O
enredo melodramático de Isabella é puramente
factual: quando adolescente, Shing se apaixona por uma
moça; anos depois conhece casualmente Yan, filha desta
mulher e flerta com ela, dizendo que ela tem olhos como
o do seu primeiro amor; a menina revela então ser sua
filha. Nada do que acontece, no entanto, tem carga alguma
de emoção. Ficamos sabendo que Yan perdeu a mãe com
câncer há pouco tempo e resolveu então procurar o pai,
pregando nele uma pequena peça: fazendo-o acreditar
que transou com ela. Entre os dois desenvolve-se uma
relação cambaleante, que, partindo dos conflitos iniciais,
vai aos poucos ganhando em afetividade. Mas o joguinho
de Yan que desencadeia a narrativa é o que dá o tom
do filme: no lugar de um envolvimento, uma trama. Isabella
pretende trabalhar uma emotividade que está totalmente
ausente, na medida em que o filme é totalmente ancorado
em seu enfadonho e elaborado roteiro e revela-se incapaz
de insuflar suas cenas de alguma autenticidade.
Desta forma, a história ganha dobras e mais dobras que
se acavalam, como a relação de Yan com um colega de
classe, o seu despejo, a busca pelo cachorro-título,
os flashbacks em que vemos a mãe dela, os casos
de Shing com diversas prostitutas, a intriga policial,
a fuga frustrada. Ao final, Shing descobre que Yan não
é sua filha e que a menina tinha tão somente deduzido
isto por conta da presença dele na vida da mãe. Mas
o que poderia configurar a progressão de uma relação
intensa, complexa e indefinida, constitui apenas um
somatório dos acontecimentos descritos pelo filme. A
emoção que tenta se fazer presente na interpretação
pífia dos atores e na presença constante de uma musiquinha
melancólica foge completamente das imagens mal-elaboradas
de Pang. Toda a expressividade do filme, com os seus
ecos destorcidos de Wong Kar-wai (o uso da música, as
cartelas, o trabalho cromático de ambientes, os enquadramentos
inusitados), não chega a tomar corpo. Isabella
é apenas um amontoado de cenas mal decupadas em quadros
mal compostos que se propõem a contar uma história rica
em acontecimentos e revelações, mas que se abstém da
realização de um fato cinematográfico. Pang preocupa-se
sobremaneira com malabarismos narrativos e demonstra
ignorar como criar uma imagem de alguma pregnância.
O esboço de uma conhecida articulação entre o pessoal
e o político (o entrecruzamento entre a macro e a micro
História), que o diretor ensaia ao inserir no filme
a devolução de Macau à China como pano de fundo, passa
ao largo de qualquer significância, a partir do momento
em que tantas narrativas são evocadas (a romântica,
a familiar, a policial, a de submundo) e aos personagens
que as atravessam não é conferida nenhuma consistência.
Isabella é, no final das contas, apenas um frágil
decalque de inúmeros cinemas possíveis, pois faz desabar
invariavelmente todas as armações-clichê que ergue.
Incompreensível o fato de ter levado o Urso de Prata
de melhor trilha sonora no Festival de Berlim deste
ano.
Tatiana Monassa
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