ALESHA,
de Konstantin Bronzit
Alesha Popovich i Tugarin Zmey, Rússia, 2004
O primeiro longa-metragem
de Konstantin Bronzit decepciona. Nome fundamental no
cenário da animação a partir dos anos 90, o cineasta
se notabiliza, em seus curtas, pela capacidade de construir
ambientes, atmosferas e espaços. Ainda na Rússia do
imediato pós-comunismo, Switchcraft e Pacifier,
por exemplo, refletem a decadência e a miséria político-social,
econômica e ideológica de um país e de um regime que
entraram em colapso. Posteriormente, Bronzit envereda
pela narrativa lúdica, fantasiosa e humorística – Au
Bout du Monde, The God. Em Alesha,
o cineasta volta à Rússia feudal para, em clima de conto-de-fada
cômico (qualquer semelhança com Shrek não é mera
coincidência), apresentar a história do camponês meio
idiota que deseja se tornar bogatir, e que para tanto
necessita resgatar o tesouro de sua aldeia. Apelando
a soluções visuais simples – traços clássicos e bidimensionais,
sem as camadas e camadas de formas e de cores do curta-metragem
O Gato e a Raposa, realizado no mesmo ano –,
a personagens de fácil identificação e pouco sofisticados
e à comédia pastelão, Alesha se dirige sobretudo
às crianças. No entanto, será que a inteligência do
público é menor quanto mais tenra for a idade? Bronzit
– como muitos outros, aliás – parece, em seu primeiro
longa, acreditar infelizmente que sim. (Paulo
Ricardo de Almeida)
AURORA, de Nils Tavernier
Aurore, França, 2006
Princesa que ama dançar (embora seu pai tenha proibido
a dança), apaixona-se por pintor. No entanto, ela deve
se casar com príncipe rico para salvar as finanças do
reino. Assustadora mistura de Pele de Asno (o
conto-de-fadas fake sobre amores maiores que
a vida), Footlose (o patriarca intolerante e
desgostoso que oprime a juventude), balé (Nils Tavernier
realizou documentário sobre o balé da Ópera de Paris)
e telefilme europeu vagabundo (recheado de travellings
cafonas e iluminação azulada, em que se destacam as
luzes das velas), Aurora parece existir apenas para
que o cineasta ponha aqui e ali bailarinos se contorcendo
em números sofríveis. Nulo tanto dramática quanto narrativamente,
o filme, segundo o próprio diretor - que apresentou
a sessão - demorou sete anos para ser feito. Melhor
seria se levasse a eternidade, e ainda estivesse por
concluir: seríamos poupados, assim, de espetáculo tão
grotesco quanto Aurora. (Paulo Ricardo de
Almeida)
AZUL ESCURO QUASE PRETO, de Daniel Sánchez
Arévalo
Azul Ozcuro Casi Negro, Espanha, 2005.
Jorge trabalha de porteiro, cuida do pai doente, tem
amigo em dúvida sobre a própria sexualidade,
vive às turras com a namorada de infância.
Pobre e ambicioso, deseja mudar de ares, tornar-se administrador
de empresas: o terno preto que não pode comprar
simboliza a raiva que o consome e o sonho de ascensão
social. Ao se envolver com a presidiária Paula
– a pedido do irmão que, por ser estéril,
quer que ele engravide a namorada –, Jorge sente finalmente
útil e, apaixonado, adquire novas forças
para continuar lutando. Tragicomédia que, pelo
absurdo e inverossimilhança das situações
presentes no enredo, paga tributo a Pedro Almodóvar,
mas que se perde na importância desnecessária
que Arévalo confere ao aprofundamento psicológico
dos personagens e na falta de criatividade das imagens
(travellings exibicionistas que combinam aos
diálogos filmados em campo / contracampo). Azul
Escuro Quase Preto, no entanto, acerta na divertida
história que envolve o amigo quase gay, seu pai
e o massagista que atende a ambos, bem como nas visitas
íntimas de Jorge a Paula na prisão, quando
o que era apenas sexo se transforma em amor e companheirismo.
