“Os
homens são todos iguais”. “A guerra é injusta, desumana
e fratricida”. Motes humanistas e pacifistas, repetidos
à exaustão e que de tão óbvios acabam por se tornar
redundantes. Sim, num mundo onde as mais variadas e
cruéis formas de confronto bélico persistem em expor
a face mais sombria do ser humano não deixa de ser importante
a valorização da paz. E esse foi sem dúvida o objetivo
do cineasta francês Christian Carion ao escrever e dirigir
Feliz Natal. Só que Carion pelo visto parece
ter se empolgado demais com a aparente força de sua
utopia pacifista e ou se esqueceu ou, simplesmente,
não teve competência e talento para amarrar sua mensagem
com uma roupagem cinematográfica convincente.
Feliz Natal centra sua narrativa num campo de
trincheiras na Primeira Guerra Mundial onde três pelotões
de nacionalidades distintas – escoceses, franceses,
alemães – decidem, no natal de 1914, suspender os combates
e realizar uma confraternização. Ao que parece, o filme
inspira-se em eventos verídicos ocorridos em mais de
uma frente de batalha. A combinação natal+pacifismo
explorada por Carion não deixa de ser um prato cheio
para o intento do cineasta em tocar corações, tão susceptíveis
a valorizar um suposto amor ao próximo durante as festas
de fim de ano. Ou seja, campo certeiropara um banho
de sentimentalismo barato e pieguice caso o tema não
venha a receber um tratamento com o mínimo de originalidade
e sutileza. Certamente essas duas últimas características
não são o forte de Carion e seu Feliz Natal,
com o filme primando pela redundância que havíamos destacado
anteriormente como inerente a um discurso pacifista.
A seqüência que abre o filme mostra garotos das três
diferentes nações envolvidas na ação declamando poemas
patrióticos que ressaltam a força de cada um de seus
povos, apresentando abertamente a idéia da igualdade
entre eles. Daí até o final, tudo que o filme faz é
dar infinitas voltas em torno desse mesmo ponto. Carion,
portanto, demarca seu terreno de atuação com uma estrutura
tripartida que pretende privilegiar individualmente
cada um dos pontos de vistas. Mas ao invés de prover
seus personagens com uma individualidade, acaba por
padronizá-los como clichês bastante rasos. Ou seja,
não iguais dentro de sua humanidade, mas iguais como
um bando de bonecos produzidos em série.
Soma-se a essa unidimensionalidade dos personagens um
roteiro que se caracteriza pela previsibilidade e pela
construção artificial de situações. Nada melhor para
atestar essas características que a seqüência clímax
do filme, ou seja, a própria trégua de natal. Ela se
inicia de forma abrupta, pouco convincente, numa atitude
impulsiva do soldado-cantor alemão. À medida que os
militares se confraternizam, o diretor expõe esse congraçamento
através de formas de comunicação universal: música,
religião, bebida. Chega então uma hora em que pensamos:
“Bom, só falta daqui a pouco começar uma pelada”. E
não é que depois de alguns momentos a bola começa a
rolar.
Além de previsível como roteirista, Carion em Feliz
Natal igualmente não demonstra o menor apuro na
direção, na construção de ambientes e espaços. Seu campo
de batalha parece um cenário teatral mal planejado.
À semelhança da padronização dos personagens, a câmera
não cria qualquer valorização particular de planos e
enquadramentos, costurados numa montagem um tanto desorientada.
Tudo no filme torna-se indesejadamente artificial, mostrando
claramente a visão de um diretor que constrói seu trabalho
no âmbito de um pseudo-humanismo dos mais rasos e vagabundos,
que busca sustentar-se exclusivamente através de suas
mensagens e suas boas intenções. Só que, na verdade,
mensagem quem transmite é secretária eletrônica ou caixa
de email e, como diz o ditado, as boas intenções respondem
substancialmente pelo aumento da densidade demográfica
daquele lugarzinho quente gerido pelo capeta.
Gilberto Silva Jr.
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