FONTE DA VIDA
Darren Aronofsky, The Fountain, EUA, 2006

Fonte da Vida é como aquela menina de seis anos que se esconde no quarto da mãe e rouba o estojo de maquiagem. Querendo ficar bonita, ela se pinta inteira, sem senso de equilíbrio, excesso ou mesmo a simples noção de harmonia visual. Realizando um projeto pessoal, talvez até mesmo o filme de sua vida (dizem), Darren Aronofsky preferiu achar que excesso de sentimento corresponde a excesso de espalhafato, e encheu seu filme de desenvolvimentos rocambolescos, efeitos visuais de gosto duvidoso, movimentos de câmera sem sentido (entre os quais um, repetido duas vezes, que mostra tudo de cabeça para baixo e depois dá um 180º "ágil" para voltar ao normal, sem razão aparente), e um certo sentimento rasgado de emoção que jamais é compartilhado pelo espectador. Como a menina de seis anos, ele se estrepou quando a primeira pessoa olhou. Pois Fonte da Vida é de uma feiúra indescritível, uma mistura de imaginário new age com computação gráfica cafona (Aronofsky deve gostar dos filmes de Peter Jackson) com trama "profunda" sobre como o homem é incapaz de dominar a natureza completamente.

O filme todo lida com a luta de um cientista contra o tempo. Sua mulher, aprendemos aos poucos, está morrendo de câncer e tem poucos dias de vida. Ele trabalha obstinadamente para descobrir uma cura que ele possa utilizar em sua mulher e, assim, salvá-la. Mas Darren Aronofsky não acreditou apenas que essa trama realista pudesse ser o suficiente para encher seu filme de emoção, e acrescentou dois outros planos paralelos em que o homem desenvolve sua luta: um é a Espanha na época das cruzadas, em que um conquistador jura amor e lealdade à sua rainha (trata-se do livro que a esposa está escrevendo, que, tchanan!, chama-se "The Fountain", o mesmo nome do filme); outro é mais abstrato, imaginário, e diz respeito apenas ao mesmo homem e sua relação com uma árvore, que é o símbolo da vida e a possibilidade de atingir o absoluto do saber pleno. Só que, ao escalonar os planos de realidade, Aronofsky não acrescenta nem intensidade nem densidade a seu filme. Ao contrário, ele parece querer dizer que um casal tentando ficar unido não é lá muito interessante. Não mais, em todo caso, que uma bando de estrelas cadentes de CGI ao fundo enquanto um homem contempla uma árvore.

O que mais espanta no filme é que a história vai para um lado e a mise-en-scène vai para outro inteiramente diferente. A narrativa de Fonte da Vida é sobre a finitude, sobre a limitação de poderes em relação à natureza e, em segundo lugar, aos outros homens. Sobre a aceitação da morte (ou a castração, em termos psi: você pode certas coisas e outras não). Curiosamente, essa "lição" não é compartilhada pelo diretor, que acha que pode tudo, inclusive criar uma linguagem de impacto (no sentido e com a entonação que os diretores de publicidade usam o termo, por favor) visual para trabalhar aquilo que se dá através de um impacto nada visual, mas inefável, imaterial, sem possível representação gráfica. Imagina-se o diretor como todo-poderoso, caído no lago narcisista das imagens sem referente ou propriedade, enfurnado em seu castelo de cartas (nada de torre de marfim) digital.

Curiosa época essa nossa, em que se pede à computação gráfica que componha nossos sentimentos mais íntimos. O amor na era do CGI não vem dando muito certo: quase fracasso em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembrança (afinal, nossas lembranças são muito mais profundas, não se apagam com borrachas eletrônicas), e fracasso total em Fonte da Vida. Quem nasce para Aronofsky não chega a Kubrick ou Lynch. Esses diretores podem criar uma linguagem visual impactante, mas não às custas de compulsivos efeitos banais e uma história de contornos exagerados mas que no fundo é trivial. Talvez, com o filme feito, Aronofsky tenha aprendido alguma coisa sobre os poderes do excesso. Quanto a nós, espectadores, vemos Fonte da Vida como alguém que vê um livro do Paulo Coelho sendo encenado à maneira de O Senhor dos Anéis com trilha sonora de Enya, Evanescence e Bruno & Marrone.

Ruy Gardnier