(Paulo Ricardo de Almeida)
THE COLLECTOR, de Feliks Falk
Komornik, Polônia, 2005
Este filme polonês incorre, apesar da aparente experiência
do diretor Feliks Falk, na ativa desde 1971, em um mal
cada vez mais freqüente no cinema recente: a dos filmes
que partem de idéias interessantes ou se iniciam de
forma curiosa para irem, aos poucos, se perdendo ao
longo da projeção. The Collector parte de um retrato
seco da frieza das relações sociais e econômicas no
mundo moderno. Numa boa criação do ator Andrzej Chyra,
temos o retrato de Lucek, um impiedoso cobrador de dívidas,
que recupera bens de credores inadimplentes. Lucek é
um "bicho ruim", carreirista, que não se furta em se
apossar da estátua de uma santa pertencente a um casal
de velhos ou do acordeom de uma criança doente. Apesar
do retrato de seus defeitos, não vemos Lucek apresentado
de forma maniqueísta, satanizada, mas sim como uma partícula
pertencente a uma engrenagem. Os problemas surgem a
partir do momento em que o personagem tem, como ele
mesmo diz, uma "epifania", e passa a compensar aqueles
a quem havia prejudicado. The Collector assume um caráter
de filme de redenção, mas essa redenção aparenta ser,
a todo momento, forçada, brusca e inverossímil. À medida
que se aproxima do fim, o filme vai ficando cada vez
mais frouxo, com Lucek sendo absorvido numa intriga
meio "kafkiana" e mastigado pala engrenagem que o havia
gerado. Fica a imagem da confusão de um diretor que
não consegue se definir em concretizar de forma satisfatória
nem uma crítica ácida nem um drama de contornos humanistas.
(Gilberto Silva Jr.)
DEITE COMIGO, de Clement Virgo
Lie with Me, Canadá, 2006
Filme pseudoliberal e ousado, Deite Comigo apenas
reforça a história do príncipe encantado e das almas
gêmeas, mas sem a coragem de assumir o romantismo inerente
ao enredo. Leila e Carlos, embora sexualmente hiperativos
e, para os padrões da sociedade, promíscuos, são seres
frágeis, sensíveis e inseguros, em busca de companhia
e do grande amor. De clichê em clichê, de planos de
extremo mau gosto a outros - todos os de felação, masturbação
ou em que o casal troca olhares -, de frases estúpidas
a pérolas ainda piores ("pensei que o amor dos homens
estivesse no pau", por exemplo), Deite Comigo
evolui para o previsível final feliz, depois de desencontros,
enganos e sofrimentos. Paralelo às agruras sentimentais
de Leila, Clement Virgo apresenta a separação de seus
pais, completando assim o retrato psicológico canhestro
de uma jovem perdida que deseja o retorno à segurança
do lar e da família. (Paulo Ricardo de Almeida)
DESILUSÕES, de Nimrod Koren-Etzion e Saar
Lachmi
Diminiot, Israel, 2004
A intenção da dupla Koren-Etzion/lachmi de falar sobre
o universo cinematográfico a partir do recurso do filme
dentro do filme não passa de um aborto da natureza.
Primário e estúpido, Desilusões usaria de forma
cômica a intertextualidade e a mistura entre o real
e o fictício se não estivesse se levando a sério. De
fato, há apenas um comentário pertinente a se fazer
sobre este horror: não o vejam. (Paulo Ricardo de
Almeida)
DEZ CANOAS, de Rolf de Heer & Peter Djigirr
Ten Canoes, Austrália, 2006
Ao se iniciar com uma narração em off
que o situa no ermo universo dos aborígenes
australianos, Dez Canoas já entrega a
pista para aquele que será seu principal tema:
a tradição das narrações
orais, comum a qualquer sociedade, primitiva ou não.
Então o filme é construído em cima
de histórias transmitidas por membros mais velhos
a um mais jovem, durante um ritual de caça, em
dois tempos narrativos distintos. Só que, independentemente
da curiosidade suscitada pelo universo peculiar que
o filme explora, o tratamento cinematográfico
propiciado pelos cineastas deixa muito a desejar. Se
como já foi dito, tudo é pontuado pela
narração, a direção pouco
faz além de reiterar exatamente aquilo que está
sendo contado. O efeito fica bastante parecido ao de
uma aula ou conferência acompanhada por uma projeção
de slides. Com isso, não parece haver muito prejuízo
em, após situar-se no universo retratado durante
os primeiros minutos, acompanharmos o restante de Dez
Canoas com os olhos fechados. A imaginação
do espectador possivelmente irá proporcionar
imagens mais interessantes que aquelas vindas da abordagem
óbvia trazida por de Heer e Djigirr. Essa, alem
de usar o batidíssimo recurso de diferenciar
passado e presente através da oposição
da fotografia em preto e branco e a cores, se sustenta
basicamente no apelo de exploração de
um mundo e cultura exóticos, que diversas vezes
traz à tona a lembrança dos cansativos
documentários etnográficos na linha do
National Geographic. (Gilberto Silva Jr.)
