Dois
prêmios seguidos nas duas últimas edições
do Festival de Cannes, e havia a impressão de
que um novo cinema começava a surgir na Romênia,
que até A Morte do Sr. Lazaresco, pelo
menos para o público brasileiro, parecia só
mais um daqueles países do leste europeu onde
as produções americanas desembarcavam
de mala e cuia para realizarem seus filmes, por ser
mais barato fantasiar um outro país de Wyoming
do que filmar no estado americano de verdade. Se há
mesmo uma aproximação entre o filme de
Cristi Puiu e os outros romenos a que começamos
a ter acesso agora, em especial este Caindo de Amor,
ela se dá muito menos por semelhança de
propostas estéticas, ou mesmo por um tipo comum
de drama e encenação, ambientes ou personagens.
Essa aproximação aparece, sobretudo, fundada
numa idéia que está na fonte de todo cinema
novo que já existiu por aí (com a mesma
força em sinal oposto, no que esses cinemas envelheceram
quando deixaram de carregar essa idéia). Estes
novos filmes nascem a partir do confronto com um problema,
para o qual toda reação precisa passar
necessariamente pelo que o cinema pode oferecer de munição
para esse enfrentamento. Trazer um problema para dentro
do filme, e responder à ele com nada menos que
a infinidade de alternativas disponíveis na construção
de imagens e na conexão entre elas através
de uma linguagem; eventualmente até criar conexões
nunca antes tentadas.
Caindo de Amor é um tanto enganador na
apresentação desse ruído que o
impele à existência. Vendido como filme
romântico lésbico, sua primeira imagem
mostra um casal heterossexual numa cama, no momento
imediatamente anterior ao sexo (eliminado pelo corte).
Menos de dez minutos depois, saberemos que o homem e
a mulher que estavam naquela cama, Sandu e Alex, são
na verdade irmãos. O incesto, confirmado pela
cena de sua consumação absoluta, mas insinuado
constantemente por todo filme, não será
nunca a questão de Caindo de Amor. Muito
menos o surgimento em cena de Kiki, a jovem universitária
com quem Alex se envolverá e que finalmente justificará
a inclusão do filme nas mostras de diversidade
sexual, será colocado no foco das intenções
do diretor Tudor Giurgiu. Problemático é
o amor do título, visto aqui como a equivalência
das duas relações que Alex estabelece,
com seu irmão e com sua amiga. Como será
dito literalmente a certa altura do filme, houve uma
tomada consciente de posição por parte
da moça, no sentido da relação
homossexual, mas essa decisão nunca excluiu a
possibilidade do amor incestuoso, e na verdade qualquer
peso moral ou psicológico da relação
entre irmãos não fora nem sequer insinuado.
Se este dado é naturalizado, se não há
relevância muito grande no laço sangüíneo
entre os amantes, o mesmo valerá para a relação
entre duas pessoas do mesmo sexo. Caindo de Amor,
entre o drama familiar pecaminoso e o conto romântico
de transgressão, nega estas duas alternativas
fáceis, e se joga na tentativa de descobrir em
que bases se funda esse amor livre de restrições
socialmente ditadas. Colado em seus três personagens,
Giurgiu consegue trazer um problema para o centro de
seu cinema.
Faltou apenas trazer o cinema para seu próprio
centro. Princípio econômico e político
de qualquer cinematografia subdesenvolvida, a constante
câmera na mão é o símbolo
mais evidente de uma série de banalizações
do estilo, ele mesmo totalmente inconsistente, alinhando
essa agilidade essencial da falta de planos fixos à
uma imobilidade narrativa engessada por construções
clássicas envelhecidas demais para se associarem
a qualquer suposição de "novo".
A necessidade de deixar claros os sentimentos da protagonista
acaba colocando em Caindo de Amor uma narração
em off que consegue tirar a força de muitos momentos
em que a imagem, por si só, já se bastava
de informações e sensações.
Do mesmo jeito, parece quase obsessiva a vontade de
delinear as personalidades de cada uma das pontas desse
triângulo amoroso, Sandu o explosivo, Alex a intensa,
Kiki a inocente, com gradações mínimas
a partir de cada uma dessas características.
Os coadjuvantes dessa história, pais e mães,
a senhoria da pensão onde Kiki mora, não
deixam nunca de parecer maquiagem num filme que volta
e meia sentia a necessidade de uma corzinha diferente,
personagens pó-de-arroz. Pois até que
consiga realmente propor uma maneira de fazer cinema
que incorpore na estética aquilo que a ética
já traz como dissonância positiva, até
lá essa idéia de um cinema romeno nascente,
da qual Caindo de Amor é um exemplo combalido,
não passará de uma velha novidade.
Rodrigo de Oliveira
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