NOSSO AMOR DO PASSADO
Hans Canosa, Conversations with Other Woman, EUA/Reino Unido, 2005

Os dois se encontram na festa de casamento. Ele é irmão da noiva, ela a dama de honra. Não e trata, contudo, da primeira vez de dois desconhecidos: Nosso Amor do Passado, através do uso inteligente do split screen (a tela dividida em duas), reconstrói o relacionamento fracassado que ambos já mantiveram, ao mesmo tem em que aponta para a impossibilidade de se amarem novamente.

O split screen está presente desde o início de Nosso Amor do Passado. A separação e a distância entre os amantes, cada qual na maior parte restrito à sua metade do quadro (no princípio), são evidentes, mesmo que interajam e que conversem continuamente. Flertes, jogos de palavras, diálogos rápidos à moda das screwball comedies hollywoodianas da década de 40 aparecem em profusão ao longo do filme, mas o que o diferencia das comédias românticas recentes, sem dúvida, é o tratamento dispensado à imagem e a relação que Canosa estabelece entre as duas seções da tela.

No terrível Timecode, de Mike Figgis, a tela se divide em quatro para mostrar quatro planos-seqüência filmados ao mesmo tempo e que ocorrem concomitantemente. Em Brian De Palma, o split screen justapõe planos que se montariam em paralelo (Irmãs Diabólicas), aumentando a tensão, ou diferentes pontos de vista de um único acontecimento (Femme Fatale). Canosa, ao contrário, faz do quadro partido em dois um espelho, em que as diferentes imagens se refletem umas nas outras, em processo constante de atualização e de virtualização do real. Assim, enquanto em uma metade se desenvolve o encontro no presente, na outra são exibidos flashes do casamento de seis meses que tiveram e que não funcionou (como se conheceram, a vida em comum, como se separaram); se de um lado se mostram os fatos como acontecem na realidade, de outro os apresentam como poderiam ter ocorrido – duas imagens do Tempo, o virtual que se atualiza e o virtual que permanece como possibilidade.

Os atos, gestos, palavras e movimentos do casal estão condicionados a melancólico balé, em que se busca do tempo perdido, mas conhecendo-se a priori a impossibilidade da tarefa. Confinados ao espelho, nos reflexos que suas vidas se tornaram: ele, namorando dançarina mais jovem; ela, casada com médico em Londres e madrasta de três enteadas. Fugaz, a noite de sexo no hotel não representa alívio ou redenção, apenas traz de volta lembranças há muito enterradas na memória e propicia sonhos e divagações injustificadas sobre o futuro. Imagens que se perseguem, que coincidem ou não, que se fundem (a bela seqüência em que os corpos fazendo amor, no passado e no presente, unem-se em todo indivisível, no qual não se pode distingui-los mais), contudo sempre presas à lógica cruel do tempo cristalizado: a transformação perpétua a que vida está submetida varre do mapa chances desperdiçadas e ocasiões perdidas, deixando somente o lamento, a dor e o sofrimento pelas recordações que ficam.

“Tarde demais”: com esta frase, Deleuze sintetiza a principal característica do cinema de Luchino Visconti. É tarde demais para o irmão de Vagas Estrelas da Ursa voltar à infância, quando era feliz; ou para o príncipe Salina recusar a aliança com a burguesia em O Leopardo; ou para Lívia, em Sedução da Carne, romper com o amante corrupto e recuperar a razão; ou para Rocco salvar Simone e a família do fim inevitável em Rocco e Seus Irmãos. “Tarde demais”, o descompasso entre os anseios do herói e o tempo que passa e transforma o mundo, entre os sonhos do coração e a realidade exterior. Para o casal de Nosso Amor do Passado, embora se amem e desejem retornar um ao outro, também a perda se mostra inevitável. Eles mudaram, seguiram rumos diversos, o contexto que os cerca igualmente nada tem a ver com as lembranças que os consomem.

Ela deve pegar o avião para a Inglaterra, e entra no táxi. Ele vai para outro carro, mas o falseamento do split screen faz com que pareçam estar no mesmo veículo. Cada qual conversa com seu respectivo motorista, mas a impressão é de que, por meio dos outros, falam entre si. Diálogo falso, inútil, triste, pois o encontro efêmero da noite anterior foi apenas a despedida para um relacionamento morto.


Paulo Ricardo de Almeida