ADMIRAÇÃO MÚTUA
Andrew Bujalski, Mutual Appreciation, EUA, 2005

Compara-se muito este segundo longa de Bujalski a Shadows de Cassavetes. A comparação não faz nenhum bem a Admiração Mútua – não porque o talento de Bujalski seja bem menor do que o de Cassavetes (o de quem não é?), mas porque só muita preguiça de olhar pode confundir alguns elementos em comum (P&B 16mm, Nova York, etc) com equivalência estética, negligenciando que o estilo de Bujalski é quase oposto à intensidade procurada por Cassavetes. Se, ao apresentar um jovem cineasta de talento a um público que o desconhece, é útil compará-lo a alguém, então digamos que Bujalski é um Eric Rohmer mais próximo do universo que filma.

O que mais salta aos olhos em Admiração Mútua é a cumplicidade que Bujalski forja com seus jovens atores (o próprio cineasta é um deles) e com o universo que eles habitam. Admiração Mútua é um filme de olhar; de alguém atento aos menores detalhes do comportamento dos seus personagens/atores. Isto já fica claro na cena inicial onde a despeito da banalidade do diálogo, a linguagem corporal dos três atores revela tanto a tensão sexual presente entre Alan (Justin Rice) e Ellie (Rachel Clift), namorada do seu melhor amigo Lawrence (Bujalski), quanto o conhecimento do último a respeito dela. O que há de fio narrativo – e Admiração Mútua tem uma situação bem mais do que propriamente uma trama – fica estabelecido ali exclusivamente pela relação câmera-ator.

O resto do filme se desenvolve a partir de digressões enquanto se evita lidar com a tensão posta na primeira cena; um dos fortes pontos de contato entre o projeto de Bujalski e o de Rohmer (em especial nos “Contos Morais”) é justamente na forma como o cineasta resolve a necessidade dos seus personagens de circular em torno dos seus sentimentos. Admiração Mútua vai na contramão do credo que sempre guiou o cinema americano (seja ele Hawks ou Cassavetes): o de ser um cinema onde tudo se dissemina em direção à ação concreta. No filme de Bujalski tudo desemboca de forma intuitiva, como se cada um em cena tateasse um problema rumo a uma não-ação. O único momento em que o filme quebra com esta disposição é quando Alan sobe ao palco e se revela um performer de uma entrega bastante distante do sujeito que tenta como pode não estar envolvido com as mulheres que cruzam seu caminho.

É vital neste processo o ouvido de Bujalski para a fala dos seus personagens. Por exemplo: Alan tentando se livrar de uma pretendente: I can't be involved with you in any way. It's not — I think you're a beautiful woman or girl, whichever you prefer.A segunda frase quase dissipando o que há de afirmativo na primeira, num momento que dentro do filme é bem mais definitivo do que média das interações entre os personagens. Quase todo Admiração Mútua é composto assim, como se nenhuma relação fosse possível senão acompanhada de um pedido de desculpas. Há um senso de desbalanceamento que percorre todo o filme, a impressão de que há algo muito grande no fora de tela prestes a atingir o que vemos, e que se procura evitar a todo custo.

Cada personagem ou pequeno evento de Admiração Mútua sugere uma vida e uma direção própria que estão à parte do filme feito por Bujalski – o tipo de virtude por vezes desprezada, mas que separa a grandeza de um Rossellini da competência de um De Sica. É como nas duas festas pós-show que Alan visita, em que o tom digressivo, o cuidado com o tempo e a precisão do olhar do cineasta estão mais apurados. Ou como nos dois momentos do filme em que há essa impressão de que algo ameaçador está à espreitam – em especial, na primeira em que ele vai à casa de um amigo de seu pai que trabalha na industria fonográfica: um parênteses longo, perfeitamente imaginado e cheio de contornos sobre a idéia do reconhecimento de uma rotina ao mesmo tempo fácil de se imaginar caindo e bem próxima daquela que se buscou a vida toda fugir. O triunfo de Admiração Mútua se encontra justamente na maneira que apreende e circula seu mundo, suas regras e seus códigos e tenta fazer o melhor possível com ele.


Filipe Furtado