100 ESCOVADAS ANTES DE DORMIR
Luca Guadagnino, Melissa P., Itália/Espanha, 2005

Melissa, uma adolescente de 15 anos, narra em um diário suas desventuras sentimentais e a descoberta do sexo. Na sua inocência romântica de virgem, ela se apaixona por Daniele, rapaz de intenções duvidosas, e, embora não saiba ao certo como agir, vai atrás do seu objeto de desejo, disposta a vencer as barreiras da timidez e da inexperiência em nome de uma afirmação do seu corpo (e, logo, de uma outra vida). Mas o mundo dos adultos é implacável e sem muito espaço para a sensibilidade: Daniele a humilha e dispõe sexualmente dela como bem entende. Melissa, no entanto, não se deixa abater, na confiança de conquistar este mundo do qual ainda não faz parte. Sua aparente "perda de ingenuidade" é encarada como um processo no qual a menina tenta se adaptar como pode às descobertas que faz. O filme é conduzido pelo seu olhar que oscila, duvida e a faz se arriscar e se lançar, desafiando a si mesma. A leitura pontual do seu diário em off dá o tom da narrativa confessional, seguindo um gênero literário bastante em voga hoje, algo como "relato pessoal de aventuras pesadas da juventude", aliás, nicho confesso do livro de sucesso que originou o filme.

Esta observação da personagem, desde suas opiniões e sentimentos sobre o que a cerca (a distância do pai que ela adora, os conflitos com a mãe ausente, a atenção e compreensão da avó que ela ama, a presença e companhia da amiga inseparável, a hostilidade do ambiente escolar), às suas reações ao que lhe acontece, isenta-se a princípio de qualquer julgamento. Melissa cambaleia frente às situações com as quais se depara, deixando-se levar e não se preocupando muito com certezas – e o filme apresenta-se livre e sem pudores ao descrever suas descobertas sexuais "não-ortodoxas". Ignorando as leis da moral e dos comportamentos sociais, Melissa se entrega ao prazer proporcionado por seu corpo, confiante de estar devolvendo à sociedade o seu próprio veneno: o individualismo. A prática do sexo desvinculado de qualquer relação interpessoal, torna-se para a menina a tônica do funcionamento do mundo dos grandes, ao qual ela tenta se alinhar. Essa visão rasteira e ingênua da prática sexual, de certa forma natural ao momento de descoberta e decepções pelo qual ela passa, é exagerada e ampliada pelo filme, chegando quase a constituir um diagnóstico apocalíptico dos homens.

Pois tudo que acontece a Melissa tem o ar do trágico, da desgraça irremediável. E, embora o filme procure um equilíbrio que não descambe para a análise de um "mundo corrompido", reforçando a altivez da personagem perante os golpes que leva (seu "entrar no jogo" sem grandes danos), a seqüência crescente de "degradações" que ela sofre atinge um clímax, no qual o mundo todo parece conspirar negativamente contra os seres que "perdem seu caminho". 100 Escovadas dá então uma volta sobre si e encontra a noção de pecado, ausente até ali, se encerrando como uma narrativa de forte cunho moral. De tanto desprezar os valores familiares e os bons costumes sexuais, Melissa acaba caindo numa enrascada: vai até o apartamento de um homem com quem "divertia-se" pela internet e encontra um tarado violento. Neste momento, em montagem paralela das mais ignóbeis, sua querida avó, que estava internada num asilo-clínica, morre. De um só golpe, a menina que achava poder lidar em pé de igualdade com as injustiças do mundo, dominar a dor, as agressões e as humilhações, se vê castigada por conta de suas desmedidas. Conseguindo escapar do covil em que se meteu e chegando em casa razoavelmente salva, ela encontra sua mãe, abalada pela leitura do diário da filha, pelo seu sumiço e pela morte da sogra. Neste momento, também a mãe tem sua oportunidade de regeneração: descobre a insuspeita vida difícil de Melisse e reconhece a relação forte e sincera que ela tinha com a avó, a única pessoa que realmente a entendia.

Espécie de brusca reviravolta, o desfecho conciliatório e redentor revela o quanto a descrição de situações anterior constituía na verdade um painel narrativo-argumentativo: as ações de todos os personagens são valoradas (ou re-valoradas, considerando-se que eram ações que valiam por si) em virtude de uma súbita "tomada de consciência" ou reconhecimento da necessidade de não se abandonar determinados princípios "humanos". Toda a "falta de rumo" de Melissa, aparentemente motivada por suas incertezas e dúvidas, mostra-se o resultado de uma falta de amparo familiar. Restabelecido o diálogo e o afeto entre ela e sua mãe, a vida descortina-se de outra forma: ela pode reencontrar a amiga verdadeira que havia descartado e descobrir no garoto estranho da sala um admirador secreto, que nutria por ela sentimentos nobres. Encontrar, enfim, sua adolescência sadia e "normal", após as provas de ferro às quais foi submetida por sua ingenuidade. Logo, as perversões e exageros dos quais ela fez parte brevemente ficam para os bad-boys, representantes de uma juventude perdida que o filme finalmente renega e se abstém de "investigar". Ora, talvez lhes falte também o amor familiar, para que aprendam a canalizar da forma devida seus impulsos sexuais...

100 Escovadas alinha-se a uma certa tendência do cinema contemporâneo que busca efeitos de choque como meio para atingir um fim: a reafirmação de valores morais cuja ausência parece sentida. A lista é grande e inclui filmes como Réquiem para um Sonho, de Darren Aronofsky e Um Vazio em Meu Coração, de LuKas Moodysson. A configuração desta preocupação como gênero, algo tipo "retrato de uma juventude perdida", vem quase sempre caracterizada por um lamento mesclado a uma afirmação. É preciso afirmar a potência da sedução exercida por este "lado negro" do homem e atuar dentro dos seus desígnios (explorar o baixo, a vulgaridade, o mau-gosto, em suma, compactuar com a "perversão"), para então condená-lo e comprazer-se também com o castigo. Trata-se de uma estratégia de lógica eminentemente cristã – e cinematograficamente lamentável, por denunciar uma grave descrença nos personagens e na sua existência na tela-mundo. Pois a sua manifestação em imagem, produzida e incentivada pela câmera, acaba desautorizada pela narrativa, que se sobrepõe a ela. Onde poderíamos ter uma experiência, recebemos uma lição, em forma de narrativa educativa e edificante.


Tatiana Monassa