Swamp
Water, EUA, 1941 (DVD Fox)
This Land is Mine, EUA, 1943 (DVD Continental)
Woman on the Beach, EUA, 1947 (DVD
Continental)
"Renoir é sempre Renoir; é por isso que ele não
tem necessidade de imitar Renoir."
- Eric Rohmer
Os cinco filmes que Jean Renoir fez em Hollywood nos
anos 40 permanecem o momento mais obscuro de sua carreira.
A maior parte dos artigos sobre o cineasta preferem
saltar de A Regra do Jogo (39) direto para O
Rio Sagrado (51), ou no máximo apontar que os filmes
feitos no intervalo são trabalhos de interesse menor.
Sim, não há nenhum A Cadela ou French Can
Can entre os cinco longas que Renoir completou em
Hollywood. Mas com que freqüência estes filmes acontecem
na carreira de qualquer cineasta? Quer dizer, não há
um French Can Can na carreira inteira de François
Truffaut, mas ele não deixa de ser um grande cineasta,
certo?
Deixando de lado a miopia e falta de informação habitual,
aproveitamos a oportunidade do lançamento por aqui de
três destes filmes (curiosamente ficaram ausentes justamente
os dois filmes que Renoir teve mais controle sobre:
Amor a Terra e Diário de uma Camareira).
Há muito de Hollywood nestes filmes, em especial O
Segredo do Pântano, o que não surpreende se nos
lembrarmos de que Renoir sempre foi essencialmente um
cineasta comercial; mas o que impressiona vendo o conjunto
dos filmes é justamente o que eles têm de extremante
particulares. Diferente de Lang e Hitchcock, os outros
dois imigrantes europeus que chegaram a Hollywood fugindo
da guerra genuinamente prestigiados, os filmes americanos
de Renoir são difíceis de classificar e exercitam com
freqüência um grande esforço para evitarem se encaixar
facilmente em gêneros específicos.
A Grande Ilusão fora popular o suficiente junto
as platéias americanas para conseguir uma indicação
ao Oscar de melhor filme, e Renoir usou seu status para
convencer a Fox a lhe permitir rodar O Segredo do
Pântano, nas locações nos pântanos de Okefenokee
em que a ação transcorre, prática completamente incomum
no cinema americano da época. O pântano e a comunidade
à sua volta são as verdadeiras personagens centrais
do filme. Dudley Nichols, então roteirista mais freqüente
de John Ford, escreveu o filme e é fácil observar a
influencia de Ford no projeto como um todo (Ward Bond
até interpreta um coadjuvante na linha dos que fazia
regularmente para Ford). De certa forma, o filme como
um todo funciona como um esforço de Renoir de se aclimatar
à sua nova posição dentro do cinema americano ao mimetizar
o melhor modelo que este tinha a oferecer. A aposta
nem sempre funciona, muito porque Darryl Zanuck interferiu
demais no filme após as filmagens (o final foi refilmado
por Irving Pichel, por exemplo). Ainda assim, a evocação
da pequena comunidade se aproxima de Ford bem mais do
que qualquer outra tentativa do gênero e o uso do pântano
por Renoir é sempre dos mais expressivos.
Já Esta Terra é Minha é um sucesso completo.
Um dos muitos filmes de propaganda feitos à época, ele
se diferencia dos outros exemplares do gênero ao se
dedicar a um exercício de imaginação especulativa. O
que está em jogo aqui é uma tentativa de Renoir de construir
o que poderia ser o cotidiano de uma pequena cidade
do interior da França sob controle alemão. O gênio de
Renoir reside aqui justamente em ir contra o naturalismo
que se esperaria de tal empreitada. Esta Terra é
Minha existe bem longe do realismo, não é um filme
que espera uma fidelidade de superfície porque Renoir
sabe que tal reconstrução é impossível. No lugar, procura
passar uma idéia do que significa viver sob a ocupação
e é por isso que permanece um dos melhores, se não o
melhor filme sobre o assunto, certamente melhor do que
a imensa maioria dos filmes franceses que tentaram lidar
com a questão. Jean Renoir é humilde o suficiente para
reconhecer o que ele pode ou não fazer e talentoso de
sobra para tirar o máximo a partir do que pode. O roteiro
de Dudley Nichols pode sofrer de excesso de retórica,
mas serve com perfeição às intenções do filme; isto
porque permite ao cineasta que construa a sua cidade
como um organismo vivo, com diversas existências e ações
contraditórias dos mais diversos tipos. Há ainda Charles
Laughton no centro do filme, quando o clímax chega e
Laughton entrega o inevitável discurso que um filme
como este precisa oferecer, Renoir muda o tom para o
de mero registro de performance e a simbiose que ele
consegue com o ator é única na sua obra. O monólogo
de Nichols pode ser datado, mas o que Laughton/Renoir
retiram do momento permanece impressionante.
Amor a Terra (45) e Diário de uma Camareira
(46) mostrariam um Renoir ainda mais à vontade e em
grande forma; e só podemos esperar que eles também apareçam
por aqui em DVD. A Mulher Desejada terminou encerrando
a aventura hollywoodiana do cineasta, muito por conta
da sua irritação pela interferência na montagem que
o filme sofreu que convenceram o cineasta a optar pelas
co-produções internacionais (não desprovidas de suas
indignidades, vale dizer). A Mulher Desejada
é também aquele raro caso de filme cuja interferência
externa pode ter terminado por beneficiá-lo. O filme
quase não faz sentido como narrativa, mas isto lhe empresta
uma qualidade abstrata que termina por reforçar o tom
erótico que o domina. Trata-se de uma espécie de resposta
de Renoir a Fritz Lang, que pouco antes refilmara A
Cadela como Almas Perversas. Aqui Renoir
usa a mesma atriz (Joan Bennett) para realizar o mesmo
tipo de poema pornográfico que Lang fizera tanto em
Almas Perversas e Um Retrato de Mulher.
O filme é direto e físico como poucos que o cineasta
fez e se os cortes mantêm a trama só semicompreensível,
o elenco permanece excepcional (Bennett, Robert Ryan,
Walter Huston). O filme permanece um dos melhores tratados
sobre o desejo colocados na tela. Um final excepcional
para este atribulado, mas fascinante capítulo na carreira
de Jean Renoir.
Filipe Furtado
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