LENDA ASSASSINA
John Landis, Deer Woman, EUA, 2005

Afastado dos filmes de ficção por sua inadequação aos esquemas atuais de Hollywood, John Landis encontra em seu episódio para a série Masters of Horror o elemento perfeito para seu retorno. O estilo de comédia que concebeu nos anos 80 foi aos poucos sendo afogada, até ter seus últimos resquícios relegados à TV. Por isso nada mais natural que Landis consiga com tanta naturalidade lidar com as diferenças entre cinema e TV, e se encaixe com tanta perfeição ao formato.

A série produzida por Mick Garris tem ao mesmo tempo um tipo de liberdade rara para seus realizadores, seja para criação seja pela questão de não haver censura, e uma limitação vinda do hábito com os moldes de cinema dos autores. Exceção feita ao episódio de Takashi Miike, vetado pela ShowTime nos EUA mas sendo exibida no resto do mundo, os produtores deram liberdade completa aos seus cineastas. Landis trabalha com um roteiro escrito por seu filho e lapidado por ele mesmo, e talvez tenha realizado o primeiro filme da série a realmente se sentir confortável no formato de TV para o qual foi concebido. Salvo o próprio Garris em seu Chocolate, os episódios sempre traziam tentativas cinematográficas. Muitas delas com bons e excelentes resultados, vide os trabalhos de Joe Dante, Dario Argento e John Carpenter, mas sempre trazendo um certo incômodo de formato, de limites, às vezes até questionando o próprio formato, de não se sentir por completo à vontade. John Landis está em casa, ou se faz estar em casa.

Os tempos passaram e Landis já não tem a mesma paciência com os meios do mundo contemporâneo como outrora, algo já explicito no seu curta-continuação para Clube dos Cafajestes lançado junto ao DVD do filme. Seu eterno herói, o autêntico bobão, retorna numa figura um tanto mais amargurada que de costume. Mas tudo é extremamente landisiano: o detetive Faraday, nosso herói da vez, foi afastado de seu cargo e relegado a ter que resolver casos cotidianos como ataques de animais. O caso também é brilhante e tem a cara do cineasta: uma mulher dotada de incrível beleza esquarteja os homens que seduz; a razão: ela é na verdade um veado!

Há algumas cenas de humor brilhante, especialmente quando a relação entre Faraday e o policial Reed cresce. Além da fisicalidade com que desenvolve as situações, desde o próprio corpo da “deer woman” até como o detetive tenta simular os passos de um veado para recriar seus caminhos. Ou a longa seqüência onde Faraday tenta imaginar todas as formas em que o ato do ataque pode ocorrer, com as mais variadas soluções pro crime. A criatividade de Landis é incrível e seu talento para transformar a mais simples das piadas segue intacto. E por mais que compreenda e monte o filme no ritmo perfeito para a TV, Landis ainda cria um movimento interno do filme, um uso brilhante da trilha, um encaixar de um plano no outro, algo que só alguém que entenda e pratique cinema de verdade seria capaz de criar.

E ainda há a chance de relembrar as aventuras noturnas de Landis. As investigações de certa forma começam ensolaradas e vão gradualmente se aproximando do filme noturno no qual Landis é mestre, onde domina o tempo e as ações como poucos. O filme vai ganhando este tom, as cores fortes e brilhantes, os ambientes noturnos, na medida em que tudo passa do ponto em que era apenas uma piada divertida para um trabalho realmente impressionante. John Landis está em forma.


Guilherme Martins

(DVD Paris Filmes)

 

 









As cenas noturnas são o ponto alto de Lenda Assassina