China
em plena Revolução Cultural comunista, num interior
onde chegam pessoas para trabalhar e que com o tempo
se mostram curiosas em relação à modernização e ao Ocidente,
ainda que dialoguem com o regime vigente, que requer
fidelidade. Nesse espaço, de poucos acontecimentos,
pouca movimentação, pouca atividade, o minimalismo das
imagens e dos gestos é apenas um acúmulo de energia
geradora de conflito (de gerações ou de autoridade).
O tempo "morto" e o espaço que comporta movimentos
sutis se repetem, quase se exibem, numa contradição
esquisita, mas compreensível. Ora, esquisita porque
não deixa de ser paradoxal uma sutileza que se mostra,
que chama atenção para si, como se fosse um adorno,
como se em sua essência não houvesse o porquê de ser
sutil. É que esse porquê realmente não há. A repressão
não é sutil, nem a opressão; já a contenção é, mas requer
esforço para sê-lo.
Toda essa estrutura é compreensível e se explica muito
através da personagem central, Qing Hong (não deve ser
à toa que o título original é o nome da personagem).
Para além dela, também se explica um pouco em cada personagem
jovem que integra a narrativa. São eles que o filme
sabe observar e voltar o olhar com atenção. São eles
que mais abertamente dialogam com a cidade e com a modernidade,
mesmo em sua falta (Shangai é uma falta presente, é
onde todos querem estar, sempre é assunto e vontade).
Em relação às gerações e a como o filme lida com elas,
é curioso o fato de que as primeiras letras dos créditos
finais revelam uma dedicatória aos pais do diretor,
porque certamente não é sobre os personagens velhos
que a câmera exerce olhar atento. Existe um olhar suave
(mas firme) que acompanha a protagonista e seu desejo
por algo que não está ali. Esse desejo, na verdade,
é a motivação central de um coletivo representado por
alguns personagens. É um desejo menos ou mais conflituoso,
como no caso do pai de Qing Hong, que demonstra vontades
e atitudes paradoxais quando escuta o noticiário americano
e sente falta de Shangai, mas não permite que sua filha
use sapatos da moda.
Algumas composições que o diretor efetua fazem bastante
sentido em meio aos diversos conflitos internos que
escapam para a atmosfera e para o espaço do filme. Os
sobre-enquadramentos com portas, paredes ou janelas
que estão sempre presentes na casa da família de Qing
Hong tratam de concentra-se na personagem mesmo quando
seus pais brigam ou gritam em monólogos, tratam de enfatizar
o comportamento ou a reação contida da menina, relegando
seus pais aos cantos, em partes bem escuras da imagem,
ou ao fora de quadro, com as vozes em over. Outro
recurso bastante utilizado é a leve, quase imperceptível,
movimentação interna da câmera, que caminha pelo plano,
mudando sutilmente seu ângulo ou foco, que é lenta,
mas revela alguma inquietação, alguma evidência de que
aquilo não está quieto.
É possível reconhecer que muitas das características
na forma de filmar de Wang Xiaoshuai não são à toa,
o que não significa que não se excedem. Sua consciência
em relação a algumas composições de quadro e movimentações
da câmera é clara e positiva em vários momentos, mas
desnecessária e quase fútil em outros, simplesmente
pela repetição da fórmula sem a construção necessária
da atmosfera do filme. Essa construção firme de um clima,
ausente no filme, contudo, seria fundamental para que
a estratégia dramática do cineasta funcionasse. A evidência
de que o olhar sensível se perderia num colapso geral,
tanto da narrativa quanto dos personagens, é extremamente
mal utilizada e o filme, em seu último terço de tempo,
em vez de lidar com uma brutalidade inevitável que rompe
com o cotidiano desejo contido, de criar uma tensão
crescente que fatalmente irromperia na narrativa mais
povoada de ações e dramaticidade, opta por pesar a mão.
É aí que a mise-en-scène se carrega – a câmera
e a montagem mudam significantemente, sem que tivessem
o embasamento necessário, pois o filme não soube construí-lo,
assim como não soube preparar-se para a transição ou
para a violência.
O drama, agora aberto, aparente, toma conta do filme
em todos os seus aspectos e é possível compreender seus
meandros. A concentração inevitável na opressão de um
sistema que resulta na violência de um para com o outro
e para consigo é problematizada e percebe-se como o
diretor pretendeu fazê-lo. Muitas de suas opções são,
portanto, compreendidas e justificadas, o que não significa
que são sempre bem executadas.
Luisa Marques
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