ZOZO
Josef Fares, Zozo, Suécia/Inglaterra/Dinamarca, 2005

Com suas varas de pesca na mão, Zozo e seu amigo Leo divertem-se na companhia dos avós do protagonista, à espera de peixes que mordam a isca. O humor bobo e quase incompreensível das crianças toma conta da imagem em close-up. A harmonia familiar desta última cena do filme, que advém após uma série de revezes, remete ao senso de comunidade presente em Jalla! Jalla! e Kopps, filmes anteriores do diretor. Muito diferente em sua constituição narrativa, especialmente por tratar-se de um drama infantil e não da comédia rasgada que havia se tornado sua marca registrada, o último filme de Josef Fares apresenta-se como uma espécie de "momento original" do seu cinema. Profundamente autobiográfico, Zozo consegue, a um só tempo, traçar um histórico de vida e intuir a gênese de um cinema muito particular, do qual em nenhum momento deixa de ser parte integrante.

Josef Fares é dono de uma rara sensibilidade: a sensibilidade do "cafona", do exagero e da desmedida do efeito. Sem receio de embarcar em malabarismos da imaginação (efeitos especiais "deselegantes", humor patético e trivial) para criar comédias do absurdo que ignoram as determinações de um cinema "com classe", de elegância e sobriedade narrativas, ou mesmo de um cinema de gênero, ele cria um universo em que o "grave" nunca é totalmente descartado, mas ganha uma outra dimensão. Há um elemento de fascínio e puro encantamento no clima narrativo instaurado por Fares, ligado a este dispensar de parâmetros externos, que mantém como única grande preocupação os sentimentos dos personagens. O drama de Zozo, que substitui a comédia pueril e frenética de Jalla! Jalla! e Kopps, não é, portanto, um drama de raízes melodramáticas (afinal o romanesco está longe do que anima este cinema), mas uma jornada pessoal contada entre a aventura, a fantasia e o real.

Desta forma, a Guerra Civil do Líbano não é encenada em respeito à sua dimensão histórica, mas como a catástrofe que se abate sobre Zozo e lança-o em direção a uma nova vida. O elemento de absurdo que povoava a diegese dos filmes anteriores de Fares é aqui "alocado" nos sonhos e na imaginação do menino, como espécie de reflexo do próprio absurdo da guerra, que, nesta medida, não precisa ser identificada, detalhada, compreendida ou explicada. Pois não é necessário justificar a apreensão sensível dos acontecimentos, que pode levar um pinto de um amarelo reluzente a ser encontrado absolutamente intacto sob escombros, tornar-se o grande amigo de uma criança e falar em voz alta com grande naturalidade. Ou fazer aparecer na sacada de um apartamento uma estrela incandescente e dançante acompanhada de uma voz misteriosa do além, como manifestação de um divino que se recusa a ser facilmente definido e identificado.

Esta reconfiguração (ou seria construção?) do mundo por uma sensibilidade particular é o que une diretamente Zozo à obra anterior de Fares. E o que mais espanta neste último trabalho, é ele ter se voltado propriamente à aparente origem do seu cinema: uma indignação com um determinado estado de coisas e o contraste experimentado entre Líbano e Suécia (respectivamente, os países de origem e de imigração do diretor). Pois tal aproximação inesperada entre as duas culturas, traço pessoal que remete à sua própria biografia e faz surgir um universo particular (da ordem de uma vivência pessoal do espaço no mundo), revela em Zozo a sua origem traumática. O que em Jalla! Jalla! e Kopps era uma situação dada, é aqui tematizado, na medida em que vemos a razão da migração e da justaposição dos dois pólos culturais (a guerra que destrói casas e famílias) e a xenofobia que se impõe no lugar do acolhimento pela nova pátria. É como se remontássemos ao momento anterior à assunção pura e simples de um pedacinho de Líbano no interior da Suécia, um espaço "domesticado" por uma afetividade singular, povoado por uma comicidade absurda, para contemplar seu nascedouro: a relação de Zozo com o seu avô e o aprendizado de uma nova vida, marcada pelo ímpeto de sobrevivência. E o momento posterior, em que os conflitos são enfim abstraídos em favor desta experiência particular do espaço (completamente diversa do gueto), encontra-se justamente prefigurado na bela cena final, tomada pelo humor infantil e pelo sentido de comunidade conquistada.

