AMIGAS COM DINHEIRO
Nicole Holofcener, Friends with Money, EUA, 2006

Amigas com Dinheiro forma um par interessantíssimo com Pequena Miss Sunshine, o abjeto filme que vem fazendo sucesso interminável entre os independentes. À parte o fato de Amigas com Dinheiro ser uma obra consideravelmente mais projetada visualmente, os dois possuem um punhado de semelhanças que apontam para um sinal cada vez mais temeroso vindo dos indies americanos. Além do mesmo senso de tempo na montagem, há dois aspectos mais fortes em comum. Primeiro, a escolha de filmarem em scope. Se Nicole Holofcener tem uma sensibilidade visual e um projeto estético por trás de seu filme, isto não muda o fato de que, assim como em Pequena Miss Sunshine, seu filme não mostra um plano que justifique a escolha do formato 1:2,35. Não há um trabalho com espaço que realmente peça a existência do formato, um enquadramento que exija seu uso.

O pior por trás desta escolha é o tanto que ela ressalta das deficiências dos dois filmes, sua letargia visual. O caso de Amigas com Dinheiro é ainda mais intrigante, pois é perceptível um empenho formal, é inegável que ali existe algo sendo trabalhado, manejado pela cineasta. E sua opção por realizar o filme em scope vai direto contra aquilo que mostra, “engrandece” um filme notoriamente pequeno, cuja fotografia busca ambientes particulares, aconchegantes. O desconforto que permeia todo o filme – baseado na angústia de sua protagonista, a amiga menos provida de um grupo que busca uma forma de sobrevivência no amor e no trabalho – vem através de uma sabotagem desta fotografia, feito por um constante tremor da câmera. Uma parte considerável do filme foi rodada com a câmera na mão, outro tique comum nos recentes indies americanos (vide Half Nelson), mas a câmera é incômoda, como se agisse contra o que é estabelecido por aquilo que filma, dando instabilidade às cenas. Holofcener alcança então o que busca: cria um mecanismo e o faz funcionar. Vendo por este prisma, Michael Haneke seria um gênio, mas o cinema demanda mais sensibilidades formais que um simples mecanismo.

A outra ponta que une essas duas recentes obras do cinema independente americano é não menos potencialmente perigosa. Trata-se da “sensibilidade” dos filmes, o modo como eles expõem aquilo que filmam, como observam o mundo que capturam. Pois se existem projetos estéticos diferentes nos filmes, a sua forma de construir um olhar é a mesma. São filmes que jogam o peso de uma nação sobre seus personagens de um modo pobre, até mesmo preguiçoso. Apontam para um comodismo travestido de rebeldia, algo quase infantil. Carecem de mais imaginação, sobretudo. A forma como Nicole Holofcener constrói o seu painel das quatro amigas, as pequenas coisas que destaca em suas vidas, tudo isto se conecta diretamente ao painel da família de Pequena Miss Sunshine. A diferença, aquilo que faz de Amigas com Dinheiro um filme que progride em alguma direção, é que aqui se busca um caminho, existe uma percepção de que este painel inicial é algo em crise. Por isso talvez o filme soe interessante, apesar de por vezes ser até mesmo insuportável. É um filme que procura o seu caminho, constantemente. O final, quando Jennifer Anniston parece ter encontrado alguém para dividir suas angústias e divide com ele um momento em que expõe problemas pessoais, é uma amostra de que existe generosidade no filme para com seus personagens. Trata-se de um filme-problema clássico, cujo ponto onde pretende chegar é interessante, mas no qual os caminhos escolhidos para chegar até lá são intragáveis. Uma pena.


Guilherme Martins