito à violência do Primeiro Mundo contra chicanos e outros fetos do mundo subdesenvolvido, e as violências de C (Lázaro Ramos) e Ana (Antonella Costa) dizem respeito à contra-violência revolucionária, e, claro, o filme acaba adicionando os registros dos ataques às Torres Gêmeas, vistas na televisão pelos personagens, para afivelar o discurso fácil e pronto do denuncismo fashion dos dias de hoje. Se fosse minimamente bem realizado, El cobrador bem poderia entrar no coração daqueles que adoram generalizações grosseiras e partilham de um anti-americanismo primário muito corrente nos dias de hoje. Do jeito que é, o filme só se presta àqueles que aderem cegamente à "relevância" temática e às simpatias políticas. Como antídoto a esse lixo todo, é bom rever o raivoso e belíssimo episódio de Youssef Chahine feito para o saco de gatos que é 11 de Setembro. Não tenham dúvidas: a disputa é acirrada, e ainda assim o filme de Paul Leduc ganha fácil o título de pior filme feito tendo como base os livros de Rubem Fonseca.
Ruy Gardnier
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