Após
uma estréia com um filme que ambicionava uma veia satírica
(Segredos de Família, de 1996), o cineasta Fernando
Leon de Aranoa enveredou por um caminho de temas sociais,
sempre centrando seu foco em grupos de personagens que
sofrem alguma forma de opressão ou excluídos da aparente
prosperidade que acompanharia a Espanha de economia
globalizada. Assim foi com os adolescentes dos subúrbios
de Madri (Barrio, 1998) ou os desempregados (Segunda-Feira
ao Sol, 2002). Dessa forma, Aranoa parece vir aos
poucos pretendendo se transformar numa espécie de Ken
Loach espanhol.
Em Princesas Aranoa se volta para o mundo da
prostituição, mostrado através dos olhos da espanhola
Caye (Candela Pena) e de Zulema (Micaela Nevárez), que
vai da Republica Dominicana fazer a “vida” na Europa.
O filme se inicia com interessantes e irônicos comentários
sobre a pressão que Caye e suas veteranas colegas do
mercado do sexo sofrem com a afluência incessante de
prostitutas, como Zulema, imigrantes do terceiro mundo,
oferecendo seus serviços a preços menores, o que causaria
um aumento na oferta e uma concorrência desleal. Mas,
em pouco tempo, esse enfoque crítico vai sendo abandonado
em favor da construção de um dramalhão rasgado, que
beira o caricato.
Desse modo, Aranoa privilegia uma visão clichê das prostitutas
como figuras eternamente infelizes, frustradas e oprimidas
pela sociedade, reproduzindo um aspecto marcante – e
sempre bastante questionável – do estilo de Ken Loach,
que é construir uma dramaturgia em cima de uma incessante
seqüência de situações humilhantes vivenciadas pelas
personagens. Restaria a elas fugazes momentos de felicidade,
advindos somente da amizade e solidariedade mútua, reflexos
de uma simplória pieguice que se acentua ainda mais
nos momentos em que Caye filosofa sobre a vida, suas
penas e frustrações, recitando um texto digno da mais
vagabunda literatura de auto-ajuda. Tudo narrado através
de uma direção sem a mínima imaginação, que ainda utiliza
de forma pouco eficiente na trilha musical um interessante
grupo de canções de Manu Chao.
Na verdade toda essa pretensa abordagem paternalista,
apresentando as prostitutas como umas coitadinhas, não
esconde uma visão preconceituosa que mostra que tais
profissionais estariam, numa conseqüência inerente às
suas atividades, tragicamente fadadas à infelicidade
e à irrealização, que só seriam superadas a partir do
momento em que elas mudariam de vida e retornariam,
de alguma forma, ao apego do núcleo familiar, como parece
sugerir a conclusão de Princesas.
Gilberto Silva Jr.
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