ENQUANTO ISSO, de Diego Lerman
Mientras tanto, Argentina/França, 2006
Enquanto Isso é um filme-painel que, na
falta de algo melhor para fazer, decide macaquear o
mesmo esquema roteirístico de uma análise
combinatória das possíveis situações
de constrangimento entre diversos personagens. Às
vezes é para rirmos, às vezes é
para nos sentirmos coagidos pela situação,
e ficarmos tão constrangidos quanto os personagens.
Vale elencar alguns momentos: temos um ceguinho que
tenta estuprar a mocinha que o ajudava, temos a empregada
que é maltratada por todos os patrões
metidos a besta, temos a visita do "elemento fertilizador"
na cama de um casal cujo homem é estéril,
e para finalizar temos o assassinato, no extra-campo,
do cachorro que vivia fazendo cocô nos aposentos
do apartamento. Gosta de 21 Gramas e Crash
No Limite? Esse filme é igualzinho,
sem tirar nem pôr. Embarca nessa? Vai com deus.
(Ruy Gardnier)
ESPERA, de Rashid Masharawi
Attente, França/Palestina, 2005
A espera do título é o estado que impregna a narrativa
e os personagens, imersos numa situação aparentemente
provisória: o conflito no Oriente Médio. Ahmad, um cineasta
desiludido, espera um trabalho recompensador, seu amigo
espera os resultados positivos da construção de um teatro
pela União Européia, refugiados esperam notícias da
família e um desfecho satisfatório para sua condição,
toda a faixa de Gaza espera uma solução para uma guerra
que parece eterna. Este arcabouço estrutural do filme
nos leva a uma interminável seleção de elenco conduzida
por Ahmad entre os refugiados, para compor um grupo
de teatro para habitar o novo espaço de cultura, espécie
de incentivo ao "desenvolvimento humano" em
meio à barbárie. Mas os sofridos homens e mulheres que
comparecem para formar fila e (mais uma vez) esperar
o momento de encarar a câmera para a entrevista e o
teste, estão mais preocupados com a possibilidade efetiva
de comunicação trazida pela imagem leve e rápida do
registro em vídeo, do que com a "aposta no futuro"
e "na alma" de qualquer elaboração artística
que pudesse representar uma faísca de dignidade no seio
de um cotidiano desrespeito à vida. Ao insistir em sua
disposição narrativa, cujos ecos significativos revelam-se
mais importantes do que os estados de espírito que o
tempo a vivência das imagens poderiam induzir, Espera
esvazia-se totalmente, compondo um aglomerado de imagens
profundamente tedioso e contrariando o que sua proposta
fílmica sugere a princípio. A forte presença da câmera
de vídeo como mediadora entre os refugiados, não-atores
que buscam apenas imprimir sua imagem de alguma forma,
ver reconhecido seu estar no mundo através deste poderoso
registro, responsável por sua "existência",
e pela caracterização desta, para todo o ocidente, é
subestimada pelo diretor do filme, que a incorpora apenas
como integrante-chave do roteiro. Esta produção diegética
de imagens é ignorada como potência (na sua relação
com a própria produção de imagens do filme, inclusive)
e parece ser apenas um artefato de cena, um ponto de
articulação para o desencadeamento narrativo. Testes
e testes se sucedem, criando um marasmo generalizado,
que reduz a individualidade de cada refugiado (com seus
anseios, seus desejos, suas histórias) a meras trivialidades
desinteressantes. A estagnação que paralisa a todos,
personagens, narrativa e espectadores, atira o filme
num limbo em que a imagem perde qualquer valor de construção
de sentidos e sentimentos, e afasta-o de possíveis afirmações
edificantes. (Tatiana Monassa)
A ESPOSA DO PESCADOR, de Doris Dörrie
Der Fischer und seine Frau, Alemanha, 2005
Homem e mulher, diferentes em tudo, apaixonam-se e devem
se manter juntos durante três anos, para que uma maldição
que transformou casal infeliz em peixes finalmente termine.
