Compara-se
muito este segundo longa de Bujalski a Shadows
de Cassavetes. A comparação não faz nenhum bem a Admiração
Mútua – não porque o talento de Bujalski seja bem
menor do que o de Cassavetes (o de quem não é?), mas
porque só muita preguiça de olhar pode confundir alguns
elementos em comum (P&B 16mm, Nova York, etc) com
equivalência estética, negligenciando que o estilo de
Bujalski é quase oposto à intensidade procurada por
Cassavetes. Se, ao apresentar um jovem cineasta de talento
a um público que o desconhece, é útil compará-lo a alguém,
então digamos que Bujalski é um Eric Rohmer mais próximo
do universo que filma.
O que mais salta aos olhos em Admiração Mútua
é a cumplicidade que Bujalski forja com seus jovens
atores (o próprio cineasta é um deles) e com o universo
que eles habitam. Admiração Mútua é um filme
de olhar; de alguém atento aos menores detalhes do comportamento
dos seus personagens/atores. Isto já fica claro na cena
inicial onde a despeito da banalidade do diálogo, a
linguagem corporal dos três atores revela tanto a tensão
sexual presente entre Alan (Justin Rice) e Ellie (Rachel
Clift), namorada do seu melhor amigo Lawrence (Bujalski),
quanto o conhecimento do último a respeito dela. O que
há de fio narrativo – e Admiração Mútua tem uma
situação bem mais do que propriamente uma trama – fica
estabelecido ali exclusivamente pela relação câmera-ator.
O resto do filme se desenvolve a partir de digressões
enquanto se evita lidar com a tensão posta na primeira
cena; um dos fortes pontos de contato entre o projeto
de Bujalski e o de Rohmer (em especial nos “Contos Morais”)
é justamente na forma como o cineasta resolve a necessidade
dos seus personagens de circular em torno dos seus sentimentos.
Admiração Mútua vai na contramão do credo que
sempre guiou o cinema americano (seja ele Hawks ou Cassavetes):
o de ser um cinema onde tudo se dissemina em direção
à ação concreta. No filme de Bujalski tudo desemboca
de forma intuitiva, como se cada um em cena tateasse
um problema rumo a uma não-ação. O único momento em
que o filme quebra com esta disposição é quando Alan
sobe ao palco e se revela um performer de uma
entrega bastante distante do sujeito que tenta como
pode não estar envolvido com as mulheres que cruzam
seu caminho.
É vital neste processo o ouvido de Bujalski para a fala
dos seus personagens. Por exemplo: Alan tentando se
livrar de uma pretendente: I can't be involved with
you in any way. It's not — I think you're a beautiful
woman or girl, whichever you prefer.A segunda frase
quase dissipando o que há de afirmativo na primeira,
num momento que dentro do filme é bem mais definitivo
do que média das interações entre os personagens. Quase
todo Admiração Mútua é composto assim, como se
nenhuma relação fosse possível senão acompanhada de
um pedido de desculpas. Há um senso de desbalanceamento
que percorre todo o filme, a impressão de que há algo
muito grande no fora de tela prestes a atingir o que
vemos, e que se procura evitar a todo custo.
Cada personagem ou pequeno evento de Admiração Mútua
sugere uma vida e uma direção própria que estão à parte
do filme feito por Bujalski – o tipo de virtude por
vezes desprezada, mas que separa a grandeza de um Rossellini
da competência de um De Sica. É como nas duas festas
pós-show que Alan visita, em que o tom digressivo, o
cuidado com o tempo e a precisão do olhar do cineasta
estão mais apurados. Ou como nos dois momentos do filme
em que há essa impressão de que algo ameaçador está
à espreitam – em especial, na primeira em que ele vai
à casa de um amigo de seu pai que trabalha na industria
fonográfica: um parênteses longo, perfeitamente imaginado
e cheio de contornos sobre a idéia do reconhecimento
de uma rotina ao mesmo tempo fácil de se imaginar caindo
e bem próxima daquela que se buscou a vida toda fugir.
O triunfo de Admiração Mútua se encontra justamente
na maneira que apreende e circula seu mundo, suas regras
e seus códigos e tenta fazer o melhor possível com ele.
Filipe Furtado
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