O cinema como difusor dos movimentos de assistência
social. Renato Martins e Lula Carvalho parecem partir
deste princípio ao realizarem Multiplicadores.
Um interesse que a princípio estaria localizado na arte
do grafite, na prática e movimento social dos grafiteiros,
escorrega para a propagação do bem social. O filme parece
querer compartilhar o papel do seu objeto. Se os tais
multiplicadores, além de artistas, são também educadores,
é função do filme corresponder a tal e assim ele se
obriga a dividir o dever, levando para as telas não
apenas um retrato ou documento de pessoas, movimentos
ou eventos, mas também a carga da responsabilidade social
que deve chegar ao público.
O caráter pedagógico de Multiplicadores aparece
como seu maior problema. O didatismo – na forma e no
conteúdo – do documentário o torna massante, esvaziando
o discurso (também político) que está por trás do filme.
Aleatoriamente, alguns dos grafiteiros tem voz ativa.
Mas seus discursos são tão desestruturados quanto o
restante da obra. A retórica vazia aparece desde o princípio,
tornando aqueles personagens não mais grafiteiros, mas
assistentes sociais, verborrágicos. E quando finalmente
os diretores decidem mostrar de fato o trabalho social
realizado pelos multiplicadores, o filme descamba para
uma seqüência no mínimo constrangedora. A câmera entra
numa sala de aula, onde os professores estão passando
a lição de moral aos seus alunos, tudo pontuado pela
narração off explicativa e careta. Lamentavelmente
os artistas do grafite são deslocados de tal posição
(dentro do filme) para exercerem um outro papel: do
personagem desejado pelos diretores.
Contribuindo para o tom de ajuda e socorro ao qual o
filme apela, aparece a figura (mais do que batida) de
Marcelo Yuka. O talentoso músico surge com o discurso
que o caracteriza desde seu acidente: um discurso revoltado
e melancólico, mas que ainda acredita em formas de recuperação.
No entanto, quando colocado neste contexto construído,
num fundo preto, em primeiro plano, o que se vê é mais
uma confirmação da fetichização política construída
sobre a figura de Marcelo Yuka. Ele quase perde sua
individualidade para tornar-se também mais um crítico/analista
da situação social atravessada pelo país.
Fotógrafo promissor, Lula Carvalho deixa a desejar em
Multiplicadores. O uso do digital aparece apenas
como dispositivo barato de produção, o que perde um
pouco seu sentido quando o filme ganha um transfer
(passagem de digital para película) para 35mm. E definitivamente
a câmera de Lula e Renato Martins não dá conta das muitas
cores do grafite.
Raphael Mesquita
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