Doris Dörrie pretende realizar tragicomédia fantasiosa,
quase conto-de-fadas recheado de elementos fantásticos,
mas não escapa das imagens convencionais sobre relacionamentos
em crise: ela, por ser ambiciosa, desejar família e
carreira como estilista de moda; ele, por querer a vida
a cada instante, inconseqüente, sem planos para o futuro.
Se há algum interesse em A Esposa do Pescador,
é para compará-lo (negativamente) a outras produções
recentes que também uniram o cotidiano banal à magia,
recorrendo, sobretudo, à influência dos musicais – por
exemplo, Paris no Verão, de Jacques Rivette,
e Um Homem de Verdade, dos irmãos Larrieu.
(Paulo Ricardo de Almeida)
MADEINUSA, de Claudia Llosa
Madeinusa, Peru/Espanha, 2006
Para os habitantes de uma aldeia isolada nos confins
do Peru, durante o feriado da Semana Santa, entre a
morte de Cristo na 6ª feira e sua ressurreição
no domingo de Páscoa, não existiria o
pecado. Daí este ser para eles um período
de liberação de tensões, repressões
ou mesmo de algumas práticas condenáveis.
A diretora estreante Claudia Llosa apresenta os festejos
da Semana Santa pelos miseráveis aldeões
com um olhar que, se não disfarça uma
visão externa que sempre caracteriza o fato como
algo estranho a seu mundo, consegue transmitir e despertar
sua curiosidade ao expectador. O problema maior reside
no fato de que Madeinusa não é
um documentário e as festividades funcionam como
pretexto e pano de fundo para contar a história
da personagem-título, uma adolescente filha do
prefeito e que desfila representando a Virgem Maria
na procissão local. Llosa vai construindo seu
roteiro a partir do batido clichê que reside na
chegada de um forasteiro que irá romper um equilíbrio
preestabelecido. E partindo daí descambam temas
como quebra de tradições, inveja, sexualidade
reprimida, incesto. A diretora faz questão de
rechear todos esses lugares comuns em uma encenação
que ressalta uma caricatural miserabilidade terceiro-mundista,
tão ao gosto da satisfação de mórbidas
curiosidades de platéias estrangeiras. (Gilberto
Silva Jr.)
PUCCINI PARA INICIANTES, de Maria Maggenti
Puccini For Beginners, EUA, 2006
Puccini para Iniciantes faz parte de um conjunto
de filmes destinados a um público específico, organizado
numa espécie de “gueto”: o queer cinema americano.
Explorando a fórmula da comédia romântica mais popular,
o filme instala-se num universo tratado como diferenciado,
específico e “especial”, o da vivência amorosa de homossexuais.
Aproveitando a deixa da “ópera”, a diretora cria um
triângulo amoroso perfeito entre a personagem principal
(grande amante de ópera e chamada não por acaso Allegra),
que professa aos quatro cantos que é lésbica, e um casal
heterossexual separado. O impasse sugerido por esta
armação é exposto logo no início do filme, quando os
três se encontram numa festa e a verdade vem à tona
(Allegra namorava ambos em paralelo, sem sequer saber
que se conheciam), e, a seguir, é explorado em retrospectiva,
de forma que ao final o filme reencontre este momento.
O centramento absoluto da narrativa em Allegra deixa
espectadores e demais personagens submetidos às suas
histerias, desejos e dilemas desinteressantes. Todos
devem "aprender" sobre ela e sobre suas inúmeras opiniões
inúteis elevadas quase ao status de assunto público
de maior importância. Incansavelmente, ela destila seus
“saberes lésbicos”, como se sua opção sexual (que os
acontecimentos fazem com que ela não siga à risca) fosse
uma religião. Os personagens, são, sem exceção, decalques
de estereótipos e o convívio que desenvolvem, assim
como suas eventuais descobertas, não tem valor algum
diante das vontades indecisas e voláteis da protagonista.
