Os
dois se encontram na festa de casamento. Ele é irmão
da noiva, ela a dama de honra. Não e trata, contudo,
da primeira vez de dois desconhecidos: Nosso Amor
do Passado, através do uso inteligente do split
screen (a tela dividida em duas), reconstrói o relacionamento
fracassado que ambos já mantiveram, ao mesmo tem em
que aponta para a impossibilidade de se amarem novamente.
O split screen está presente desde o início de
Nosso Amor do Passado. A separação e a distância
entre os amantes, cada qual na maior parte restrito
à sua metade do quadro (no princípio), são evidentes,
mesmo que interajam e que conversem continuamente. Flertes,
jogos de palavras, diálogos rápidos à moda das screwball
comedies hollywoodianas da década de 40 aparecem
em profusão ao longo do filme, mas o que o diferencia
das comédias românticas recentes, sem dúvida, é o tratamento
dispensado à imagem e a relação que Canosa estabelece
entre as duas seções da tela.
No terrível Timecode, de Mike Figgis, a tela
se divide em quatro para mostrar quatro planos-seqüência
filmados ao mesmo tempo e que ocorrem concomitantemente.
Em Brian De Palma, o split screen justapõe planos
que se montariam em paralelo (Irmãs Diabólicas),
aumentando a tensão, ou diferentes pontos de vista de
um único acontecimento (Femme Fatale). Canosa,
ao contrário, faz do quadro partido em dois um espelho,
em que as diferentes imagens se refletem umas nas outras,
em processo constante de atualização e de virtualização
do real. Assim, enquanto em uma metade se desenvolve
o encontro no presente, na outra são exibidos flashes
do casamento de seis meses que tiveram e que não funcionou
(como se conheceram, a vida em comum, como se separaram);
se de um lado se mostram os fatos como acontecem na
realidade, de outro os apresentam como poderiam ter
ocorrido – duas imagens do Tempo, o virtual que se atualiza
e o virtual que permanece como possibilidade.
Os atos, gestos, palavras e movimentos do casal estão
condicionados a melancólico balé, em que se busca do
tempo perdido, mas conhecendo-se a priori a impossibilidade
da tarefa. Confinados ao espelho, nos reflexos que suas
vidas se tornaram: ele, namorando dançarina mais jovem;
ela, casada com médico em Londres e madrasta de três
enteadas. Fugaz, a noite de sexo no hotel não representa
alívio ou redenção, apenas traz de volta lembranças
há muito enterradas na memória e propicia sonhos e divagações
injustificadas sobre o futuro. Imagens que se perseguem,
que coincidem ou não, que se fundem (a bela seqüência
em que os corpos fazendo amor, no passado e no presente,
unem-se em todo indivisível, no qual não se pode distingui-los
mais), contudo sempre presas à lógica cruel do tempo
cristalizado: a transformação perpétua a que vida está
submetida varre do mapa chances desperdiçadas e ocasiões
perdidas, deixando somente o lamento, a dor e o sofrimento
pelas recordações que ficam.
“Tarde demais”: com esta frase, Deleuze sintetiza a
principal característica do cinema de Luchino Visconti.
É tarde demais para o irmão de Vagas Estrelas da
Ursa voltar à infância, quando era feliz; ou para
o príncipe Salina recusar a aliança com a burguesia
em O Leopardo; ou para Lívia, em Sedução da
Carne, romper com o amante corrupto e recuperar
a razão; ou para Rocco salvar Simone e a família do
fim inevitável em Rocco e Seus Irmãos. “Tarde
demais”, o descompasso entre os anseios do herói e o
tempo que passa e transforma o mundo, entre os sonhos
do coração e a realidade exterior. Para o casal de Nosso
Amor do Passado, embora se amem e desejem retornar
um ao outro, também a perda se mostra inevitável. Eles
mudaram, seguiram rumos diversos, o contexto que os
cerca igualmente nada tem a ver com as lembranças que
os consomem.
Ela deve pegar o avião para a Inglaterra, e entra no
táxi. Ele vai para outro carro, mas o falseamento do
split screen faz com que pareçam estar no mesmo veículo.
Cada qual conversa com seu respectivo motorista, mas
a impressão é de que, por meio dos outros, falam entre
si. Diálogo falso, inútil, triste, pois o encontro efêmero
da noite anterior foi apenas a despedida para um relacionamento
morto.
Paulo Ricardo de Almeida
|