12:08, LESTE DE BUCARESTE
Cornelius Porumboiu, A fost sau n-a fost?, Romênia, 2006

Em imagens estáticas de plano gerais, as luzes da cidade vão se apagando, enquanto a luz do dia vai surgindo. Em uma pequena cidade da Romênia começa mais um dia. É um dia de dezembro e as pessoas fazem o que sempre costumam fazer: tomam café, vêem TV, vão ao colégio, ao trabalho.

No colégio, os alunos que fazem prova de História escolhem escrever sobre a Revolução Francesa, não sobre qualquer momento histórico romeno. No estúdio da emissora de TV local, a banda de alunos do colégio toca uma "música latina" dançante, até ser interrompida pelo diretor da emissora, que pede que toquem alguma música romena. Eles tocam, desinteressados. Para além do fato, neste momento, a câmera, que tinha o ponto de vista da câmera do cinegrafista da emissora, se volta para o contra-plano dos bastidores. Nesse contra-plano, o cinegrafista recebe ordens para pôr a câmera no tripé, enquanto vemos a banda refletida no aquário do estúdio, já tocando a música romena. O diretor da emissora, ao exigir que o cinegrafista pare com a mania da câmera na mão e que a banda toque outra música, é quem dita ordens nessa cena, expondo e impondo suas idiossincrasias enquanto coordena a única emissora de TV da cidade.

O dono da emissora é um dos três personagens que o filme acompanha com bom-humor. No início do filme, em imagens sóbrias, de câmera fixa e enquadramentos de conjunto, cada um dos três é mostrado em momentos cotidianos. Esse tipo de construção de imagem muda radicalmente pouco antes da metade do filme, quando os três personagens finalmente se unem e quando a câmera do cineasta passa a ter o olhar diegético (e desajeitadamente subversivo – uma tosca câmera na mão) da câmera da TV.

Manescu e Piscoci são convidados por Virgil Jderescu, dono da emissora, a falarem sobre o 16º aniversário da Revolução Romena: Virgil questiona se houve ou não revolução na pequena cidade que habitam. Não por acaso, os dois personagens convidados têm forte relação com o passado; Manescu é professor de História e Piscoci é velho e mais conhecido como o ex-Papai Noel da cidade. Já Virgil Jderescu, quem os convida, é o dono da emissora e parece apenas querer levantar uma questão para causar polêmica em seu programa. Curiosamente, se há um personagem a quem o filme nos submete menos simpatia, engajamento (não seria identificação, porque o filme não trabalha com essa chave), este é o próprio dono da emissora (canastrão, grosseiro, adúltero), condutor de boa parte do filme (a parte do programa, justamente o momento de leveza, desordem e escracho).

Parece que, de fato, há algo ali que não deve ser tão levado a sério, que deve ser descontraído. Escancaradamente, esta sensação vem do humor fácil e repetitivo, dos barquinhos de papel feitos pelo velho Piscoci durante o programa, dos papeizinhos rasgados de forma barulhenta pelo professor Manescu, do jeito meio canastrão de Virgil, dos telefonemas bizarros que eles recebem. Por trás disso, assim como o cenário (com a foto da praça central da cidade, local onde teria ocorrido a Revolução) está atrás dos atores que dão um show de atuação cômica, a discussão sobre a Revolução acaba ficando por detrás do desastre burlesco que vira o programa. Desta forma, o cineasta Corneliu Porumboiu traz à tona uma questão tão cara aos romenos ao mesmo tempo em que a descontrai e dissolve.

O cineasta faz esse caminho, contudo arma uma estrutura para o filme (imagens fixas da cidade/uma espécie de apresentação dos personagens sóbria e contida/o escracho na encenação e a quebra de linguagem/a volta às imagens estáticas da cidade) que serve para que não se confunda a descontração com o deboche. O episódio do programa certamente chama mais atenção, mas todos os momentos do filme são importantes para sua existência.

O cineasta romeno não quer fazer pouco caso de um fato histórico marcante para o seu País, quer apenas tratar com bom-humor e leveza a preocupação com a oficialidade das coisas. E faz isso usando como meio a TV, uma mídia que está presente em todas as casas durante o filme. Toda essa parte do programa brinca com o meio televisivo e com o tom oficioso da imagem, da mídia e dos momentos históricos retratados pela mesma. Vemos então a forma do filme desoficializando um pouco a TV e a questão da Revolução, ao menos naquela cidade específica. O filme também brinca perceptivelmente com a forma quando o dono da emissora reclama duas vezes a respeito da câmera na mão. Poderíamos tomar essas reclamações como sendo do próprio cineasta (cutucando filmes que tratam a câmera na mão como fetiche esvaziado) já que todos os outros planos são fixos. Ao mesmo tempo, numa contradição, o momento marcante do filme adota esse olhar com um tom de subversão gaiata que incomoda, mas, principalmente, diverte.

Imersos nessa diversão, mas já um pouco cansados das piadas reiteradas, somos levados ao fechamento do filme, num retorno às imagens estáticas das ruas. Desta vez, as imagens são acompanhadas de uma narração em off de alguém que parece estar diegeticamente por detrás das câmeras, como se fosse uma espécie de cinegrafista da TV que optou pela câmera fixa e pela observação do cotidiano da cidade que anoitece. A luz do sol cai, as luzes elétricas acendem e mais um dia existiu nessa pequena cidade romena. E, no fundo, pouco importa se eles fizeram ou não a Revolução.


Luísa Marques