Maggenti faz com que o universo (e não apenas o roteiro)
gire em torno de Allegra e de sua índole de mulher neurótica
travestida de feminismo, que faz um cabedal de questões
sexuais de alguma relevância (tanto em relação à heterossexualidade
quanto à homossexualidade) tornar-se uma reles bandeira
“bem-humorada” pelo lesbianismo puro e simples, apresentado
ao mesmo tempo como hábito social saudável e causa de
classe a ser defendida “politicamente”. O insuportável
das imagens e da narrativa une-se gloriosamente à irritante
inutilidade e desserviço prestados por um tal discurso
pernóstico e idiota. (Tatiana Monassa)
RUÍDO, de Marcelo Bertalmío
Ruído, Uruguai/Espanha/Argentina, 2005
Homem em crise - no trabalho, com a esposa, consigo
mesmo - e à beira do suicídio reencontra a alegria de
viver ao entrar em contato com novos amigos, todos fora
dos padrões do comportamento socialmente aceito: inspetor
amalucado do nível de ruídos da cidade de Montevidéu,
mulher zen e garota que planeja ajudar os pacientes
falsamente desenganados pelo tio médico. Ruído,
apesar da suposta esquisitice que tenta passar, pouco
se diferencia de "primos ricos" como Beleza Americana,
uma vez que a transformação e a mudança radical no estilo
de vida do herói se resumem à vingança mesquinha contra
velhos adversários e opressores (para satisfazer o ego)
e à volta ao seio familiar, mesmo que sob outra composição
(a estrutura em si vista enquanto imprescindível). A
falta de imaginação com que Bertalmío constrói os planos
é apenas semelhante à do roteiro, que confunde
a irrupção súbita de acontecimentos, de instantes mágicos
no tempo, com a precisão cirúrgica da providência da
providência divina. (Paulo Ricardo de Almeida)
A SAGRADA FAMÍLIA, de Sebastián
Campos
La Sagrada Família, Chile, 2004
Mais um representante da praga que o movimento Dogma
acabou por causar no cinema mundial. Câmera tremendo,
imagens cheias de grãos, tudo ambicionando reproduzir
um pretenso "realismo" em mais uma história
de família desajustada. No caso a ida do filho
com a noiva mais velha e de personalidade forte à
casa de praia dos pais durante um feriado. Tensões
e dramas apresentados de forma artificial, tudo para
desembocar numa relação entre a noiva
e seu futuro sogro. O diretor Campos parece querer reunir
toda uma densidade de conflitos humanos em um microcosmo
mas não demonstra o mínimo tato ou competência
para construir tramas ou personagens. Fica um confuso
emaranhado de dramas absolutamente gratuitos, incapaz
de suscitar qualquer sentimento que não o tédio.
(Gilberto Silva Jr.)
SAPATIN - O ATIRADOR DE FACAS, de Piotr Trzaskalski
Mistzr, Polônia, 2005
Sapatin, a princípio, surpreende. Suas panorâmicas
e seus travellings longos, às vezes virtuosos,
somados a uma decupagem totalmente pensada de forma
a dar a cada plano o máximo de beleza plástica possível
e construção da figura de seu protagonista, um mágico
talentoso, alcoólatra e egocêntrico, que não parece
disposto a mudar de vida, dão esperanças ao espectador
que por ventura tenha entrado nesta sessão desacreditado
a encontrar algo além do esperado. Ao longo da projeção,
porém, tudo que poderia dar frescor ao filme de Piotr
Trzaskalski revela-se uma falácia. A beleza estética
dos quadros não tem qualquer relação com o objeto filmado,
e a necessidade de se gritar, plano a plano, o talento
do diretor em montar enquadramentos e movimentar a câmera
(quando nada disso tem significação alguma) acaba por
tornar-se uma chatice com menos de meia-hora de projeção,
considerando que estes mesmos enquadramentos não revelam,
realmente, proposta estética alguma por trás. Com a
narrativa e o desenvolvimento dos personagens, não é
diferente. O filme diminui em muito seu potencial ao
transformar-se em uma lição de moral sobre a necessidade
de agradarmos os outros para podermos ser agradados
também. Uma fábula politicamente correta, quase. Sapatin,
a princípio, surpreende, mas não demora muito para descobrirmos
que é apenas mais do mesmo. (Leonardo
Levis)
A SEGUNDA NOITE DE NÚPCIAS, de Pupi Avati
La seconda notte di nozze, Itália, 2005
Final da Segunda Guerra Mundial, Itália totalmente
pauperizada, sobreviver a cada dia é o desafio.
