A ESTRELA QUE NÃO É
Gianni Amelio, La stella che non c'è, Itália/França/Suíça/Cingapura, 2006

Vicenzo era trabalhador em uma usina siderúrgica na Itália, que está sendo desativada. Diversos equipamentos da fábrica são vendidos a chineses e o antigo técnico, de forma sorrateira, tenta estabelecer contato com eles para comunicá-los sobre um problema com uma das máquinas. Entre ele e os chineses, além da incomunicabilidade na qual Liu Hua, a tradutora, vem intervir, está, portanto, esta peça de maquinaria sobre a qual reside um grande mistério. E é este mistério, esta suspensão de palavras, o grande interesse de Gianni Amelio em A Estrela Que Não É. A negativa do título, que parece pairar sobre todo o filme, incita um clima de suspense indefinido. Sabemos que a tal peça causou uma explosão na fábrica e matou trabalhadores, razão do empenho missionário de Vicenzo em evitar um possível novo acidente. Mas o estado de negativa instaurado suprime qualquer informação suplementar sobre a peça, sobre o acidente, e mesmo sobre as intenções do personagem, deixando um vácuo significativo sobre a motivação da narrativa.

O que se anuncia como uma espionagem industrial e intriga tecnológica, passa a ganhar ares de conto de aproximação entre duas pessoas, cuja relação estranha e conflituosa do início cede aos poucos à medida que o afeto cresce entre elas. A Estrela Que Não É perde-se então nesta sua indefinição entre uma trama mais palpável, um drama mais sutil e a exploração do encontro e eventual choque entre duas culturas (a italiana e chinesa) a pautar uma narrativa de viagem e descobertas. Vicenzo parte para a China, imbuído de sua missão auto-imposta de prevenir um virtual desastre e lá reencontra Liu Hua e contrata-a para acompanhá-lo como intérprete. Em sua óbvia posição de elo entre as culturas, a moça guia o italiano pelo desconhecido da geografia e dos hábitos locais. Mas o que seria uma jornada, torna-se uma busca investigativa, já que Vicenzo não possui informação alguma sobre a fábrica que procura. E uma vez mais o filme não sabe onde pisa, pois precisa inventar fatos e costurá-los num roteiro para destilar sua crença num humanismo acima das nações, que demonstre ser possível a compreensão entre os homens para além das barreiras culturais.

Desta forma, Amelio cria, a exemplo de Zhang Yimou em Um Longo Caminho, um filme-redoma, no qual o encontro entre culturas é amenizado em seus possíveis confrontos e as diferenças são tratadas como pontuais, para que seja sobrevenha o sentimento de que todos os homens compartilham uma humanidade em comum. E, embora o diretor italiano tente capturar em seu filme um afeto sem nome, circunstancial, que irrompa entre duas pessoas apesar do que as separa, sua câmera destaca as figuras do fundo e coloniza o espaço, descortinando-o como algo já conhecido e eliminando a sensação de descoberta que acompanharia Vicenzo. O filme apresenta-se "protegido" do mundo e domestica os perigos e conflitos que poderiam ameaçar os personagens. E por sua incapacidade de centrar minimamente os propósitos da narrativa, A Estrela Que Não É apenas multiplica incertezas, sendo a mais vital a que envolve a falha da máquina, aspecto central do filme: seria ela apenas uma obsessão de Vicenzo e um pretexto para sua busca pessoal por uma redenção, possivelmente por conta de um passado (que desconhecemos e que ele projeta em Liu Hua), ou uma ameaça real, em que a ilusão de justiça e de comunicação extraverbal do italiano corrobora a má índole dos seus compatriotas que fizeram o negócio?

Se a incerteza era o objetivo de Gianni Amelio para celebrar a ligação entre as pessoas como resistência ao mundo e a seus males e tecer considerações sobre instabilidade versus permanência, na inerente imbricação entre vida e cultura, A Estrela Que Não É é um retumbante fracasso, pois não consegue realizar a articulação fundamental entre proposição de questões e roteiro e entre propósito narrativo e cenas individuais. E se os personagens protagonizam algumas seqüências bem-sucedidas em tom, estas são imediatamente seguidas por outras que dinamitam o que estava sendo construído e sugerem outra lógica. Completamente desconjuntado e indefinido, A Estrela Que Não É desperdiça alguns bons momentos de cinema.


Tatiana Monassa