ENQUANTO ISSO
Diego Lerman, Mientras Tanto, Argentina, 2006

Descobrir aos 10 minutos de projeção que o título do filme Enquanto Isso (traduzido e no original) é aplicado à obra de maneira literal não é uma surpresa necessariamente agradável. Sobretudo quando no cinema se utiliza um recurso já antigo e batido (ainda que não desatualizado) para se contar histórias: a montagem paralela. A idéia de “enquanto isso...” desde Griffith já esteve presente no cinema, e este foi talvez o criador desta ferramenta narrativa. Mas no cinema contemporâneo há uma tendência à supervalorização do efeito, que se sobrepõe à narrativa, valendo por si só. Essa chamada montagem “espertinha”, a partir da intercalação de seqüências de personagens e situações distintas, procura criar relações de causa e conseqüência. No entanto, apesar de ser possível identificar uma série de filmes que apontam para a utilização do recurso (Crash, Amores Brutos, 21 Gramas), como estrutura fácil, são poucos (ou quase nenhum) que acertam. E seguramente Enquanto Isso não é um deles.

O diretor Diego Lerman parece ter como grande influência Alejandro Iñarritu, sobretudo Amores Brutos. Até mesmo a morte de um cachorro – em seqüência bizarra em ambos os filmes – aparece como referência explícita. Se aquele já não era um grande filme (que fique claro o eufemismo), pois apresentava problemas parecidos (criando conflitos a partir de associações quaisquer), Enquanto Isso torna-se um verdadeiro desfile de cenas desconjuntadas, confusas, sem interesse, envolvimento ou profundidade: personagens com histórias independentes que, apesar de se cruzarem, não interferem umas nas outras; expectativa de clímax, sempre a espera de que haja reviravolta na trama – o que no final das contas acaba tornando-se indiferente; uma série de situações que não se conectam com um todo. E Enquanto Isso, apesar de beber nas fontes do cinema cultuadinho pelo grande público no momento (e pelo Oscar, vale lembrar), não consegue se firmar numa história redonda, com as tradicionais sacadinhas e surpresas deixadas pro final.

Mas deixando essa estrutura de lado, concentremo-nos nos personagens de Diego Lerman. Um casal tenta engravidar, mas a esterilidade do marido não permite. Após sucessivas tentativas médicas, o casal entra em conflito, pois a mulher quer ter uma gravidez normal, jogando, assim, a culpa no marido. Este, um sujeito pacato, tenta contornar a situação, a fim de não perdê-la, aceitando que um outro homem divida (literalmente) sua cama. Ok, partamos para outra história. O homem que dividiu a cama da história anterior é ex-marido de uma empregada doméstica, com quem tem uma filha. Mora com um amigo cabeludo e tatuado, que bebe constantemente, que tem uma caminhonete e, claro, é extremamente violento, ciumento e agressivo. Lembram-se de Matt Dillon em Crash? Seguindo... A mulher do cara violento, numa “outra” história, divide seu apartamento com uma amiga, também empregada doméstica. Esta se envolve com o filho da patroa, indivíduo “do bem”, mas sempre submetido aos outros. Tem uma fábrica de porcelanas (faz cinzeiros) e também uma dificuldade extrema de relacionamento. É o famoso bundão. Tanto que quando consegue levar a mulher para a cama, (adivinhem!) broxa e fica constrangido, esperando o tempo no motel acabar. Ele é também personagem... chega, chega. O leitor não merece passar pelo mesmo que o espectador. Enquanto Isso definitivamente repete todos os problemas do filme-painel, que tenta dar conta de uma sociedade heterogênea. No entanto, se fecha em um grupo de estereótipos mal-trabalhados e que passam longe de representar qualquer coisa. Tão ruim quanto suas referências. Coincidência?

Raphael Mesquita