PEQUENA MISS SUNSHINE
Jonathan Dayton e Valerie Faris, Little Miss Sunshine, EUA, 2006

Quantos filmes iguais podem ser feitos sem que o público perceba? É essa a questão que se estabelece, indiretamente, do primeiro ao último minuto de Pequena Miss Sunshine. Não há um fotograma do filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris que não pareça uma reciclagem dos clichês de comédias independentes dos últimos dez anos. Temos, na família desajustada que compõe a trama, o mesmo olhar preconceituoso que, por algum motivo, passou a ser confundido erroneamente com afeto; temos, no campo do humor, as mesmas piadas agridoces e sacadas de roteiro que, por algum motivo, passaram a ser confundidas erroneamente com inteligência; temos, no desenrolar da narrativa, a mesma lição boba de moral – "seja loser você mesmo" – que, por algum motivo, passou a ser confundida erroneamente com alta filosofia; e temos, principalmente, na composição de imagem e som, a mesma vontade de priorizar o roteiro em detrimento da mise-en-scène (dentro da qual a opção de se filmar em cinemascope não ajuda em nada) que, por algum motivo, passou a ser confundida erroneamente com contar bem uma história. Enfim, não temos nada, no fundo.

Quantos filmes iguais podem ser feitos sem que o público perceba? Essa questão assombra Pequena Miss Sunshine porque seu caso é o mais recente, mas não o único. Se fosse a simples reprodução de um não-estilo que ocorresse com Dayton e Faris – assim como ocorre, com pequenas diferenças, em Todd Solondz, Alexander Payne, Miranda July e uma extensa lista de nomes –, variando apenas do que pode ser considerado um olhar jocoso (caso de Solondz e Payne) para um olhar afetuoso (July e a dupla de Pequena Miss Sunshine), ainda que, realmente, nenhum dos dois casos difira um do outro, se fosse apenas isso, não teríamos tanto a criticar. Há, porem, a crença, representada por Sundance, mas ecoando nas salas dos circuitos alternativos desse país, em boa parte da imprensa especializada, no "bom-gosto" da classe média, de que esse tipo de cinema é mais artístico do que, por exemplo, o circuito comercial dominante. Não é na bobagem da classificação que reside o perigo, mas em sua finalidade: critica-se uma forma de filme por seu caráter repetitivo para elogiar outra, cuja repetição é ainda mais presente e determinante para seu sucesso, mesmo que não seja vista como tal.

Quantos filmes iguais podem ser feitos sem que o público perceba? É esta questão que retira Pequena Miss Sunshine dos simples filmes medíocres – aqueles que escondem sua nulidade sob o rótulo de "bem-feitos" – e o coloca no patamar das obras perigosas. No momento em que o público aceita qualquer coisa feita sob os preceitos de um manual de roteiro, sem que ela procure em momento algum um jeito particular, uma inventividade, uma solução diferente, enfim, no momento em que um Odeon lotado bate palmas para Pequena Miss Sunshine, temos de nos preocupar. Porque é dessa forma que a arte, sem que percebamos todos, deixa de buscar o novo para se encaixar na fácil e triste solução do mesmo.


Leonardo Levis