De
um lado, suntuosos cenários tendem ao estático.
Tudo é solene, pesado e gigantesco. De outro,
vemos corpos que voam como se pesassem menos do que
uma pluma. A morte é um balé. O vermelho
do sangue espirra sobre a superfície branca.
Uma gota de suor cairá em breve, e se misturará
ao rio que segue indiferente ao cortejo de corpos esquartejados
por espadas. Toda a atenção está
concentrada na trajetória dessa gota de suor.
Ela brilha e seu brilho minúsculo ofusca a imensidão
das montanhas que se enfileiram em direção
ao infinito. Enfim, ela cai. Lentamente, em sutil metamorfose,
explode na água do rio. Os sons são sempre
metálicos, como lâminas que cortam os ares
e se chocam. Os mínimos ruídos dos figurinos
se confundem com a respiração dos personagens
que se movem sorrateiros. A qualquer momento, uma explosão,
um grito ou um ruído cortante e então
seremos surpreendidos por movimentos de câmera
que nos farão sair do olho esquerdo de um vilão
para a mais distante colina, de onde avistaremos toda
a virtual extensão do Império.
O filme de Feng Xiaogang conduz-se sempre nesse sentido:
requer do espectador uma atitude de constante entrega
ao bailado de corpos, câmera e objetos de cena.
Na verdade, não pede mais do que isso. Também
não oferece muito além. Seu compromisso
é com o espetáculo. A moldura chama sempre
mais atenção do que o que está
no interior do quadro. Ninguém se importa muito
com quem morre ou com quem mata. O que se quer é
acompanhar o balé de espadas e sangue. Inimigos
do Império é, assim, uma nova espécie
de cinema musical-coreográfico, a que nos acostumamos
a associar com um certo cinema chinês livre para
exportação, cujo estilo há muito
já está perfeitamente integrado ao cardápio
dos efeitos especiais mais corriqueiros do cinema norte-americano.
Por outro lado, a estratégia de jamais desapontar
o espectador não deixa de recorrer à música
piegas para enfatizar o que já está mais
do que claro – paixão, dor dos personagens, angústias
etc.
O cuidado com o hiper-estímulo audiovisual acaba
ofuscando eventuais outras pretensões. Trata-se
de um cinema que tende à abstração,
o que seria ótimo se não houvesse o compromisso
em mecanizar e tornar " exótico" todos
e quaisquer personagens e situações. Ali,
até a miséria é suntuosa. Tenho
a impressão de que o que há de melhor
em espetáculos como Inimigos do Império
é que eles servem para nos levar a experimentar
uma sensação que imagino próxima
a dos espectadores dos primeiros tempos do cinema: ficamos
ali a contemplar corpos que voam, flutuam, caem, levantam-se,
equilibram-se em improváveis galhos de árvore
que balançam suavemente ao vento.
Ah! No meio disso tudo há Shakespeare e, como
bem observou Gilberto Silva Jr., um toque de Nelson
Rodrigues. Mas isso é detalhe.
Luís Alberto Rocha Melo
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