A GRANDE FINAL
Gerardo Olivares, La Grand Final, Espanha/Alemanha, 2005
 

Partindo do questionamento de um dado básico da imagem, a viabilidade de sua transmissão, A Grande Final brinca com a obviedade do acesso a ela para os espectadores privilegiados do filme (a princípio, uma população urbana). O tom bem-humorado da exploração de um contraste entre a vivência tradicionalista de culturas "remotas", que habitam comunidades distantes e isoladas dos grandes centros internacionalizados, e o seu desejo de acesso à tecnologia e à cultura globalizada (assim como a insuspeita naturalidade de sua lida com estas) é grande tônica do filme, que explora em tom de aventura a tentativa aflita de índios amazonenses, tuaregues e mongóis de plugar uma TV para assistir à final da Copa do Mundo de 2002. Este contraste, que funciona como um parti-pris, é justamente o que o filme acaba desmentindo no seu decorrer, ao compor o retrato de um mundo no qual as redes de comunicação e transmissão de informações se propagam sem limites, atingindo os recantos mais escondidos (se não pelos meios materiais, pela presença "ideológica" e conceitual).

Através de montagem paralela, pontuada por momentos de suspense, de ação, de espera e de aceleração, acompanhamos as peripécias de cada um dos "núcleos" narrativos, em busca da imagem que satisfará seus olhos, da captura de um sinal (travestido em signo cultural), que parece de alguma forma "roubado", por não lhes pertencer a priori. Ao mesmo tempo em que esta divertida "batalha" se desenrola, nos questionamos, porém, de que ordem seria esta conquista: da obtenção vitoriosa, interessada e consciente, de um valioso bem estrangeiro ou do exercício de dominação de uma lógica externa àquele mundo, empenhada em subjugar toda a extensão do planeta. Esta dúvida, incômoda em certa medida, acaba, no entanto, relegada a uma posição marginal pelo filme, à medida que vamos nos familiarizando com cada um dos grupos humanos apresentados, com seus hábitos, sua forma de ser, suas práticas cotidianas e sua vivência diferenciada do que para nós é algo tão banal e corriqueiro que raramente chega a ser foco de preocupação.

A simpatia que o filme tem por seus personagens repousa no limiar entre o exotismo-piada e o carinho pelo reconhecimento de uma "causa" em comum, terminando por conquistar nosso envolvimento pela descontração. Descontração essa, presente, especialmente, no fato do filme não encampar um suposto "respeito pela diferença" e dos próprios personagens não se levarem tão a sério, caçoando uns dos outros em diversos momentos. Esta estratégia, se, por um lado, revela um não-distanciamento e uma tentativa de aproximação sem barreiras (o reconhecimento de uma paixão em comum que nos torna receptivos de antemão), denota também uma certa superioridade cultural a informar este olhar sobre o outro, que sobrepõe a "universalidade" do amor ao futebol (ou: de dados de uma cultura capitalista global) às diferenças sócio-histórico-econômico-culturais observadas. Caminhando nesta corda bamba, A Grande Final, contudo, nunca deixa de ser cativante e divertido, se sustentando, principalmente, por um domínio de ritmo narrativo. Talvez, no fim das contas, o filme consiga, em seu equilíbrio precário, contemplar com humor a maior dificuldade de sua proposta: tratar o fato de que o mundo é, ao mesmo tempo, uma aldeia global e uma vasta superfície repleta de diferenças altamente contrastantes e que os homens, apesar de todas as circunstâncias que os separem, podem responder de forma bastante semelhante a alguns "estímulos".


Tatiana Monassa