ENTRE CEM MODOS, UM

Ao longo dos anos acredito ter mudado meu método de filmagem apenas no sentido de ter simplificado cada vez mais. Sempre procurei alcançar uma maior simplificação dos meios técnicos. No que diz respeito ao trabalho direto com os atores, acredito não ter mudado em nada e de ser, ao contrário, exatamente como na época de Obsessão.

Utilizei muito pouco o carrinho (dolly), para não dizer nunca. Por exemplo, é muito difícil para mim mexer a câmera como faz Fellini. Quando a minha câmera se movimenta, é imperceptível. Evidentemente, às vezes até eu preciso que ela se mova, que ela se desloque. Mas eu não faço nunca de forma premeditada, mas quando verdadeiramente a cena que devo filmar me sugere: nunca penso antecipadamente. Me parece que é necessário simplificar a escrita ao máximo. Porque o estilo de um grande romancista é o mais despojado possível, é aquele que comporta o menor número de adjetivos, o mínimo de pontuação, o mínimo de superlativos, é aquele que é mais claro.

Muitas vezes me acusaram de uma pesquisa exagerada no detalhe da cenografia, das mobílias, dos figurinos. Me parece uma acusação falsa, pois a pesquisa nunca é excessiva. Se o fosse, ela esmagaria a história e os personagens, e creio que isso nunca tenha acontecido. A necessidade, a exigência de ter uma cenografia precisa, exata, é a vontade de apresentar ao público uma obra sempre crível, uma visão historicamente exata, na maneira de viver, de agir, do comportar-se de certos personagens imersos num mundo determinado, e que servem para esclarecer o conteúdo de uma seqüência de acontecimentos, da história de um filme. Me parece que a precisão nos detalhes seja, portanto, uma conseqüência lógica, inevitável.

Sobre esta minha pesquisa, contam anedotas já lendárias, mas nada disso é verdadeiro. São invenções de cronistas que odeiam o cinema. Não sendo do ofício, o detestam, motivados de algum modo por um sentimento de inveja, de ódio, porque acham que o cinema é um ambiente de loucos, de aventureiros, de mulheres, de gente que vive em meio aos milhões, de gente que vive se divertindo, e que não sabem que se trata de um cansaço terrível, que é um trabalho que definirei como quase mortal.

Todavia, em toda minha carreira, não lembro de ter refilmado uma seqüência, de ter mudado alguma coisa que tivesse preparado com precisão. Quando filmo, não vejo nem os copiões. Porque não quero vê-los. E isso é um pouco um motivo de desespero para o meu diretor de fotografia, que no entanto agora já me conhece bem. Só vou vê-los, finalmente, um mês depois de ter filmado. Aquilo que tenho na cabeça e quero fazer, só quero vê-lo realizado quando está acabado, completo.

Uma vez completo, então ótimo, aceito como está. Talvez tudo isso seja realmente presunçoso de minha parte, porque acredito não me enganar nunca, quando na verdade me engano com freqüência. Em todo caso, é um defeito do qual sou absolutamente conhecedor, mas incapaz de corrigir. Não me aconteceu nunca dizer: filmei essa cena dessa maneira, e então amanhã vou refazê-la e filmá-la de outro modo. Para não precisar recomeçar a mesma cena, muitas vezes filmo com três câmeras ao mesmo tempo, porque não me agrada refilmar a mesma cena de outro ângulo. Assim, já sei o que me servirá na montagem, e é por isso que coloco três câmeras em posições diferentes e em seguida faço trabalhar os atores.

Geralmente procedo assim: duas câmeras são colocadas de forma coerente em função da montagem, e a terceira é um pouco, por assim dizer, ao acaso. Porque quero sempre recolher alguma coisa que o ator não sabe, sem nem mesmo dizer a ele. Quero dizer que coloco essa terceira câmera numa posição que é absolutamente contrária à cena que irei filmar, porque ela me dá muitas vezes coisas fortuitas, verdadeiramente roubadas, um olhar improvisado, um gesto que não era previsto mas que pode ser aquilo que salienta uma cena no modo mais realista e mais forte. E nunca tenho dúvidas sobre o lugar em que devo colocar a câmera. Há diretores que não sabem onde colocar a câmera, filmando de enquadramento em enquadramento.

Eu chego no set e digo imediatamente a [Giuseppe] Rotunno: olha, esta fica aqui, esta fica lá, aquela fica lá: coloca. Depois volto, filmo e trabalho com os atores. Quero dizer que não tenho dúvidas, e é por isso que as acusações revoltadas daqueles que consideram o cinema como um mundo de loucos são absurdas. Não refaço uma cena, nem mudo uma cenografia, nem mudo um figurino porque são coisas que observo com muitíssima antecipação, e é um trabalho de preparação que desenvolvo com os meus colaboradores, com os técnicos que se ocupam desse campo específico. Eu forneço todas as indicações, escolho todos os objetos, até o último pedaço de tecido que pode servir, e depois disso não há arrependimentos.

Me dizem: se talvez você se arrependesse de vez em quando, melhoraria aquilo que faz. Ao contrário. Poderia trazer melhoramentos, mas não saberia mais aquilo que tinha em mente; e o meu único propósito é o de realizar exatamente aquilo que tenho em mente assim como o concebi. Obviamente existem outros cem modos de trabalhar, mas este é o meu, e me parece que a coisa mais importante é que uma obra carregue consigo sempre a marca de uma personalidade.

Luchino Visconti

(publicado originalmente em L’illustrazione italiana, 1983; tradução de Ruy Gardnier; revisão de Isabela Montello).