Vista à luz de Zozo, a força afirmativa da ainda pequena obra de Josef Fares revela-se acrescida de um surpreendente aspecto de resistência cultural, marcada não pela sobrevida de uma determinada cultura desprivilegiada, mas pela capacidade de invenção. Há sempre em seus filmes, a busca por uma associação que ainda não tenha sido feita – o conceito americano de polícia, decalcado do cinema de gênero, aplicado a uma pacata cidadezinha do interior sueco (Kopps); a comédia pastelão, a comédia romântica e o filme de família entrelaçados (Jalla! Jalla!) – ou o uso inusitado de efeitos de câmera, efeitos especiais e artifícios narrativos. Da mesma forma, as emoções criadas pelo diretor nunca podem ser chamadas de fáceis: em Zozo, a relação do menino com tudo que o cerca (a mãe, a pretensa namoradinha Rita, os colegas de escola, os avós, a morte, a exclusão) é pautada por uma marcante ausência de dramatização e de maniqueísmo; o contraponto sugerido entre a "família feliz" de Zozo (tanto a original quanto a nova) e as famílias opressoras das crianças com as quais ele trava contato (Rita e Leo) nunca é explorado de forma direta ou sentimentalóide. E a própria caracterização do personagem é rica em matizes que nos colocam em contato com suas diferentes facetas e não permitem julgamentos de sorte alguma.

Um dos grandes trunfos de Fares em Zozo, é justamente a forma delicada de conduzir o protagonista. Após ser confrontado com a perda da família (destroçada por uma bomba), Zozo faz de tudo para chegar à Suécia, a terra prometida, que o anseio por um "porto seguro" anunciava como ideal. Chegando lá, ele conhece, no entanto, uma outra violência, à qual o amor do avô vai se contrapor, em sua determinação de fazer do neto uma pessoa valente para enfrentar a vida. Pois as coisas devem ser conquistadas: integrar-se ao novo meio, aprendendo antes de tudo a língua; conhecer hábitos novos, como comer maçã com sal (prática nem sueca nem libanesa); estar disposto à interação sem nunca renunciar sua cultura; não aceitar qualquer tipo de opressão ou desaforo. O menino tira do avô grande força para se reerguer, mas recusa veementemente o aprendizado da retaliação. Porque, assim como Fares, Zozo está sempre buscando alternativas para se sustentar: o roubo "esportivo" de pão em Beirute, a amizade com o pintinho, a tentativa de fuga com Rita, os furtos bem-intencionados na Suécia e, finalmente, a amizade de Leo. Resta-lhe então "fugir" da briga com os marmanjos da escola, relegando a vingança à imaginação e preferindo a companhia pacífica da amizade.

Além da força ética de uma tal escolha (quebrar o ciclo de represálias pela definição de um novo tipo de vínculo), temos aí a crença no cinema como mediador privilegiado entre as pessoas e o mundo, por sua capacidade de tornar "real" e efetiva uma determinada vivência. E, em Fares, são justamente efeitos cinematográficos os responsáveis por esta grande afirmação política, como testemunham a brilhante elipse que oculta o acontecimento que leva o avô para o Hospital e o deixa em recuperação numa cadeira de rodas e o longo plano subjetivo de Zozo que a um só tempo desafoga sua raiva dos garotos que vêm bater nele e em Leo e revela naquela disputa ecos da guerra em sua terra natal, para então, através de um corte, preferir a realidade do virar as costas e ir embora. A sábia decisão do menino, motivada especialmente por sua constatação de que não pode reagir porque não é da sua índole, a despeito de todas as palavras encorajadoras do avô, reflete-se sutilmente nas palavras do velho para seu neto, ao tentar explicar seu "acidente": "caí da bicicleta". Retomando as palavras de Zozo ao levar sua primeira surra na escola, o avô demonstra a compreensão de que no mundo há coisas mais fortes que a garra e a coragem individuais. E que a revolta da indignação pela discriminação, pelo preconceito e pelos maus tratos (personificada no seu ataque ao diretor da escola pela negligência apresentada) precisa encontrar um limite que garanta um equilíbrio saudável para seguir adiante. Longe da idéia de sujeição e de conformismo, o que Zozo (e Fares) propõe é a busca de uma brecha, de um espaço de possível em meio aos contextos desfavoráveis. A criação de um mundo a ser compartilhado, com um pouco de alma libanesa e um pouco de alma sueca: a harmonia e o humor surreal de Jalla! Jalla! e Kopps.


Tatiana Monassa