Veterano de equipes de segunda
unidade e trabalhos com dublês, David R. Ellis vem trilhando
uma carreira curiosa e bastante pessoal dentro do cinema
americano recente. Seus filmes sempre trabalham um aspecto
físico e buscam explorar as possibilidades do que se
pode realizar com as câmeras neste sentido. Sua estréia
já apontava isso revirando a franquia de terror Premonição
com um filme que divergia em muito de seu antecessor,
com cenas de ação mais elaboradas e violentas. Deu seguimento
com Celular, onde trabalhando a partir de uma
idéia original de Larry Cohen conseguiu filmar no limiar
do absurdo completo, sempre se mantendo crente do que
realizava. E então chega Serpentes a Bordo, seu
último trabalho. As semelhanças seguem, e é fácil encaixá-lo
dentro da obra que Ellis vem realizando. A preocupação
de tentar a mais variada coleção de cenas de ação mirabolantes
– no entanto muito mais fortes e interessantes que qualquer
coisa imaginada por Michael Bay – segue intacta, às
vezes em um tom até exagerado. Ellis pratica um tipo
de cinema extremo que pode co-existir dentro de Hollywood,
mas não menos verdadeiro que qualquer outro. Seu conceito
é o da ação acima de qualquer outro elemento, o da busca
por um “êxtase maior” em imagem.
Outra das características mais fortes dos filmes de
David Ellis é a de trabalhar a partir dos clichês, subvertendo-os
a seu favor. Se em Premonição 2 era a partir
do terror adolescente dos anos 90 e em Celular
era dos comportamentos humanos em situações limite e
dos filmes de seqüestro, aqui Ellis ataca em várias
áreas: filmes-desastre, ameaças animais, máfia coreana.
E talvez justamente por ser tão aberto, e pelo fato
do filme ser uma comédia, é que a sensação final não
seja tão boa quanto a dos outros, em especial Celular.
O filme acaba por ironizar tanto as situações que tira
parte da força que existia no antecessor, que trabalhava
com estes elementos, estando consciente, e humorizava
estas situações, mas ainda assim acreditava naquilo
que mostrava. O Ellis de Serpentes parece confortável
demais, às vezes até pouco interessado naquilo que mostra.
Não que ele deixe de criar algumas seqüências boas,
e que o filme não lide bem com o material. Na verdade
o que há de mais forte em Serpentes é justamente
como Ellis é capaz de equilibrar todos os exageros absurdos,
as situações extremas uma em cima da outra, e mesmo
assim entregar um filme equilibrado, ainda que de uma
forma meio esquizofrênica.
Ellis se mostra bastante esperto na forma como amarra
as seqüências, e mesmo sem se apegar aos personagens
consegue um resultado eficiente das tensões. À medida
que o tempo passa o interesse cresce, quando o cineasta
vai juntando os personagens dentro de um espaço cada
vez mais fechado e cercado pelas cobras. O filme pesa
a mão um pouco nos efeitos digitais, às vezes podando
alguns dos momentos mais tensos do filme por seu excesso
de irrealidade. Ellis também trabalha bem com a imagem
de Samuel L. Jackson, brilhante na forma como vem se
utilizando de sua faceta de ator mais cool do
mundo. A forma como ambos, ator e diretor, topam interromper
tudo que estavam realizando apenas para incluir sua
clássica frase de efeito mostra o quão aberto estava
o filme. Mas talvez o único momento realmente brilhante
de Serpentes esteja guardado para o final, quando
o filme se abstém até dos exageros digitais ao colocar
o rapaz viciado em um simulador de vôo para salvar as
vidas dos personagens a bordo. É quando finalmente o
filme perde qualquer vergonha e se assume de vez uma
aventura virtual, o delírio de um público específico.
E é brilhante como tal. Viva o PlayStation!
Guilherme Martins
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