Em
abril, numa tela
Frenético, ansioso, Nanni Moretti interrompe a fala
de todos com as observações mais despropositadas. Seu
pensamento parece voar de um lado para outro incessantemente.
De forma análoga, Aprile agilmente se desloca
entre diferentes interesses narrativos. A uma só vez
personagem e diretor, o cineasta Moretti é como que
acometido de tantas vontades simultâneas de cinema,
que é incapaz de se decidir sobre qual filme fazer (e
de terminá-lo), assim como de fechar um filme em termos
de assunto e desenvolvimento. Sua responsabilidade de
realizar um filme político choca-se com o desejo (e
a insegurança) de fazer um musical, enquanto ambos os
projetos são atropelados por uma vida pessoal em momento
de total efervescência (o nascimento de um primeiro
filho).
Na interseção magicamente criada entre vida pessoal
e ficção cinematográfica, Moretti faz de Aprile
o registro de um turbilhão de emoções diversas, cujo
ponto em comum é o espaço temporal em que se dão. (Não
por acaso o nome do filme carrega essa indicação...)
Talvez apenas tamanha aceleração tenha possibilitado
o jogo anárquico que se estabelece entre cinema, vida
e conjuntura histórica ao longo do filme. Porque o filme
que habita Moretti, ora um documentário político, ora
um musical, é, por fim, o próprio encanto pela vida.
Vida que se descortina diante dos olhos ao contemplarmos
o nascimento de uma criança. Vida que Aprile
capta no ar, entre um plano e outro, nas interseções
das rápidas mudanças de foco da atenção oscilante de
Moretti. E é este aspecto de encantamento que traz para
Aprile muito propriamente a aura do musical.
Embalado por uma trilha sonora variada e pelo movimento
constante dos corpos na imagem, o filme mostra-se de
tal forma apaixonado por tudo o que acontece, que não
pode evitar de se constituir apenas de momentos narrativos,
de situações, muitas vezes sobrepostas.
No mesmo compasso da confusão entre preocupações políticas,
pessoais, anseios artísticos e neuroses cotidianas,
funciona a mescla que Moretti opera entre o impulso
documental e o impulso ficcional. Aparentemente problematizado
como objeto de interesse narrativo, o “fazer cinema”
(tanto como prática material, quanto como desejo criativo)
revela-se, para ele, uma paixão que reside na própria
relação que se têm com o mundo. Que filme assistir,
que filme fazer, que filme viver: é este o eixo narrativo
de Aprile e, mais recentemente, de O Crocodilo.
Produzindo imagens que abrigam uma espécie de “indefinição”,
ou melhor, de potencialidade para adquirir diferentes
configurações, Moretti cria nestes filmes um cinema
que parece estar em permanente modulação, suavemente
transitando entre os campos da ficção, da auto-reflexividade
e do documentário, e entre os domínios da experiência
pessoal, da história social, do discurso organizado
em narrativa e da observação de pequenas ações.
Desta forma, reagir à eleição de Berlusconi publicamente
iguala-se a reagir intimamente à chegada de um filho
e a se articular para realizar um filme. E, se, no fim
das contas, tudo isto pode estar impresso em termos
de sentimento no registro que as imagens em movimento
são capazes de fazer de uma experiência individual,
transpondo-a para uma experiência coletiva, Aprile
é um autêntico diário público do seu diretor. Impossível
de precisar e de definir em termos narrativos (e por
que não dizer também cinematográficos), em sua graciosidade,
ironia, humor, afetividade e estados d’alma, o filme
apresenta exímia habilidade em captar um momento, a
partir de um ponto de vista assumido como profundamente
pessoal. E este ponto de vista, que nunca é exatamente
circunscrito a um olhar ou a uma discursividade, é antes
uma sensibilidade em ebulição, que destila suas irritações,
expectativas, desejos, inquietações, paixões... Uma
vontade irrestrita de viver a vida e de fazer com que
ela seja vivida, sempre da melhor forma possível. Com
o melhor governo, a melhor família, o melhor cinema.
Ainda que estes sejam difíceis de precisar devidamente.
Tatiana Monassa
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