Convenhamos,
existe uma certa astúcia no cinema de Kim Ki-Duk.
Talvez seja só isso mesmo que exista, mas ela
está lá, patente em todos os seus
filmes: uma habilidade em criar certas imagens icônicas,
de significação imediata. Um efeito, claro,
que não é inédito, pelo contrário.
Mas geralmente é o terreno que cabe à
confecção de cartões postais, de
imagens típicas, de páginas publicitárias
em revistas. Terreno, pois, do clichê. Time,
mais recente filme do diretor, obedece à mesma
lógica: temos o imaginário típico
das operações plásticas (o clássico
antes/depois), situações típicas
de vida de casal (desgaste, unilateralidade dos sentimentos),
as mesmas simbologias recorrentes de insegurança
(tampar o rosto com a coberta). Esse imaginário
visual é acompanhado, claro, das "grandes
questões" que o filme evoca em sua narrativa:
a necessidade de ser amado, o medo de perder, e a palavrinha
que dá título ao filme: o tempo que transforma
toda novidade em coisa velha.
A partir de um fenômeno não tão
recente, mas absolutamente na moda, Time deseja almejar
questionamentos eternos: a vontade de recomeçar
do zero e o desejo de ser único. Recomeçar
a própria vida, recomeçar um relacionamento.
Recomeçar significa ter uma cara nova, certo?
Assim, a personagem feminina vai fazer uma operação
plástica, reconstruir completamente seu rosto
para reconquistar seu namorado. A partir daí,
o filme passa por uma série de sub-intrigas até
que várias operações sejam feitas,
e o processo se dê de forma tão viciada
que a) a protagonista fique com ciúmes até
de quem ela era antes da operação e b)
o final do filme (absolutamente previsível, diga-se
de passagem) seja igual a seu início. O grande
embuste que é Kim Ki-Duk existe em fazer crer
que há algo de muito profundo e contemporâneo
esteja sendo colocado em questão (já se
pode prever as reações de quem se agrada
facilmente: "Uma reflexão sobre o mundo
contemporâneo") quando na verdade trata-se
apenas de uma manipulação grosseira de
um tema batido e já transformado em clichê
(quantas novelas há sobre isso?).
Como em Primavera, Verão, Outono, Inverno
e... Primavera, onde visuais exóticos chamativos
eram colocados em evidência para esconder a insuficiência
e a banalidade de um discurso que se fazia passar por
ensinamentos orientais (zen-turismo?), em Time também
existe um imaginário visual que tenta servir
de álibi para a vagabundagem do que se tem a
narrar: é um parquinho de estátuas para
onde vão os dois pombinhos, cheios de figuras
inicialmente cativantes que parecem saídas de
algum artista pop-surrealista: eróticas, paradoxais,
cômicas, elas obedecem à mesma lógica
do cineasta de criar um primeiro efeito impactante que
acaba obscurecendo a falta de propósito e de
uma densidade maior de conceito. No fundo, em Time,
acaba não importando que os personagens tenham
reações estapafúrdias, que a composição
dos personagens seja implausível. Basta que,
de vez em quando, apareça um truque desgastado
de roteiro, se estabeleçam joguinhos de aparecer/desapareger
dos personagens ou um personagem coloque uma máscara
do rosto que tinha antes.
Nada contra o superficial e o clichê. Existe um
ramo prolífico da arte que trabalha nesse terreno
(alguns filmes de François Ozon, por exemplo),
mas em primeiro lugar é preciso que o superficial
seja reconhecido como tal e tratado como tal. Kim Ki-Duk
é tão superficial e trivial quanto um
dia já foi Claude Lelouch, só que ambos
não aproveitaram da supefície o que ela
tem de melhor: uma rapidez, uma leveza, uma graça,
uma frivolidade que encanta por momentos. Em Time,
uma pluma tem o peso do chumbo na mesma proporção
que o superficial é considerado como denso. A
leveza vira sensacionalismo, a frivolidade vira pretensão
descompensada, e a obra desmorona no abismo que ela
própria construiu. E, claro, com aquele pianinho
sentimentalóide que serve para acompanhar os
momentos de maior tensão dramática. Taí:
se há um objeto visual que pode servir de metáfora
para o cinema de Kim Ki-Duk, é um quadro de Salvador
Dali com uma musiquinha do Richard Clayderman tocando
junto. Triunfo da banalidade que se toma por séria.
Ruy Gardnier
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