CAINDO DE AMOR
Tudor Giurgiu, Legaturi bolnavicioase,
Romênia, 2006

Dois prêmios seguidos nas duas últimas edições do Festival de Cannes, e havia a impressão de que um novo cinema começava a surgir na Romênia, que até A Morte do Sr. Lazaresco, pelo menos para o público brasileiro, parecia só mais um daqueles países do leste europeu onde as produções americanas desembarcavam de mala e cuia para realizarem seus filmes, por ser mais barato fantasiar um outro país de Wyoming do que filmar no estado americano de verdade. Se há mesmo uma aproximação entre o filme de Cristi Puiu e os outros romenos a que começamos a ter acesso agora, em especial este Caindo de Amor, ela se dá muito menos por semelhança de propostas estéticas, ou mesmo por um tipo comum de drama e encenação, ambientes ou personagens. Essa aproximação aparece, sobretudo, fundada numa idéia que está na fonte de todo cinema novo que já existiu por aí (com a mesma força em sinal oposto, no que esses cinemas envelheceram quando deixaram de carregar essa idéia). Estes novos filmes nascem a partir do confronto com um problema, para o qual toda reação precisa passar necessariamente pelo que o cinema pode oferecer de munição para esse enfrentamento. Trazer um problema para dentro do filme, e responder à ele com nada menos que a infinidade de alternativas disponíveis na construção de imagens e na conexão entre elas através de uma linguagem; eventualmente até criar conexões nunca antes tentadas.

Caindo de Amor é um tanto enganador na apresentação desse ruído que o impele à existência. Vendido como filme romântico lésbico, sua primeira imagem mostra um casal heterossexual numa cama, no momento imediatamente anterior ao sexo (eliminado pelo corte). Menos de dez minutos depois, saberemos que o homem e a mulher que estavam naquela cama, Sandu e Alex, são na verdade irmãos. O incesto, confirmado pela cena de sua consumação absoluta, mas insinuado constantemente por todo filme, não será nunca a questão de Caindo de Amor. Muito menos o surgimento em cena de Kiki, a jovem universitária com quem Alex se envolverá e que finalmente justificará a inclusão do filme nas mostras de diversidade sexual, será colocado no foco das intenções do diretor Tudor Giurgiu. Problemático é o amor do título, visto aqui como a equivalência das duas relações que Alex estabelece, com seu irmão e com sua amiga. Como será dito literalmente a certa altura do filme, houve uma tomada consciente de posição por parte da moça, no sentido da relação homossexual, mas essa decisão nunca excluiu a possibilidade do amor incestuoso, e na verdade qualquer peso moral ou psicológico da relação entre irmãos não fora nem sequer insinuado. Se este dado é naturalizado, se não há relevância muito grande no laço sangüíneo entre os amantes, o mesmo valerá para a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Caindo de Amor, entre o drama familiar pecaminoso e o conto romântico de transgressão, nega estas duas alternativas fáceis, e se joga na tentativa de descobrir em que bases se funda esse amor livre de restrições socialmente ditadas. Colado em seus três personagens, Giurgiu consegue trazer um problema para o centro de seu cinema.

Faltou apenas trazer o cinema para seu próprio centro. Princípio econômico e político de qualquer cinematografia subdesenvolvida, a constante câmera na mão é o símbolo mais evidente de uma série de banalizações do estilo, ele mesmo totalmente inconsistente, alinhando essa agilidade essencial da falta de planos fixos à uma imobilidade narrativa engessada por construções clássicas envelhecidas demais para se associarem a qualquer suposição de "novo". A necessidade de deixar claros os sentimentos da protagonista acaba colocando em Caindo de Amor uma narração em off que consegue tirar a força de muitos momentos em que a imagem, por si só, já se bastava de informações e sensações. Do mesmo jeito, parece quase obsessiva a vontade de delinear as personalidades de cada uma das pontas desse triângulo amoroso, Sandu o explosivo, Alex a intensa, Kiki a inocente, com gradações mínimas a partir de cada uma dessas características. Os coadjuvantes dessa história, pais e mães, a senhoria da pensão onde Kiki mora, não deixam nunca de parecer maquiagem num filme que volta e meia sentia a necessidade de uma corzinha diferente, personagens pó-de-arroz. Pois até que consiga realmente propor uma maneira de fazer cinema que incorpore na estética aquilo que a ética já traz como dissonância positiva, até lá essa idéia de um cinema romeno nascente, da qual Caindo de Amor é um exemplo combalido, não passará de uma velha novidade.


Rodrigo de Oliveira