Descobrir aos 10 minutos de
projeção que o título do filme Enquanto Isso
(traduzido e no original) é aplicado à obra de maneira
literal não é uma surpresa necessariamente agradável.
Sobretudo quando no cinema se utiliza um recurso já
antigo e batido (ainda que não desatualizado) para se
contar histórias: a montagem paralela. A idéia de “enquanto
isso...” desde Griffith já esteve presente no cinema,
e este foi talvez o criador desta ferramenta narrativa.
Mas no cinema contemporâneo há uma tendência à supervalorização
do efeito, que se sobrepõe à narrativa, valendo por
si só. Essa chamada montagem “espertinha”, a partir
da intercalação de seqüências de personagens e situações
distintas, procura criar relações de causa e conseqüência.
No entanto, apesar de ser possível identificar uma série
de filmes que apontam para a utilização do recurso (Crash,
Amores Brutos, 21 Gramas), como estrutura fácil,
são poucos (ou quase nenhum) que acertam. E seguramente
Enquanto Isso não é um deles.
O diretor Diego Lerman parece ter como grande influência
Alejandro Iñarritu, sobretudo Amores Brutos.
Até mesmo a morte de um cachorro – em seqüência bizarra
em ambos os filmes – aparece como referência explícita.
Se aquele já não era um grande filme (que fique claro
o eufemismo), pois apresentava problemas parecidos (criando
conflitos a partir de associações quaisquer), Enquanto
Isso torna-se um verdadeiro desfile de cenas desconjuntadas,
confusas, sem interesse, envolvimento ou profundidade:
personagens com histórias independentes que, apesar
de se cruzarem, não interferem umas nas outras; expectativa
de clímax, sempre a espera de que haja reviravolta na
trama – o que no final das contas acaba tornando-se
indiferente; uma série de situações que não se conectam
com um todo. E Enquanto Isso, apesar de beber
nas fontes do cinema cultuadinho pelo grande público
no momento (e pelo Oscar, vale lembrar), não consegue
se firmar numa história redonda, com as tradicionais
sacadinhas e surpresas deixadas pro final.
Mas deixando essa estrutura de lado, concentremo-nos
nos personagens de Diego Lerman. Um casal tenta engravidar,
mas a esterilidade do marido não permite. Após sucessivas
tentativas médicas, o casal entra em conflito, pois
a mulher quer ter uma gravidez normal, jogando, assim,
a culpa no marido. Este, um sujeito pacato, tenta contornar
a situação, a fim de não perdê-la, aceitando que um
outro homem divida (literalmente) sua cama. Ok, partamos
para outra história. O homem que dividiu a cama da história
anterior é ex-marido de uma empregada doméstica, com
quem tem uma filha. Mora com um amigo cabeludo e tatuado,
que bebe constantemente, que tem uma caminhonete e,
claro, é extremamente violento, ciumento e agressivo.
Lembram-se de Matt Dillon em Crash? Seguindo...
A mulher do cara violento, numa “outra” história, divide
seu apartamento com uma amiga, também empregada doméstica.
Esta se envolve com o filho da patroa, indivíduo “do
bem”, mas sempre submetido aos outros. Tem uma fábrica
de porcelanas (faz cinzeiros) e também uma dificuldade
extrema de relacionamento. É o famoso bundão. Tanto
que quando consegue levar a mulher para a cama, (adivinhem!)
broxa e fica constrangido, esperando o tempo no motel
acabar. Ele é também personagem... chega, chega. O leitor
não merece passar pelo mesmo que o espectador. Enquanto
Isso definitivamente repete todos os problemas do
filme-painel, que tenta dar conta de uma sociedade heterogênea.
No entanto, se fecha em um grupo de estereótipos mal-trabalhados
e que passam longe de representar qualquer coisa. Tão
ruim quanto suas referências. Coincidência?
Raphael Mesquita
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