FELIZ NATAL
Christian Carion, Joyeux Noël, França/Alemanha/Reino Unido/Romênia, 2005
 

“Os homens são todos iguais”. “A guerra é injusta, desumana e fratricida”. Motes humanistas e pacifistas, repetidos à exaustão e que de tão óbvios acabam por se tornar redundantes. Sim, num mundo onde as mais variadas e cruéis formas de confronto bélico persistem em expor a face mais sombria do ser humano não deixa de ser importante a valorização da paz. E esse foi sem dúvida o objetivo do cineasta francês Christian Carion ao escrever e dirigir Feliz Natal. Só que Carion pelo visto parece ter se empolgado demais com a aparente força de sua utopia pacifista e ou se esqueceu ou, simplesmente, não teve competência e talento para amarrar sua mensagem com uma roupagem cinematográfica convincente.

Feliz Natal centra sua narrativa num campo de trincheiras na Primeira Guerra Mundial onde três pelotões de nacionalidades distintas – escoceses, franceses, alemães – decidem, no natal de 1914, suspender os combates e realizar uma confraternização. Ao que parece, o filme inspira-se em eventos verídicos ocorridos em mais de uma frente de batalha. A combinação natal+pacifismo explorada por Carion não deixa de ser um prato cheio para o intento do cineasta em tocar corações, tão susceptíveis a valorizar um suposto amor ao próximo durante as festas de fim de ano. Ou seja, campo certeiropara um banho de sentimentalismo barato e pieguice caso o tema não venha a receber um tratamento com o mínimo de originalidade e sutileza. Certamente essas duas últimas características não são o forte de Carion e seu Feliz Natal, com o filme primando pela redundância que havíamos destacado anteriormente como inerente a um discurso pacifista.

A seqüência que abre o filme mostra garotos das três diferentes nações envolvidas na ação declamando poemas patrióticos que ressaltam a força de cada um de seus povos, apresentando abertamente a idéia da igualdade entre eles. Daí até o final, tudo que o filme faz é dar infinitas voltas em torno desse mesmo ponto. Carion, portanto, demarca seu terreno de atuação com uma estrutura tripartida que pretende privilegiar individualmente cada um dos pontos de vistas. Mas ao invés de prover seus personagens com uma individualidade, acaba por padronizá-los como clichês bastante rasos. Ou seja, não iguais dentro de sua humanidade, mas iguais como um bando de bonecos produzidos em série.

Soma-se a essa unidimensionalidade dos personagens um roteiro que se caracteriza pela previsibilidade e pela construção artificial de situações. Nada melhor para atestar essas características que a seqüência clímax do filme, ou seja, a própria trégua de natal. Ela se inicia de forma abrupta, pouco convincente, numa atitude impulsiva do soldado-cantor alemão. À medida que os militares se confraternizam, o diretor expõe esse congraçamento através de formas de comunicação universal: música, religião, bebida. Chega então uma hora em que pensamos: “Bom, só falta daqui a pouco começar uma pelada”. E não é que depois de alguns momentos a bola começa a rolar.

Além de previsível como roteirista, Carion em Feliz Natal igualmente não demonstra o menor apuro na direção, na construção de ambientes e espaços. Seu campo de batalha parece um cenário teatral mal planejado. À semelhança da padronização dos personagens, a câmera não cria qualquer valorização particular de planos e enquadramentos, costurados numa montagem um tanto desorientada. Tudo no filme torna-se indesejadamente artificial, mostrando claramente a visão de um diretor que constrói seu trabalho no âmbito de um pseudo-humanismo dos mais rasos e vagabundos, que busca sustentar-se exclusivamente através de suas mensagens e suas boas intenções. Só que, na verdade, mensagem quem transmite é secretária eletrônica ou caixa de email e, como diz o ditado, as boas intenções respondem substancialmente pelo aumento da densidade demográfica daquele lugarzinho quente gerido pelo capeta.


Gilberto Silva Jr.