Fonte
da Vida é como aquela menina de seis anos
que se esconde no quarto da mãe e rouba o estojo
de maquiagem. Querendo ficar bonita, ela se pinta
inteira, sem senso de equilíbrio, excesso ou
mesmo a simples noção de harmonia visual.
Realizando um projeto pessoal, talvez até mesmo
o filme de sua vida (dizem), Darren Aronofsky preferiu
achar que excesso de sentimento corresponde a excesso
de espalhafato, e encheu seu filme de desenvolvimentos
rocambolescos, efeitos visuais de gosto duvidoso, movimentos
de câmera sem sentido (entre os quais um, repetido
duas vezes, que mostra tudo de cabeça para baixo
e depois dá um 180º "ágil"
para voltar ao normal, sem razão aparente), e
um certo sentimento rasgado de emoção
que jamais é compartilhado pelo espectador. Como
a menina de seis anos, ele se estrepou quando a primeira
pessoa olhou. Pois Fonte da Vida é de
uma feiúra indescritível, uma mistura
de imaginário new age com computação
gráfica cafona (Aronofsky deve gostar dos filmes
de Peter Jackson) com trama "profunda" sobre
como o homem é incapaz de dominar a natureza
completamente.
O filme todo lida com a luta de um cientista contra
o tempo. Sua mulher, aprendemos aos poucos, está
morrendo de câncer e tem poucos dias de vida.
Ele trabalha obstinadamente para descobrir uma cura
que ele possa utilizar em sua mulher e, assim, salvá-la.
Mas Darren Aronofsky não acreditou apenas que
essa trama realista pudesse ser o suficiente para encher
seu filme de emoção, e acrescentou dois
outros planos paralelos em que o homem desenvolve sua
luta: um é a Espanha na época das cruzadas,
em que um conquistador jura amor e lealdade à
sua rainha (trata-se do livro que a esposa está
escrevendo, que, tchanan!, chama-se "The Fountain",
o mesmo nome do filme); outro é mais abstrato,
imaginário, e diz respeito apenas ao mesmo homem
e sua relação com uma árvore, que
é o símbolo da vida e a possibilidade
de atingir o absoluto do saber pleno. Só que,
ao escalonar os planos de realidade, Aronofsky não
acrescenta nem intensidade nem densidade a seu filme.
Ao contrário, ele parece querer dizer que um
casal tentando ficar unido não é lá
muito interessante. Não mais, em todo caso, que
uma bando de estrelas cadentes de CGI ao fundo enquanto
um homem contempla uma árvore.
O que mais espanta no filme é que a história
vai para um lado e a mise-en-scène vai para outro
inteiramente diferente. A narrativa de Fonte da Vida
é sobre a finitude, sobre a limitação
de poderes em relação à natureza
e, em segundo lugar, aos outros homens. Sobre a aceitação
da morte (ou a castração, em termos psi:
você pode certas coisas e outras não).
Curiosamente, essa "lição" não
é compartilhada pelo diretor, que acha que pode
tudo, inclusive criar uma linguagem de impacto (no
sentido e com a entonação que os diretores
de publicidade usam o termo, por favor) visual para
trabalhar aquilo que se dá através de
um impacto nada visual, mas inefável, imaterial,
sem possível representação gráfica.
Imagina-se o diretor como todo-poderoso, caído
no lago narcisista das imagens sem referente ou propriedade,
enfurnado em seu castelo de cartas (nada de torre de
marfim) digital.
Curiosa época essa nossa, em que se pede à
computação gráfica que componha
nossos sentimentos mais íntimos. O amor na era
do CGI não vem dando muito certo: quase fracasso
em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembrança
(afinal, nossas lembranças são muito mais
profundas, não se apagam com borrachas eletrônicas),
e fracasso total em Fonte da Vida. Quem nasce para Aronofsky
não chega a Kubrick ou Lynch. Esses diretores
podem criar uma linguagem visual impactante, mas não
às custas de compulsivos efeitos banais e uma
história de contornos exagerados mas que no fundo
é trivial. Talvez, com o filme feito, Aronofsky
tenha aprendido alguma coisa sobre os poderes do excesso.
Quanto a nós, espectadores, vemos Fonte da
Vida como alguém que vê um livro do
Paulo Coelho sendo encenado à maneira de O
Senhor dos Anéis com trilha sonora de Enya,
Evanescence e Bruno & Marrone.
Ruy Gardnier
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