SERPENTES A BORDO
David R. Ellis, Snakes on a Plane, EUA, 2006

Veterano de equipes de segunda unidade e trabalhos com dublês, David R. Ellis vem trilhando uma carreira curiosa e bastante pessoal dentro do cinema americano recente. Seus filmes sempre trabalham um aspecto físico e buscam explorar as possibilidades do que se pode realizar com as câmeras neste sentido. Sua estréia já apontava isso revirando a franquia de terror Premonição com um filme que divergia em muito de seu antecessor, com cenas de ação mais elaboradas e violentas. Deu seguimento com Celular, onde trabalhando a partir de uma idéia original de Larry Cohen conseguiu filmar no limiar do absurdo completo, sempre se mantendo crente do que realizava. E então chega Serpentes a Bordo, seu último trabalho. As semelhanças seguem, e é fácil encaixá-lo dentro da obra que Ellis vem realizando. A preocupação de tentar a mais variada coleção de cenas de ação mirabolantes – no entanto muito mais fortes e interessantes que qualquer coisa imaginada por Michael Bay – segue intacta, às vezes em um tom até exagerado. Ellis pratica um tipo de cinema extremo que pode co-existir dentro de Hollywood, mas não menos verdadeiro que qualquer outro. Seu conceito é o da ação acima de qualquer outro elemento, o da busca por um “êxtase maior” em imagem.

Outra das características mais fortes dos filmes de David Ellis é a de trabalhar a partir dos clichês, subvertendo-os a seu favor. Se em Premonição 2 era a partir do terror adolescente dos anos 90 e em Celular era dos comportamentos humanos em situações limite e dos filmes de seqüestro, aqui Ellis ataca em várias áreas: filmes-desastre, ameaças animais, máfia coreana. E talvez justamente por ser tão aberto, e pelo fato do filme ser uma comédia, é que a sensação final não seja tão boa quanto a dos outros, em especial Celular. O filme acaba por ironizar tanto as situações que tira parte da força que existia no antecessor, que trabalhava com estes elementos, estando consciente, e humorizava estas situações, mas ainda assim acreditava naquilo que mostrava. O Ellis de Serpentes parece confortável demais, às vezes até pouco interessado naquilo que mostra. Não que ele deixe de criar algumas seqüências boas, e que o filme não lide bem com o material. Na verdade o que há de mais forte em Serpentes é justamente como Ellis é capaz de equilibrar todos os exageros absurdos, as situações extremas uma em cima da outra, e mesmo assim entregar um filme equilibrado, ainda que de uma forma meio esquizofrênica.

Ellis se mostra bastante esperto na forma como amarra as seqüências, e mesmo sem se apegar aos personagens consegue um resultado eficiente das tensões. À medida que o tempo passa o interesse cresce, quando o cineasta vai juntando os personagens dentro de um espaço cada vez mais fechado e cercado pelas cobras. O filme pesa a mão um pouco nos efeitos digitais, às vezes podando alguns dos momentos mais tensos do filme por seu excesso de irrealidade. Ellis também trabalha bem com a imagem de Samuel L. Jackson, brilhante na forma como vem se utilizando de sua faceta de ator mais cool do mundo. A forma como ambos, ator e diretor, topam interromper tudo que estavam realizando apenas para incluir sua clássica frase de efeito mostra o quão aberto estava o filme. Mas talvez o único momento realmente brilhante de Serpentes esteja guardado para o final, quando o filme se abstém até dos exageros digitais ao colocar o rapaz viciado em um simulador de vôo para salvar as vidas dos personagens a bordo. É quando finalmente o filme perde qualquer vergonha e se assume de vez uma aventura virtual, o delírio de um público específico. E é brilhante como tal. Viva o PlayStation!

Guilherme Martins