Partindo
do questionamento de um dado básico da imagem, a viabilidade
de sua transmissão, A Grande Final brinca com
a obviedade do acesso a ela para os espectadores privilegiados
do filme (a princípio, uma população urbana). O tom
bem-humorado da exploração de um contraste entre a vivência
tradicionalista de culturas "remotas", que
habitam comunidades distantes e isoladas dos grandes
centros internacionalizados, e o seu desejo de acesso
à tecnologia e à cultura globalizada (assim como a insuspeita
naturalidade de sua lida com estas) é grande tônica
do filme, que explora em tom de aventura a tentativa
aflita de índios amazonenses, tuaregues e mongóis de
plugar uma TV para assistir à final da Copa do Mundo
de 2002. Este contraste, que funciona como um parti-pris,
é justamente o que o filme acaba desmentindo no seu
decorrer, ao compor o retrato de um mundo no qual as
redes de comunicação e transmissão de informações se
propagam sem limites, atingindo os recantos mais escondidos
(se não pelos meios materiais, pela presença "ideológica"
e conceitual).
Através de montagem paralela, pontuada por momentos
de suspense, de ação, de espera e de aceleração, acompanhamos
as peripécias de cada um dos "núcleos" narrativos,
em busca da imagem que satisfará seus olhos, da captura
de um sinal (travestido em signo cultural), que parece
de alguma forma "roubado", por não lhes pertencer
a priori. Ao mesmo tempo em que esta divertida "batalha"
se desenrola, nos questionamos, porém, de que ordem
seria esta conquista: da obtenção vitoriosa, interessada
e consciente, de um valioso bem estrangeiro ou do exercício
de dominação de uma lógica externa àquele mundo, empenhada
em subjugar toda a extensão do planeta. Esta dúvida,
incômoda em certa medida, acaba, no entanto, relegada
a uma posição marginal pelo filme, à medida que vamos
nos familiarizando com cada um dos grupos humanos apresentados,
com seus hábitos, sua forma de ser, suas práticas cotidianas
e sua vivência diferenciada do que para nós é algo tão
banal e corriqueiro que raramente chega a ser foco de
preocupação.
A simpatia que o filme tem por seus personagens repousa
no limiar entre o exotismo-piada e o carinho pelo reconhecimento
de uma "causa" em comum, terminando por conquistar
nosso envolvimento pela descontração. Descontração essa,
presente, especialmente, no fato do filme não encampar
um suposto "respeito pela diferença" e dos
próprios personagens não se levarem tão a sério, caçoando
uns dos outros em diversos momentos. Esta estratégia,
se, por um lado, revela um não-distanciamento e uma
tentativa de aproximação sem barreiras (o reconhecimento
de uma paixão em comum que nos torna receptivos de antemão),
denota também uma certa superioridade cultural a informar
este olhar sobre o outro, que sobrepõe a "universalidade"
do amor ao futebol (ou: de dados de uma cultura capitalista
global) às diferenças sócio-histórico-econômico-culturais
observadas. Caminhando nesta corda bamba, A Grande
Final, contudo, nunca deixa de ser cativante e divertido,
se sustentando, principalmente, por um domínio de ritmo
narrativo. Talvez, no fim das contas, o filme consiga,
em seu equilíbrio precário, contemplar com humor a maior
dificuldade de sua proposta: tratar o fato de que o
mundo é, ao mesmo tempo, uma aldeia global e uma vasta
superfície repleta de diferenças altamente contrastantes
e que os homens, apesar de todas as circunstâncias que
os separem, podem responder de forma bastante semelhante
a alguns "estímulos".
Tatiana Monassa
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