O GRANDE TRUQUE
Christopher Nolan, The Prestige, EUA, 2006

Se há algo que deixa claro o projeto de Nolan neste O Grande Truque, é observar como num filme sobre dois mágicos brilhantes a personagem com que o cineasta genuinamente se identifica é a figura do engenheiro (Michael Caine), que constrói os equipamentos que permitem que eles realizem seus truques. Não surpreende esta identificação com um técnico, afinal o ponto de vista de Nolan sobre seu tema é justamente tecnicista.

Não surpreende que com pouco tempo de cena O Grande Truque se afirme justamente como uma seqüência estética do horroroso Batman Begins que Nolan nos apresentara ano passado. O que está em jogo aqui é o mesmo processo de pegar o que seria o maravilhamento do seu tema e esvaziá-lo a partir de uma crença bem esquisita e mal desenvolvida no “realismo”. Nolan pertence a uma geração de cineastas que sempre sonhou em fazer cinemão hollywoodiano – basta olhar como seus filmes independentes sempre existiram como portfolios mais do que como filmes –, mas morre de vergonha disso. Tem uma relação de amor e ódio com o aparato do cinemão a seu dispor. Tudo em O Grande Truque existe contra o que seria de interesse do filme: Nolan tem que trabalhar de maneira a esvaziar o carisma dos seus astros, a matar o espetáculo da mágica, a eliminar o prazer de nosso envolvimento na narrativa. Tudo isso em nome de uma secura tom menor que seria mais prestigiosa, mais em sincro com o jovem autor de cinemão Christopher Nolan, cuja marca é muito mais importante do que os filmes que realiza.

O Grande Truque acaba se afirmando como uma espécie de anti-Welles: um filme sobre mágica que odeia mágica. Para o qual o que importa é exclusivamente desbaratá-la diante de nossos olhos. Não é à toa que o filme mantém um olhar antipático e punitivo para qualquer um que tenha alguma crença genuína no espetáculo que se desenvolve diante dos nossos olhos. Só que a este olhar desmistificador, Nolan pouco consegue acrescentar: é incapaz de filmar bem os números de mágica para que possamos apreciá-los, e é ainda mais incapaz de desenvolver bem sua trama, que segue mal-ajambrada, cheia de piruetas na linha temporal e tentativas de tapear o espectador via narrativa (a única visão de cinema que Nolan compreende). O filme permanece sempre aborrecido, dando ao espectador muitas oportunidades para imaginar outros filmes melhores que o mesmo material poderia possibilitar.

Ainda assim, vale dizer que se trata de um filme bem honesto em relação à visão de Nolan sobre o cinema: o único talento genuíno exigido dos seus mágicos é a capacidade de saber se vender, o resto é o triunfo da mediocridade técnica. Logo o desastre cinematográfico de O Grande Truque pouco importa, já que Nolan, que afinal é mestre do marketing pessoal, logo estará de volta aos nossos cinemas com mais um capítulo da sua visão desmistificada da série Batman, provavelmente com a mesma falta de imaginação, a mesma falta de maravilhamento, em suma a mesma falta de cinema – ao menos do cinema que se espera de tal empreitada – deste O Grande Truque. Que ele consiga tapear tantos é tão notável quanto preocupante.


Filipe Furtado