Afastado
dos filmes de ficção por sua inadequação aos esquemas
atuais de Hollywood, John Landis encontra em seu episódio
para a série Masters of Horror o elemento perfeito para
seu retorno. O estilo de comédia que concebeu nos anos
80 foi aos poucos sendo afogada, até ter seus últimos
resquícios relegados à TV. Por isso nada mais natural
que Landis consiga com tanta naturalidade lidar com
as diferenças entre cinema e TV, e se encaixe com tanta
perfeição ao formato.
A série produzida por Mick Garris tem ao mesmo tempo
um tipo de liberdade rara para seus realizadores, seja
para criação seja pela questão de não haver censura,
e uma limitação vinda do hábito com os moldes de cinema
dos autores. Exceção feita ao episódio de Takashi Miike,
vetado pela ShowTime nos EUA mas sendo exibida no resto
do mundo, os produtores deram liberdade completa aos
seus cineastas. Landis trabalha com um roteiro escrito
por seu filho e lapidado por ele mesmo, e talvez tenha
realizado o primeiro filme da série a realmente se sentir
confortável no formato de TV para o qual foi concebido.
Salvo o próprio Garris em seu Chocolate, os episódios
sempre traziam tentativas cinematográficas. Muitas delas
com bons e excelentes resultados, vide os trabalhos
de Joe Dante, Dario Argento e John Carpenter, mas sempre
trazendo um certo incômodo de formato, de limites, às
vezes até questionando o próprio formato, de não se
sentir por completo à vontade. John Landis está em casa,
ou se faz estar em casa.
Os tempos passaram e Landis já não tem a mesma paciência
com os meios do mundo contemporâneo como outrora, algo
já explicito no seu curta-continuação para Clube
dos Cafajestes lançado junto ao DVD do filme. Seu
eterno herói, o autêntico bobão, retorna numa figura
um tanto mais amargurada que de costume. Mas tudo é
extremamente landisiano: o detetive Faraday, nosso herói
da vez, foi afastado de seu cargo e relegado a ter que
resolver casos cotidianos como ataques de animais. O
caso também é brilhante e tem a cara do cineasta: uma
mulher dotada de incrível beleza esquarteja os homens
que seduz; a razão: ela é na verdade um veado!
Há algumas cenas de humor brilhante, especialmente quando
a relação entre Faraday e o policial Reed cresce. Além
da fisicalidade com que desenvolve as situações, desde
o próprio corpo da “deer woman” até como o detetive
tenta simular os passos de um veado para recriar seus
caminhos. Ou a longa seqüência onde Faraday tenta imaginar
todas as formas em que o ato do ataque pode ocorrer,
com as mais variadas soluções pro crime. A criatividade
de Landis é incrível e seu talento para transformar
a mais simples das piadas segue intacto. E por mais
que compreenda e monte o filme no ritmo perfeito para
a TV, Landis ainda cria um movimento interno do filme,
um uso brilhante da trilha, um encaixar de um plano
no outro, algo que só alguém que entenda e pratique
cinema de verdade seria capaz de criar.
E ainda há a chance de relembrar as aventuras noturnas
de Landis. As investigações de certa forma começam ensolaradas
e vão gradualmente se aproximando do filme noturno no
qual Landis é mestre, onde domina o tempo e as ações
como poucos. O filme vai ganhando este tom, as cores
fortes e brilhantes, os ambientes noturnos, na medida
em que tudo passa do ponto em que era apenas uma piada
divertida para um trabalho realmente impressionante.
John Landis está em forma.
Guilherme Martins
(DVD Paris Filmes)
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