Amigas
com Dinheiro forma um par interessantíssimo com
Pequena Miss Sunshine, o abjeto filme que vem
fazendo sucesso interminável entre os independentes.
À parte o fato de Amigas com Dinheiro ser uma
obra consideravelmente mais projetada visualmente, os
dois possuem um punhado de semelhanças que apontam para
um sinal cada vez mais temeroso vindo dos indies
americanos. Além do mesmo senso de tempo na montagem,
há dois aspectos mais fortes em comum. Primeiro, a escolha
de filmarem em scope. Se Nicole Holofcener tem uma sensibilidade
visual e um projeto estético por trás de seu filme,
isto não muda o fato de que, assim como em Pequena
Miss Sunshine, seu filme não mostra um plano que
justifique a escolha do formato 1:2,35. Não há um trabalho
com espaço que realmente peça a existência do formato,
um enquadramento que exija seu uso.
O pior por trás desta escolha é o tanto que ela ressalta
das deficiências dos dois filmes, sua letargia visual.
O caso de Amigas com Dinheiro é ainda mais intrigante,
pois é perceptível um empenho formal, é inegável que
ali existe algo sendo trabalhado, manejado pela cineasta.
E sua opção por realizar o filme em scope vai direto
contra aquilo que mostra, “engrandece” um filme notoriamente
pequeno, cuja fotografia busca ambientes particulares,
aconchegantes. O desconforto que permeia todo o filme
– baseado na angústia de sua protagonista, a amiga menos
provida de um grupo que busca uma forma de sobrevivência
no amor e no trabalho – vem através de uma sabotagem
desta fotografia, feito por um constante tremor da câmera.
Uma parte considerável do filme foi rodada com a câmera
na mão, outro tique comum nos recentes indies
americanos (vide Half Nelson), mas a câmera é
incômoda, como se agisse contra o que é estabelecido
por aquilo que filma, dando instabilidade às cenas.
Holofcener alcança então o que busca: cria um mecanismo
e o faz funcionar. Vendo por este prisma, Michael Haneke
seria um gênio, mas o cinema demanda mais sensibilidades
formais que um simples mecanismo.
A outra ponta que une essas duas recentes obras do cinema
independente americano é não menos potencialmente perigosa.
Trata-se da “sensibilidade” dos filmes, o modo como
eles expõem aquilo que filmam, como observam o mundo
que capturam. Pois se existem projetos estéticos diferentes
nos filmes, a sua forma de construir um olhar é a mesma.
São filmes que jogam o peso de uma nação sobre seus
personagens de um modo pobre, até mesmo preguiçoso.
Apontam para um comodismo travestido de rebeldia, algo
quase infantil. Carecem de mais imaginação, sobretudo.
A forma como Nicole Holofcener constrói o seu painel
das quatro amigas, as pequenas coisas que destaca em
suas vidas, tudo isto se conecta diretamente ao painel
da família de Pequena Miss Sunshine. A diferença,
aquilo que faz de Amigas com Dinheiro um filme
que progride em alguma direção, é que aqui se busca
um caminho, existe uma percepção de que este painel
inicial é algo em crise. Por isso talvez o filme soe
interessante, apesar de por vezes ser até mesmo insuportável.
É um filme que procura o seu caminho, constantemente.
O final, quando Jennifer Anniston parece ter encontrado
alguém para dividir suas angústias e divide com ele
um momento em que expõe problemas pessoais, é uma amostra
de que existe generosidade no filme para com seus personagens.
Trata-se de um filme-problema clássico, cujo ponto onde
pretende chegar é interessante, mas no qual os caminhos
escolhidos para chegar até lá são intragáveis. Uma pena.
Guilherme Martins
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