Mas
de que tipo de juventude eterna estaria falando A
Fórmula de Peter Pan, se à nada no
filme é garantida qualquer idéia de continuidade
ou extensão? Todas as trajetórias traçadas
serão eventualmente interrompidas, o jovem Han
Soo desiste dos treinos de natação, sua
mãe tenta o suicídio, a relação
amorosa com a nova vizinha nunca passa de um esboço,
a aproximação com o pai desconhecido se
desfaz junto de um teste de DNA queimado no meio da
rua. Muito rápido o diretor Cho Chang-Ho propõe
sua saída para essa sucessão de desencontros,
e organiza toda sua encenação em nome
dela. Sua fórmula é a reação
oposta, o elogio do encontro. Mais até que isso,
não apenas esse esbarrar entre pessoas, mas o
compartilhamento de suas emoções, seja
pela semelhança de experiências, seja pela
simples coincidência espacial. Eternizar-se aqui,
longe de satisfação de uma vontade egoísta,
só é possível com a participação
do outro. Assim, A Fórmula de Peter Pan
vai se montando sobre teias, onde o princípio
fundamental é a ligação irrestrita
entre os envolvidos, em todos os níveis possíveis.
O treinador da equipe de natação do colégio
castiga os colegas de Han Soo, todos eles obrigados
a se equilibrar de ponta-cabeça escorados numa
parede, e não porque tenham feito algo de errado.
O talento do protagonista é o que sustenta aquela
equipe, para evitar que essa relação se
quebre parece natural ao treinador submeter os atletas
de que dispõe à tal prova, porque a ligação
essencial entre eles e o maior atleta do grupo vai eventualmente
trazer Han Soo de volta às piscinas.
Essa, no entanto, é uma situação
já antiga, dominada, e até os meninos
que correm atrás de Han Soo para espancá-lo
depois que ele anuncia o fim precoce de sua carreira
irão logo em seguida aparecer ajoelhados implorando
para que o nadador reverta a decisão de encerrar
sua conexão com eles. Quando A Fórmula
de Peter Pan encontra seu protagonista, o rapaz
está no meio da crise esportiva, e algo na infantilidade
de seu grito debaixo do chuveiro anuncia que aquele
será um problema muito menor. É quando
chega em casa e descobre sua mãe e o suicídio
frustrado que Han Soo passa a realmente fazer parte
desse jogo de relações arquitetado pelo
diretor. Daí para adiante o protagonista será
envolvido em uma série de situações
onde a convivência e o contato com o outro, mais
que necessidade, serão imperativos. Uma idéia
torta do avanço da contemporaneidade, que ao
invés de isolar os indivíduos em seus
compartimentos fechados por muros e paredes, obriga
a ligação, seja pela proximidade das casas,
seja pela inexistência de uma divisória
entre uma paciente e outra num mesmo quarto de hospital.
Dividir o quadro, para eventualmente dividir alguma
sintonia.
Mas se prega a eternidade pela convivência, Cho
Chang-Ho esquece da juventude, e não há
quem queira se perpetuar com um repertório de
validade vencida há dúzias de anos. Sempre
que coloca o pé na fantasia, A Fórmula
de Peter Pan sente necessidade de forçar-se
poético e contemplativo, e aí esquece
completamente aquilo que parecia ser uma idéia
muito bem pensada de disposição narrativa
e mise-en-scène. Contaminado por uma certa
mania Kim Ki-Duk de valorar planos pelo tamanho da beleza
e pelo número de interpretações
profundas que possam gerar, como se vitrines de loja
a liquidar qualquer tipo de emoção disponível,
o filme de Cho se deixa tomar por toda sorte de estratégia
caduca, o piano extra-diegético que se torna
diegético com um movimento de grua espetaculoso,
a conversa entre luzes, seja no Código Morse
fajuto que Han Soo e sua vizinha ensaiam em suas respectivas
janelas, seja pela recorrência da iluminação
de um farol no meio do mar, dica nada sutil dos desdobramentos
trágicos que a história tomará
em seu final, todos esses momentos em que a idéia
de uma convivência das diferenças num mesmo
espaço, aqui tomadas pela vontade do diretor
em dizer algo e a nossa vontade em ouvi-lo ou não,
na prática da construção das cenas,
se torna o discurso autoritário de alguém
que elogia o encontro mas exige que suas investidas
sejam admitidas sem questionamentos. Havia algum interesse
no modo como o filme dispunha suas idéias iniciais,
mas sua queda tão vertiginosa faz pensar se não
estaríamos vendo demais naquilo que estava apenas
disfarçando a perda das estribeiras final. Ao
tentar garantir a eternidade de seu protagonista, A
Fórmula de Peter Pan acabou tirando qualquer
possibilidade de ter a sua própria permanência
assegurada. Talvez seja melhor assim.
Rodrigo de Oliveira
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