TIME
Kim Ki-Duk, Shi gan, Coréia do Sul/Japão, 2006

Convenhamos, existe uma certa astúcia no cinema de Kim Ki-Duk. Talvez seja só isso mesmo que exista, mas ela está lá, patente em todos os seus filmes: uma habilidade em criar certas imagens icônicas, de significação imediata. Um efeito, claro, que não é inédito, pelo contrário. Mas geralmente é o terreno que cabe à confecção de cartões postais, de imagens típicas, de páginas publicitárias em revistas. Terreno, pois, do clichê. Time, mais recente filme do diretor, obedece à mesma lógica: temos o imaginário típico das operações plásticas (o clássico antes/depois), situações típicas de vida de casal (desgaste, unilateralidade dos sentimentos), as mesmas simbologias recorrentes de insegurança (tampar o rosto com a coberta). Esse imaginário visual é acompanhado, claro, das "grandes questões" que o filme evoca em sua narrativa: a necessidade de ser amado, o medo de perder, e a palavrinha que dá título ao filme: o tempo que transforma toda novidade em coisa velha.

A partir de um fenômeno não tão recente, mas absolutamente na moda, Time deseja almejar questionamentos eternos: a vontade de recomeçar do zero e o desejo de ser único. Recomeçar a própria vida, recomeçar um relacionamento. Recomeçar significa ter uma cara nova, certo? Assim, a personagem feminina vai fazer uma operação plástica, reconstruir completamente seu rosto para reconquistar seu namorado. A partir daí, o filme passa por uma série de sub-intrigas até que várias operações sejam feitas, e o processo se dê de forma tão viciada que a) a protagonista fique com ciúmes até de quem ela era antes da operação e b) o final do filme (absolutamente previsível, diga-se de passagem) seja igual a seu início. O grande embuste que é Kim Ki-Duk existe em fazer crer que há algo de muito profundo e contemporâneo esteja sendo colocado em questão (já se pode prever as reações de quem se agrada facilmente: "Uma reflexão sobre o mundo contemporâneo") quando na verdade trata-se apenas de uma manipulação grosseira de um tema batido e já transformado em clichê (quantas novelas há sobre isso?).

Como em Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera, onde visuais exóticos chamativos eram colocados em evidência para esconder a insuficiência e a banalidade de um discurso que se fazia passar por ensinamentos orientais (zen-turismo?), em Time também existe um imaginário visual que tenta servir de álibi para a vagabundagem do que se tem a narrar: é um parquinho de estátuas para onde vão os dois pombinhos, cheios de figuras inicialmente cativantes que parecem saídas de algum artista pop-surrealista: eróticas, paradoxais, cômicas, elas obedecem à mesma lógica do cineasta de criar um primeiro efeito impactante que acaba obscurecendo a falta de propósito e de uma densidade maior de conceito. No fundo, em Time, acaba não importando que os personagens tenham reações estapafúrdias, que a composição dos personagens seja implausível. Basta que, de vez em quando, apareça um truque desgastado de roteiro, se estabeleçam joguinhos de aparecer/desapareger dos personagens ou um personagem coloque uma máscara do rosto que tinha antes.

Nada contra o superficial e o clichê. Existe um ramo prolífico da arte que trabalha nesse terreno (alguns filmes de François Ozon, por exemplo), mas em primeiro lugar é preciso que o superficial seja reconhecido como tal e tratado como tal. Kim Ki-Duk é tão superficial e trivial quanto um dia já foi Claude Lelouch, só que ambos não aproveitaram da supefície o que ela tem de melhor: uma rapidez, uma leveza, uma graça, uma frivolidade que encanta por momentos. Em Time, uma pluma tem o peso do chumbo na mesma proporção que o superficial é considerado como denso. A leveza vira sensacionalismo, a frivolidade vira pretensão descompensada, e a obra desmorona no abismo que ela própria construiu. E, claro, com aquele pianinho sentimentalóide que serve para acompanhar os momentos de maior tensão dramática. Taí: se há um objeto visual que pode servir de metáfora para o cinema de Kim Ki-Duk, é um quadro de Salvador Dali com uma musiquinha do Richard Clayderman tocando junto. Triunfo da banalidade que se toma por séria.

Ruy Gardnier