Em
2000, O Rio Suzhou impressionava pelo aspecto
íntimo, por como as nossas percepções
como espectadores se colavam àquelas do personagem
um pouco a função que Man Push
Cart tem em 2006. Lou Ye era então
um novo nome no cinema chinês, e, melhor ainda,
o fato de que seu filme era clandestino (na China é
preciso de autorização até para
se comprar negativo e eles exigem o controle sobre a
montagem final) trazia um frescor aos esforços
do filme. Seis anos e dois longas-metragens depois,
Lou Ye é um realizador que já teve dois
de seus filmes estreados na seleção oficial
do Festival de Cannes, e ainda que a temática
amorosa esteja no centro da relação de
seus filmes vistos até agora, o talento não
se confirmou. Por quê?
Palácio de Verão, com Borboleta
Púrpura antes dele, é uma história
de amor e de descobertas (da liberdade, do sexo). Mas
ao lado da história íntima, nesses dois
filmes, existe o desejo de afrontar a História,
atenção ao H maiúsculo, de situar
seus filmes em tempos conturbados política e
culturalmente, e fazer o filme funcionar em ambos os
planos, o grandiloqüente da reconstrução
de época e o mais reservado dos destinos individuais
tomados em tempos de turbulência social. A intenção
fica bem clara, mas o resultado não mostra a
desenvoltura que deveria. Assim como em Borboleta
Púrpura, Palácio de Verão
faz um uso da narrativa que, ao invés de harmonizar
o molecular com o molar, acaba se rendendo às
molduras mais batidas que conhecemos, de filmes que
geralmente têm a frase de apresentação
"um amor em tempo de guerra" e usam esse duplo
registro para não precisar afrontar com mais
perícia nem o processo histórico nem o
processo do desejo.
Em Palácio de Verão, seguimos a
trajetória de Yu Hong, uma jovem camponesa que
sai de sua cidadezinha para desenvolver sua sensibilidade
de escritora (o filme é narrado pela leitura
em off do diário dela) na universidade
em Pequim. Lá, ela descobre um novo amor, que
dessa vez irá marcá-la por toda a vida.
Arredia e nada disposta a submeter-se às regras
de comportamento social, ela é um pouco o emblema
da geração que foi à Praça
da Paz Celestial em 1989. Só que sua liberação
é muito mais comportamental do que política,
e o filme faz do sexo a instância de liberdade
não só dela, mas de outros personagens
em volta. Nesse primeiro momento, acompanhamos o andamento
do filme com alguma simpatia, ainda que a montagem moderninha
cheia de jump cuts revele mais um desejo de se
inscrever numa onda do que propriamente fazer um uso
mais pensado do procedimento. O grande problema narrativo
do filme acontece depois que os dois amantes se separam
e de uma hora para outra não temos mais onde
nos ancorar, e, como o filme, ficamos flutuando entre
os clips de passagens de época e cenas de novos
encontros e experiências (ele na Alemanha, ela
numa outra cidadezinha da China).
Vê-se bem o desejo de Lou Ye: pegar os registros
das grandes ficções, dos relatos de "tema
importante" e atribuir-lhes uma jovialidade ao
dosá-los com novos comportamentos as inúmeras
cenas de sexo, freqüentemente filmadas de maneira
semelhante, têm uma função importante
na evoluçao e no clima no filme
e uma atenção mais destacada, incomum,
aos dramas humanos. É um desejo que transparece
em algumas belas e comoventes cenas dos personagens
entregues a si mesmos, ou mesmo de algumas cenas "históricas",
propriamente a tomada das ruas pelos estudantes, que
Lou Ye filma do chão, do ponto de vista de quem
está lá. Mas esses momentos não
são suficientes para tirar os contornos de uma
obra que, ao fim e ao cabo, continua com uma cara oficial
e um gosto aguado. Contrariamente às expectativas,
a negociação entre oficial e subversivo,
entre tradicional e novo, é ganha pelos primeiros,
que ainda se alimentam de retoques de "novidade"
para fingir que se modificam. Será que Lou Ye
conseguirá se desamarrar do academicismo em que
inscreveu suas duas ultimas obras e finalmente comprovar
o talento de artista que vemos em breves momentos? Respostas
no próximo filme...
Ruy Gardnier
|