Se
há algo que deixa claro o projeto de Nolan neste O
Grande Truque, é observar como num filme sobre dois
mágicos brilhantes a personagem com que o cineasta genuinamente
se identifica é a figura do engenheiro (Michael Caine),
que constrói os equipamentos que permitem que eles realizem
seus truques. Não surpreende esta identificação com
um técnico, afinal o ponto de vista de Nolan sobre seu
tema é justamente tecnicista.
Não surpreende que com pouco tempo de cena O Grande
Truque se afirme justamente como uma seqüência estética
do horroroso Batman Begins que Nolan nos
apresentara ano passado. O que está em jogo aqui é o
mesmo processo de pegar o que seria o maravilhamento
do seu tema e esvaziá-lo a partir de uma crença bem
esquisita e mal desenvolvida no “realismo”. Nolan pertence
a uma geração de cineastas que sempre sonhou em fazer
cinemão hollywoodiano – basta olhar como seus filmes
independentes sempre existiram como portfolios mais
do que como filmes –, mas morre de vergonha disso. Tem
uma relação de amor e ódio com o aparato do cinemão
a seu dispor. Tudo em O Grande Truque existe
contra o que seria de interesse do filme: Nolan tem
que trabalhar de maneira a esvaziar o carisma dos seus
astros, a matar o espetáculo da mágica, a eliminar o
prazer de nosso envolvimento na narrativa. Tudo isso
em nome de uma secura tom menor que seria mais prestigiosa,
mais em sincro com o jovem autor de cinemão Christopher
Nolan, cuja marca é muito mais importante do que os
filmes que realiza.
O Grande Truque acaba se afirmando como uma espécie
de anti-Welles: um filme sobre mágica que odeia mágica.
Para o qual o que importa é exclusivamente desbaratá-la
diante de nossos olhos. Não é à toa que o filme mantém
um olhar antipático e punitivo para qualquer um que
tenha alguma crença genuína no espetáculo que se desenvolve
diante dos nossos olhos. Só que a este olhar desmistificador,
Nolan pouco consegue acrescentar: é incapaz de filmar
bem os números de mágica para que possamos apreciá-los,
e é ainda mais incapaz de desenvolver bem sua trama,
que segue mal-ajambrada, cheia de piruetas na linha
temporal e tentativas de tapear o espectador via narrativa
(a única visão de cinema que Nolan compreende). O filme
permanece sempre aborrecido, dando ao espectador muitas
oportunidades para imaginar outros filmes melhores que
o mesmo material poderia possibilitar.
Ainda assim, vale dizer que se trata de um filme bem
honesto em relação à visão de Nolan sobre o cinema:
o único talento genuíno exigido dos seus mágicos é a
capacidade de saber se vender, o resto é o triunfo da
mediocridade técnica. Logo o desastre cinematográfico
de O Grande Truque pouco importa, já que Nolan,
que afinal é mestre do marketing pessoal, logo estará
de volta aos nossos cinemas com mais um capítulo da
sua visão desmistificada da série Batman, provavelmente
com a mesma falta de imaginação, a mesma falta de maravilhamento,
em suma a mesma falta de cinema – ao menos do cinema
que se espera de tal empreitada – deste O Grande
Truque. Que ele consiga tapear tantos é tão notável
quanto preocupante.
Filipe Furtado
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