Nino é um ladrãozinho vagabundo tentando
se passar por charmoso. Sua mãe, Liliana, é
uma senhora que manteve uma certa exuberância.
Seu cunhado Giordano, considerado por todos como doente
da cabeça, vive a milhas de distância,
confortavelmente instalado na companhia de duas tias.
A partir de uma troca de cartas, Nino convence sua mãe
a se aproveitar da situação para viver
no bem-bom. O argumento já não é
nada interessante, mas Pupi Avati consegue fazer tudo
mais insuportável ainda ao filmar sempre de forma
convencional e de uma previsibilidade extrema. O filme
é apenas a enésima atualização
de uma série de procedimentos batidos e recorrentes,
o idiota bonzinho à Sassá Mutema, o escroque
malandro, a paleta de cores que a gente bate os olhos
e pensa "reconstituição de época",
ou seja, estamos aqui mergulhados até a cabeça
no mundo do clichê. Afora o tédio, a única
coisa que esse filme pode suscitar é o espanto
de ter sido selecionado para Veneza em 2005. (Ruy
Gardnier)
VERÃO EM BERLIM, de Andreas Dresen
Sommer vorm Balkon, Alemanha, 2005
Duas amigas dividem as alegrias e os sofrimentos do
cotidiano durante verão em Berlim: Katrin, mãe divorciada,
alcoólatra e à procura de emprego, e Nike, que se envolve
sexualmente com caminhoneiro casado e ajuda idosos solitários
nas tarefas diárias. “Dividir alegrias”, em se tratando
de Andreas Dresen – do também péssimo Willembrock
Comprou Uma Arma –, contudo, é somente força de
expressão, já que estamos diante de outro filme miserabilista
no qual impera o olhar cruel, cínico e vazio do diretor
em relação aos personagens, marionetes acéfalos devassados
pela câmera na mão sensacionalista que registra cada
detalhe sórdido a fim de provar a mesquinhez da espécie
humana. Verão em Berlim, a despeito do título,
não estabelece qualquer sentido dramático ou expressivo
em relação à cidade ou à referida estação do ano, que
servem apenas de pano de fundo para o previsível e monótono
calvário das duas mulheres e daqueles que as cercam
– a forma como Dresen lida com a decepção amorosa do
filho de Katrin mostra o quão ridículo, esquemático
e vil é o filme: enquanto o garoto chora, sua mãe o
consola dizendo que lhe comprará o tênis que, no entanto,
ele usaria para correr ao lado da ex-namorada, que acaba,
no plano anterior, de trocá-lo pelo melhor amigo! Lamentável
que o cinema alemão, de Murnau, Lang e Fassbinder, tenha
hoje que se contentar com Andreas Dresen. (Paulo
Ricardo de Almeida)
THE WILLOW TREE, de Majid Majidi
Beed-e majnoon, Irã, 2005
Em The Willow Tree, Majid Majidi dialoga com
Deus. Professor cego desde a infância, que trava
longa conversa com Alá sobre sua condição,
volta a enxergar e, revoltado com as maravilhas que
perdeu por mais de trinta anos e com o tratamento cheio
de pena que a família lhe dispensa, afasta-se
cada vez mais da vida que levara, a ponto de romper
com o trabalho, com a própria esposa e com a
mãe. Majidi abandona temporariamente as crianças
e as camadas pobres do Irã para se centrar em
intelectual da classe média, mas não larga
o cinema acadêmico e correto que lhe trouxe fama
internacional e os planos simbólicos com que
– é inegável – conclui tão bem
seus filmes (em The Willow Tree, a formiga que
reaparece em meio ao clamor desesperado do herói,
novamente cego, como prova de que Deus não o
esqueceu e de que terá nova chance). O cineasta
trabalha com planos detalhes, tanto de imagens quanto
de sons, reforçando os sentidos do tato e da
audição do professor, da mesma forma que,
quando ele recupera a capacidade de ver, passa a utilizar
planos pontos-de-vista do protagonista, até então
inexistentes no filme. A seqüência do aeroporto,
em que o professor tenta reconhecer com os olhos os
entes queridos que jamais tinha visto, é o ponto
alto de The Willow Tree. (Paulo Ricardo de
Almeida)
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