Vicenzo
era trabalhador em uma usina siderúrgica na Itália,
que está sendo desativada. Diversos equipamentos
da fábrica são vendidos a chineses e o
antigo técnico, de forma sorrateira, tenta estabelecer
contato com eles para comunicá-los sobre um problema
com uma das máquinas. Entre ele e os chineses,
além da incomunicabilidade na qual Liu Hua, a
tradutora, vem intervir, está, portanto, esta
peça de maquinaria sobre a qual reside um grande
mistério. E é este mistério, esta
suspensão de palavras, o grande interesse de
Gianni Amelio em A Estrela Que Não É.
A negativa do título, que parece pairar sobre
todo o filme, incita um clima de suspense indefinido.
Sabemos que a tal peça causou uma explosão
na fábrica e matou trabalhadores, razão
do empenho missionário de Vicenzo em evitar um
possível novo acidente. Mas o estado de negativa
instaurado suprime qualquer informação
suplementar sobre a peça, sobre o acidente, e
mesmo sobre as intenções do personagem,
deixando um vácuo significativo sobre a motivação
da narrativa.
O que se anuncia como uma espionagem industrial e intriga
tecnológica, passa a ganhar ares de conto de
aproximação entre duas pessoas, cuja relação
estranha e conflituosa do início cede aos poucos
à medida que o afeto cresce entre elas. A
Estrela Que Não É perde-se então
nesta sua indefinição entre uma trama
mais palpável, um drama mais sutil e a exploração
do encontro e eventual choque entre duas culturas (a
italiana e chinesa) a pautar uma narrativa de viagem
e descobertas. Vicenzo parte para a China, imbuído
de sua missão auto-imposta de prevenir um virtual
desastre e lá reencontra Liu Hua e contrata-a
para acompanhá-lo como intérprete. Em
sua óbvia posição de elo entre
as culturas, a moça guia o italiano pelo desconhecido
da geografia e dos hábitos locais. Mas o que
seria uma jornada, torna-se uma busca investigativa,
já que Vicenzo não possui informação
alguma sobre a fábrica que procura. E uma vez
mais o filme não sabe onde pisa, pois precisa
inventar fatos e costurá-los num roteiro para
destilar sua crença num humanismo acima das nações,
que demonstre ser possível a compreensão
entre os homens para além das barreiras culturais.
Desta forma, Amelio cria, a exemplo de Zhang Yimou em
Um Longo Caminho, um filme-redoma, no qual o
encontro entre culturas é amenizado em seus possíveis
confrontos e as diferenças são tratadas
como pontuais, para que seja sobrevenha o sentimento
de que todos os homens compartilham uma humanidade em
comum. E, embora o diretor italiano tente capturar em
seu filme um afeto sem nome, circunstancial, que irrompa
entre duas pessoas apesar do que as separa, sua câmera
destaca as figuras do fundo e coloniza o espaço,
descortinando-o como algo já conhecido e eliminando
a sensação de descoberta que acompanharia
Vicenzo. O filme apresenta-se "protegido" do mundo e
domestica os perigos e conflitos que poderiam ameaçar
os personagens. E por sua incapacidade de centrar minimamente
os propósitos da narrativa, A Estrela Que
Não É apenas multiplica incertezas,
sendo a mais vital a que envolve a falha da máquina,
aspecto central do filme: seria ela apenas uma obsessão
de Vicenzo e um pretexto para sua busca pessoal por
uma redenção, possivelmente por conta
de um passado (que desconhecemos e que ele projeta em
Liu Hua), ou uma ameaça real, em que a ilusão
de justiça e de comunicação extraverbal
do italiano corrobora a má índole dos
seus compatriotas que fizeram o negócio?
Se a incerteza era o objetivo de Gianni Amelio para
celebrar a ligação entre as pessoas como
resistência ao mundo e a seus males e tecer considerações
sobre instabilidade versus permanência,
na inerente imbricação entre vida e cultura,
A Estrela Que Não É é um
retumbante fracasso, pois não consegue realizar
a articulação fundamental entre proposição
de questões e roteiro e entre propósito
narrativo e cenas individuais. E se os personagens protagonizam
algumas seqüências bem-sucedidas em tom,
estas são imediatamente seguidas por outras que
dinamitam o que estava sendo construído e sugerem
outra lógica. Completamente desconjuntado e indefinido,
A Estrela Que Não É desperdiça
alguns bons momentos de cinema.
Tatiana Monassa
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