Com
suas varas de pesca na mão, Zozo e seu amigo
Leo divertem-se na companhia dos avós do protagonista,
à espera de peixes que mordam a isca. O humor
bobo e quase incompreensível das crianças
toma conta da imagem em close-up. A harmonia
familiar desta última cena do filme, que advém
após uma série de revezes, remete ao senso
de comunidade presente em Jalla! Jalla! e Kopps,
filmes anteriores do diretor. Muito diferente em sua
constituição narrativa, especialmente
por tratar-se de um drama infantil e não da comédia
rasgada que havia se tornado sua marca registrada, o
último filme de Josef Fares apresenta-se como
uma espécie de "momento original" do seu cinema.
Profundamente autobiográfico, Zozo consegue,
a um só tempo, traçar um histórico
de vida e intuir a gênese de um cinema muito particular,
do qual em nenhum momento deixa de ser parte integrante.
Josef Fares é dono de uma rara sensibilidade:
a sensibilidade do "cafona", do exagero e da desmedida
do efeito. Sem receio de embarcar em malabarismos da
imaginação (efeitos especiais "deselegantes",
humor patético e trivial) para criar comédias
do absurdo que ignoram as determinações
de um cinema "com classe", de elegância e sobriedade
narrativas, ou mesmo de um cinema de gênero, ele
cria um universo em que o "grave" nunca é totalmente
descartado, mas ganha uma outra dimensão. Há
um elemento de fascínio e puro encantamento no
clima narrativo instaurado por Fares, ligado a este
dispensar de parâmetros externos, que mantém
como única grande preocupação os
sentimentos dos personagens. O drama de Zozo,
que substitui a comédia pueril e frenética
de Jalla! Jalla! e Kopps, não é,
portanto, um drama de raízes melodramáticas
(afinal o romanesco está longe do que anima este
cinema), mas uma jornada pessoal contada entre a aventura,
a fantasia e o real.
Desta forma, a Guerra Civil do Líbano não
é encenada em respeito à sua dimensão
histórica, mas como a catástrofe que se
abate sobre Zozo e lança-o em direção
a uma nova vida. O elemento de absurdo que povoava a
diegese dos filmes anteriores de Fares é aqui
"alocado" nos sonhos e na imaginação do
menino, como espécie de reflexo do próprio
absurdo da guerra, que, nesta medida, não precisa
ser identificada, detalhada, compreendida ou explicada.
Pois não é necessário justificar
a apreensão sensível dos acontecimentos,
que pode levar um pinto de um amarelo reluzente a ser
encontrado absolutamente intacto sob escombros, tornar-se
o grande amigo de uma criança e falar em voz
alta com grande naturalidade. Ou fazer aparecer na sacada
de um apartamento uma estrela incandescente e dançante
acompanhada de uma voz misteriosa do além, como
manifestação de um divino que se recusa
a ser facilmente definido e identificado.
Esta reconfiguração (ou seria construção?)
do mundo por uma sensibilidade particular é o
que une diretamente Zozo à obra anterior
de Fares. E o que mais espanta neste último trabalho,
é ele ter se voltado propriamente à aparente
origem do seu cinema: uma indignação com
um determinado estado de coisas e o contraste experimentado
entre Líbano e Suécia (respectivamente,
os países de origem e de imigração
do diretor). Pois tal aproximação inesperada
entre as duas culturas, traço pessoal que remete
à sua própria biografia e faz surgir um
universo particular (da ordem de uma vivência
pessoal do espaço no mundo), revela em Zozo
a sua origem traumática. O que em Jalla! Jalla!
e Kopps era uma situação dada,
é aqui tematizado, na medida em que vemos a razão
da migração e da justaposição
dos dois pólos culturais (a guerra que destrói
casas e famílias) e a xenofobia que se impõe
no lugar do acolhimento pela nova pátria. É
como se remontássemos ao momento anterior à
assunção pura e simples de um pedacinho
de Líbano no interior da Suécia, um espaço
"domesticado" por uma afetividade singular, povoado
por uma comicidade absurda, para contemplar seu nascedouro:
a relação de Zozo com o seu avô
e o aprendizado de uma nova vida, marcada pelo ímpeto
de sobrevivência. E o momento posterior, em que
os conflitos são enfim abstraídos em favor
desta experiência particular do espaço
(completamente diversa do gueto), encontra-se justamente
prefigurado na bela cena final, tomada pelo humor infantil
e pelo sentido de comunidade conquistada.
