MULTIPLICADORES
Renato Martins e Lula Carvalho, Brasil, 2006


O cinema como difusor dos movimentos de assistência social. Renato Martins e Lula Carvalho parecem partir deste princípio ao realizarem Multiplicadores. Um interesse que a princípio estaria localizado na arte do grafite, na prática e movimento social dos grafiteiros, escorrega para a propagação do bem social. O filme parece querer compartilhar o papel do seu objeto. Se os tais multiplicadores, além de artistas, são também educadores, é função do filme corresponder a tal e assim ele se obriga a dividir o dever, levando para as telas não apenas um retrato ou documento de pessoas, movimentos ou eventos, mas também a carga da responsabilidade social que deve chegar ao público.

O caráter pedagógico de Multiplicadores aparece como seu maior problema. O didatismo – na forma e no conteúdo – do documentário o torna massante, esvaziando o discurso (também político) que está por trás do filme. Aleatoriamente, alguns dos grafiteiros tem voz ativa. Mas seus discursos são tão desestruturados quanto o restante da obra. A retórica vazia aparece desde o princípio, tornando aqueles personagens não mais grafiteiros, mas assistentes sociais, verborrágicos. E quando finalmente os diretores decidem mostrar de fato o trabalho social realizado pelos multiplicadores, o filme descamba para uma seqüência no mínimo constrangedora. A câmera entra numa sala de aula, onde os professores estão passando a lição de moral aos seus alunos, tudo pontuado pela narração off explicativa e careta. Lamentavelmente os artistas do grafite são deslocados de tal posição (dentro do filme) para exercerem um outro papel: do personagem desejado pelos diretores.

Contribuindo para o tom de ajuda e socorro ao qual o filme apela, aparece a figura (mais do que batida) de Marcelo Yuka. O talentoso músico surge com o discurso que o caracteriza desde seu acidente: um discurso revoltado e melancólico, mas que ainda acredita em formas de recuperação. No entanto, quando colocado neste contexto construído, num fundo preto, em primeiro plano, o que se vê é mais uma confirmação da fetichização política construída sobre a figura de Marcelo Yuka. Ele quase perde sua individualidade para tornar-se também mais um crítico/analista da situação social atravessada pelo país.

Fotógrafo promissor, Lula Carvalho deixa a desejar em Multiplicadores. O uso do digital aparece apenas como dispositivo barato de produção, o que perde um pouco seu sentido quando o filme ganha um transfer (passagem de digital para película) para 35mm. E definitivamente a câmera de Lula e Renato Martins não dá conta das muitas cores do grafite.


Raphael Mesquita