Um
coreano de meia-idade, ex-militante comunista, divorciado
de sua mulher, distante do filho, que nunca vê,
não acha mais sentido em nada e se isola do mundo.
Casualmente, conhece um missionário que o ajudará
a reaprender como apreciar a vida. Assim como o título
do filme de Shin Dong-Il revela uma dicotomia, seu tom
sempre se ancorará em outra, representada por
esta breve sinopse: a oposição entre a
perdição e a salvação na
vida de dois homens. Cada cena de Anfitrião
e Convidado tem, por princípio, solidificar
este princípio, e é isto que retira da
obra o – pouco – interesse que ela consegue em algumas
de suas seqüências.
Ho-Jun, o protagonista, passa os primeiros vinte minutos
de projeção reproduzindo todos os gestos
e acontecimentos previsíveis a um personagem
sem vontade de viver: reclama do mundo e de todos, enche
a cara o dia inteiro, faz cara de deprimido, dá
bronca em quem se intromete em seu não-caminho
e, inclusive, perde o senso de moral que deveria ter,
contratando prostitutas (as quais, se não bastasse,
humilha como se fossem gado) para satisfazer-se. A fotografia,
sempre muito clara, reclamando a salvação
impossível, reitera que ele é um homem
perdido, acabado, morto. Não há um plano
desta parte inicial do filme no qual Shin Dong-Il tente
amenizar a situação, dando mais relevo,
personalidade, enfim, vida, a seu protagonista, mesmo
que ele exista apenas na falta dela. De clichês
mal-trabalhados o cinema, felizmente, não necessita.
Mas é no restante da projeção,
quando estes mesmos clichês diminuem, que o filme
derrapa ladeira abaixo. Se, após a entrada do
missionário, as cenas continuam a existir apenas
com uma função didática (normalmente
ainda dentro da linha simplista "este momento representa
a parte da perdição e este da salvação"),
refletindo sempre, em sua falta de sentimento, coesão
ou mesmo sentido, uma idéia do diretor, esta
idéia fica cada vez menos clara. Anfitrião
e Convidado passa a se tornar, então, um estranho
filme-tese, já que a mesma revela-se de plano
a plano mais complicada de compreender. Ho-Jun termina
o filme salvo, disso não há dúvidas,
mas a razão de sua salvação é
quase um mistério.
De um lado, podemos considerar que a obra defende o
caminho da liberdade como necessidade para revalorização
da vida: o discurso anti-belicista do jovem no fim do
filme, as críticas jogadas sem qualquer preocupação
narrativa ao governo Bush, a idéia da aceitação
a qualquer ser humano, a lembrança de uma recém-ditadura
que assolou o país e ainda possui suas marcas
podem pesar para essa constatação. De
outro, perceber a solidariedade e as relações
humanas como o tal fator regenerador: todo o afeto que
se estabelece entre Ho-Jun e Gye-Sang, dos quais surgem,
nos erros da narrativa (pois os momentos em que ela
perde uma "função" só
podem ser considerados erros), os poucos momentos verdadeiros
da obra, também não deve ser excluído
como a causa-mor do diretor.
É a terceira via possível de entendimento,
porém, que dá a Anfitrião e Convidado
uma postura ética preocupante, escamoteada por
suas críticas políticas e elogios à
amizade. Ho-Jun não somente é convencido
a voltar à vida por um missionário, como
o próprio personagem do jovem é sempre
visto com bons olhos pela câmera. O protagonista
é radical e intempestivo, seu amigo sereno e
compreensivo. Nos momentos em que bebe, sofre, se perde,
é Gye-Sang que o ajuda a chegar em casa. Até
aí, os problemas – fora uma construção
absolutamente banal tanto dos personagens principais
quanto de seu relacionamento – não são
tão graves. Esta gravidade aumenta quando um
ateu em crise é regenerado pelas ações
e palavras de um religioso convicto (e em alguns momentos
este jovem mostra-se muito melhor argumentado nas discussões
do que o protagonista), dentro de um filme que claramente
acredita na perspectiva – em si já lotada de
fé – de uma salvação. Parece que
a obra de Shin Dong-Il está, no fundo, é
querendo nos converter.
Para isso, contribui a figura de Ho-Jun, quando regenerado:
cabelo bem-feito, moral reconstituída, sorriso
no rosto, serenidade de espírito. O contraste
absoluto entre o antigo e o novo Ho-Jun revela que existe,
portanto, para Shin, um certo e um errado no mundo tão
definidos quanto, por exemplo, o preto e o branco. Dessa
forma, apesar de parecer um filme que, a todo tempo,
reivindica para si a defesa de uma liberdade inexistente
na sociedade coreana, no fundo Anfitrião e
Convidado não passa de um livrinho bobo de
advertências cristãs. E, se o diretor precisa
de noventa minutos para tentar me salvar com elas, esse
texto responde simples e mal-educadamente com apenas
duas palavras: não, obrigado.
Leonardo Levis
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