Vista à luz de Zozo, a força afirmativa
da ainda pequena obra de Josef Fares revela-se acrescida
de um surpreendente aspecto de resistência cultural,
marcada não pela sobrevida de uma determinada
cultura desprivilegiada, mas pela capacidade de invenção.
Há sempre em seus filmes, a busca por uma associação
que ainda não tenha sido feita – o conceito americano
de polícia, decalcado do cinema de gênero,
aplicado a uma pacata cidadezinha do interior sueco
(Kopps); a comédia pastelão, a
comédia romântica e o filme de família
entrelaçados (Jalla! Jalla!) – ou o uso
inusitado de efeitos de câmera, efeitos especiais
e artifícios narrativos. Da mesma forma, as emoções
criadas pelo diretor nunca podem ser chamadas de fáceis:
em Zozo, a relação do menino com
tudo que o cerca (a mãe, a pretensa namoradinha
Rita, os colegas de escola, os avós, a morte,
a exclusão) é pautada por uma marcante
ausência de dramatização e de maniqueísmo;
o contraponto sugerido entre a "família feliz"
de Zozo (tanto a original quanto a nova) e as famílias
opressoras das crianças com as quais ele trava
contato (Rita e Leo) nunca é explorado de forma
direta ou sentimentalóide. E a própria
caracterização do personagem é
rica em matizes que nos colocam em contato com suas
diferentes facetas e não permitem julgamentos
de sorte alguma.
Um dos grandes trunfos de Fares em Zozo, é
justamente a forma delicada de conduzir o protagonista.
Após ser confrontado com a perda da família
(destroçada por uma bomba), Zozo faz de tudo
para chegar à Suécia, a terra prometida,
que o anseio por um "porto seguro" anunciava como ideal.
Chegando lá, ele conhece, no entanto, uma outra
violência, à qual o amor do avô vai
se contrapor, em sua determinação de fazer
do neto uma pessoa valente para enfrentar a vida. Pois
as coisas devem ser conquistadas: integrar-se ao novo
meio, aprendendo antes de tudo a língua; conhecer
hábitos novos, como comer maçã
com sal (prática nem sueca nem libanesa); estar
disposto à interação sem nunca
renunciar sua cultura; não aceitar qualquer tipo
de opressão ou desaforo. O menino tira do avô
grande força para se reerguer, mas recusa veementemente
o aprendizado da retaliação. Porque, assim
como Fares, Zozo está sempre buscando alternativas
para se sustentar: o roubo "esportivo" de pão
em Beirute, a amizade com o pintinho, a tentativa de
fuga com Rita, os furtos bem-intencionados na Suécia
e, finalmente, a amizade de Leo. Resta-lhe então
"fugir" da briga com os marmanjos da escola, relegando
a vingança à imaginação
e preferindo a companhia pacífica da amizade.
Além da força ética de uma tal
escolha (quebrar o ciclo de represálias pela
definição de um novo tipo de vínculo),
temos aí a crença no cinema como mediador
privilegiado entre as pessoas e o mundo, por sua capacidade
de tornar "real" e efetiva uma determinada vivência.
E, em Fares, são justamente efeitos cinematográficos
os responsáveis por esta grande afirmação
política, como testemunham a brilhante elipse
que oculta o acontecimento que leva o avô para
o Hospital e o deixa em recuperação numa
cadeira de rodas e o longo plano subjetivo de Zozo que
a um só tempo desafoga sua raiva dos garotos
que vêm bater nele e em Leo e revela naquela disputa
ecos da guerra em sua terra natal, para então,
através de um corte, preferir a realidade do
virar as costas e ir embora. A sábia decisão
do menino, motivada especialmente por sua constatação
de que não pode reagir porque não é
da sua índole, a despeito de todas as palavras
encorajadoras do avô, reflete-se sutilmente nas
palavras do velho para seu neto, ao tentar explicar
seu "acidente": "caí da bicicleta". Retomando
as palavras de Zozo ao levar sua primeira surra na escola,
o avô demonstra a compreensão de que no
mundo há coisas mais fortes que a garra e a coragem
individuais. E que a revolta da indignação
pela discriminação, pelo preconceito e
pelos maus tratos (personificada no seu ataque ao diretor
da escola pela negligência apresentada) precisa
encontrar um limite que garanta um equilíbrio
saudável para seguir adiante. Longe da idéia
de sujeição e de conformismo, o que Zozo
(e Fares) propõe é a busca de uma brecha,
de um espaço de possível em meio aos contextos
desfavoráveis. A criação de um
mundo a ser compartilhado, com um pouco de alma libanesa
e um pouco de alma sueca: a harmonia e o humor surreal
de Jalla! Jalla! e Kopps.
Tatiana Monassa
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