Quantos
filmes iguais podem ser feitos sem que o público
perceba? É essa a questão que se estabelece,
indiretamente, do primeiro ao último minuto de
Pequena Miss Sunshine. Não há um
fotograma do filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris
que não pareça uma reciclagem dos clichês
de comédias independentes dos últimos
dez anos. Temos, na família desajustada que compõe
a trama, o mesmo olhar preconceituoso que, por algum
motivo, passou a ser confundido erroneamente com afeto;
temos, no campo do humor, as mesmas piadas agridoces
e sacadas de roteiro que, por algum motivo, passaram
a ser confundidas erroneamente com inteligência;
temos, no desenrolar da narrativa, a mesma lição
boba de moral – "seja loser você mesmo"
– que, por algum motivo, passou a ser confundida erroneamente
com alta filosofia; e temos, principalmente, na composição
de imagem e som, a mesma vontade de priorizar o roteiro
em detrimento da mise-en-scène (dentro da qual
a opção de se filmar em cinemascope não
ajuda em nada) que, por algum motivo, passou a ser confundida
erroneamente com contar bem uma história. Enfim,
não temos nada, no fundo.
Quantos filmes iguais podem ser feitos sem que o público
perceba? Essa questão assombra Pequena Miss
Sunshine porque seu caso é o mais recente,
mas não o único. Se fosse a simples reprodução
de um não-estilo que ocorresse com Dayton e Faris
– assim como ocorre, com pequenas diferenças,
em Todd Solondz, Alexander Payne, Miranda July e uma
extensa lista de nomes –, variando apenas do que pode
ser considerado um olhar jocoso (caso de Solondz e Payne)
para um olhar afetuoso (July e a dupla de Pequena
Miss Sunshine), ainda que, realmente, nenhum dos
dois casos difira um do outro, se fosse apenas isso,
não teríamos tanto a criticar. Há,
porem, a crença, representada por Sundance, mas
ecoando nas salas dos circuitos alternativos desse país,
em boa parte da imprensa especializada, no "bom-gosto"
da classe média, de que esse tipo de cinema é
mais artístico do que, por exemplo, o circuito
comercial dominante. Não é na bobagem
da classificação que reside o perigo,
mas em sua finalidade: critica-se uma forma de filme
por seu caráter repetitivo para elogiar outra,
cuja repetição é ainda mais presente
e determinante para seu sucesso, mesmo que não
seja vista como tal.
Quantos filmes iguais podem ser feitos sem que o público
perceba? É esta questão que retira Pequena
Miss Sunshine dos simples filmes medíocres
– aqueles que escondem sua nulidade sob o rótulo
de "bem-feitos" – e o coloca no patamar das
obras perigosas. No momento em que o público
aceita qualquer coisa feita sob os preceitos de um manual
de roteiro, sem que ela procure em momento algum um
jeito particular, uma inventividade, uma solução
diferente, enfim, no momento em que um Odeon lotado
bate palmas para Pequena Miss Sunshine, temos
de nos preocupar. Porque é dessa forma que a
arte, sem que percebamos todos, deixa de buscar o novo
para se encaixar na fácil e triste solução
do mesmo.
Leonardo Levis
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