ISABELLA
Pang Ho-Cheung, Isabella, Hong Kong, 2006

O enredo melodramático de Isabella é puramente factual: quando adolescente, Shing se apaixona por uma moça; anos depois conhece casualmente Yan, filha desta mulher e flerta com ela, dizendo que ela tem olhos como o do seu primeiro amor; a menina revela então ser sua filha. Nada do que acontece, no entanto, tem carga alguma de emoção. Ficamos sabendo que Yan perdeu a mãe com câncer há pouco tempo e resolveu então procurar o pai, pregando nele uma pequena peça: fazendo-o acreditar que transou com ela. Entre os dois desenvolve-se uma relação cambaleante, que, partindo dos conflitos iniciais, vai aos poucos ganhando em afetividade. Mas o joguinho de Yan que desencadeia a narrativa é o que dá o tom do filme: no lugar de um envolvimento, uma trama. Isabella pretende trabalhar uma emotividade que está totalmente ausente, na medida em que o filme é totalmente ancorado em seu enfadonho e elaborado roteiro e revela-se incapaz de insuflar suas cenas de alguma autenticidade.

Desta forma, a história ganha dobras e mais dobras que se acavalam, como a relação de Yan com um colega de classe, o seu despejo, a busca pelo cachorro-título, os flashbacks em que vemos a mãe dela, os casos de Shing com diversas prostitutas, a intriga policial, a fuga frustrada. Ao final, Shing descobre que Yan não é sua filha e que a menina tinha tão somente deduzido isto por conta da presença dele na vida da mãe. Mas o que poderia configurar a progressão de uma relação intensa, complexa e indefinida, constitui apenas um somatório dos acontecimentos descritos pelo filme. A emoção que tenta se fazer presente na interpretação pífia dos atores e na presença constante de uma musiquinha melancólica foge completamente das imagens mal-elaboradas de Pang. Toda a expressividade do filme, com os seus ecos destorcidos de Wong Kar-wai (o uso da música, as cartelas, o trabalho cromático de ambientes, os enquadramentos inusitados), não chega a tomar corpo. Isabella é apenas um amontoado de cenas mal decupadas em quadros mal compostos que se propõem a contar uma história rica em acontecimentos e revelações, mas que se abstém da realização de um fato cinematográfico. Pang preocupa-se sobremaneira com malabarismos narrativos e demonstra ignorar como criar uma imagem de alguma pregnância. O esboço de uma conhecida articulação entre o pessoal e o político (o entrecruzamento entre a macro e a micro História), que o diretor ensaia ao inserir no filme a devolução de Macau à China como pano de fundo, passa ao largo de qualquer significância, a partir do momento em que tantas narrativas são evocadas (a romântica, a familiar, a policial, a de submundo) e aos personagens que as atravessam não é conferida nenhuma consistência. Isabella é, no final das contas, apenas um frágil decalque de inúmeros cinemas possíveis, pois faz desabar invariavelmente todas as armações-clichê que ergue. Incompreensível o fato de ter levado o Urso de Prata de melhor trilha sonora no Festival de Berlim deste ano.


Tatiana Monassa